Veja decisão do juiz após julgamento
Por: GIFE| Notícias| 12/04/2010As considerações e a decisão do Juiz, Francisco Tancredi, sobre o julgamento Qual o impacto do ISP na Sociedade Brasileira?
A – QUEM É ESTE RÉU?
– Todos esperamos que tenha ficado claro para o júri qual é o perfil do sujeito que está submetido a julgamento?
– Há muitas formas de ISP e, em geral, quando ouvimos este tipo de discussão, logo nos vem a imagem de uma fundação corporativa que é o típico sócio do GIFE
– Mas há outros investidores que são menos estudados e escrutinizados.
– Como foi bem lembrado na introdução desta sessão de julgamento, não estão sendo julgados o GIFE nem os seus associados, mas o ISP como um todo
B – AS DECISÕES DO JURI
O réu recebeu seis acusações da promotoria. A decisão dos jurados foi, em resumo a seguinte:
1. Não possível promover transformações sociais por meio do investimento social privado. Inocente
2. Os investidores sociais não se orientam claramente pela busca de transformações sociais efetivas seus ações estão voltadas a trazer benefícios para sua própria imagem. Culpado
3. Os investidores sociais não têm conseguido ouvir a voz e compreender as demandas dos grupos envolvidos na ação social.
4. O ISP apresenta um amontoado de ações pontuais ou há articulação no investimento do setor. Culpado
5. A atuação dos investidores não é pautada pelos mesmos princípios de transparência e accountability impostos aos seus parceiros? Culpado
6. O uso de incentivos fiscais não é uma forma legítima de investimento social privado? Inocente
Os quesitos 1 e 2 não se referem especificamente à conduta do réu e implicam questões conceituais de fundo que são defendidas e praticadas pelo réu.
Ao elaborar a minha sentença levei em consideração alguns aspectos do contexto, certas circunstâncias atenuantes e outras agravantes
C – CONTEXTO. AMBIENTE FAMILIAR
– O réu é praticamente um adolescente;
– Não se pode dizer que tenha sofrido de maus tratos na infância;
– Foi auto-didata na primeira e segunda infâncias posto que não havia escolas na região; aprendeu algumas primeiras letras com vizinhos ao norte, mas logo quis seguir sua própria cabeça;
– Os pais lhe prometiam muitos incentivos, mas nem sempre cumpriram com a palavra
– Esperaram muito do seu desempenho; faziam fé que o jovem poderia mudar a vida da família para melhor;
– Os pais, tios e até os vizinhos sempre cobraram muito dele; queriam as melhores notas e os maiores elogios;
– Muitas vezes ele teve que chegar em casa dizendo que era o melhor da classe mas escondendo que não tinha sequer sido avaliado;
– Enfim, aprendeu e continua aprendendo com a vida; não teve um professor ou mentor designado.
D – CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES
– O ISP é recém-saido da adolescência no Brasil. Será que já saiu?
– É lícito dizer que até meados dos anos 80 o ISP praticamente inexistia de forma organizada;
– A filantropia corporativa emergiu como estratégia empresarial nos anos 90 e, mais adiante, se disseminaram os conceitos de RSE sobre os quais o ISP se assesta;
– As fundações familiares apenas começam a se organizar entre nós;
– Também é uma circunstância atenuante que o volume de recursos direcionados pelas empresas e famílias ao ISP vem mostrando crescimento significativo;
– Também é circunstância atenuante que, desde os primórdios da organização do ISP as empresas procuraram profissionalizar o trabalho. A imagem clássica do grupo de executivos da empresa que decide sobre cada doação ou projeto é coisa situada muito no passado. Ainda que a direção e gestão do ISP nas empresas não esteja totalmente independente e autônoma, há progressos notórios;
– Por fim. Outra atenuante é o fato de que o ISP brasileiro tem sido criativo nos seu modelo de gestão, não se pautando, necessariamente, por modelos importados dos EUA ou da Europa.
– O ISP mostra-se temeroso de adentrar em temas candentes da agenda brasileira: equidade racial, corrupção na vida política e na gestão pública, fortalecimento institucional, formação de lideranças políticas e sociais, participação democrática. Ele tem preferido “complementar” funções do governo. Digo “governo” e não “estado”;
– Não é esta atitude que se espera do ISP. Ele não vem para complementar o trabalho do setor público nem para colocar remendos. A função nobre do ISP é investir corajosa e desprendidamente para trazer para a agenda da sociedade temas que efetivamente interessam à sociedade e que ajudem a promover um real progresso social e um desenvolvimento justo;
– O que se espera do ISP é que invista para iluminar caminhos;
– Se vestir-se de flexibilidade e ousadia, poderá ensaiar novas soluções para velhos problemas e chamar a atenção da sociedade sobre novos possíveis caminhos;
– O ISP no Brasil ainda está longe de adotar atitudes ousadas para tratar dos grandes temas brasileiros;
– Tem preferido abraçar causas que são sobeja e ardentemente desejadas pela sociedade brasileira – qualidade da educação, marginalização da juventude, cuidados ao meio ambiente
– para pautar seus planos trabalho.
– Não que estes temas não mereçam atenção. Afinal, são assuntos não resolvidos ou cuja urgência dispensa comentários. Mas não são aqueles que ardem mais na alma do brasileiro;
– Outro agravante é que, com freqüência, o ISP prefere trabalhar isolado do setor público. As exceções, sim, existem, mas a maioria ainda despreza o potencial de trabalhar conjuntamente com o setor público. Os dois temas preferidos do ISP – qualidade da educação e inserção do jovem – mostrariam resultados mais auspiciosos se houvesse maior interação do ISP com o setor público; esta é, sem dúvida, uma atitude tola e ineficiente posto que duplica esforços onde deverá haver sinergia;
– Por derradeiro (linguajar solene como exige uma sentença deste calibre), os investidores tem dado clara preferência a trabalhar através de suas próprias estruturas, a operar seus projetos ao invés de confiar a execução a terceiros, ou seja, a fazer doações em dinheiro (grantmaking).
F – SENTENÇA
Por fim, a sentença. Não é fácil ditar uma sentença neste caso.
Considerando a idade do réu – a rigor, é mesmo difícil dizer se atingiu a idade de imputabilidade – e o balanço das circunstâncias atenuantes e agravantes, posso dizer que o réu é, até evidências em contrário mais substanciais, sujeito de boa índole e caráter – ainda que nas atuais circunstâncias seja considerado um delinqüente considerado culpado de vários delitos – não oferecendo riscos graves à sociedade a ponto de ser condenado à reclusão.
Por esses elementos, e face à decisão dos jurados, eu o absolvo das acusações maiores, mas o condeno a regime de liberdade vigiada e medidas sócio-educativas em face de vários traços de conduta delinquencial.
É o seguinte regime sócio-educativo:
1. Demonstrar ao longo dos próximos dois anos atitudes e comportamentos indicativos:
a. De esforço mais intenso e mais estratégico para desenvolver programas – e não apenas apoiar projetos desarticulados — que atendam a reais necessidades da sociedade brasileira;
b. De que se reduz a ênfase na construção da imagem corporativa em detrimento de uma verdadeira busca de transformação social;
c. De que o ISP está buscando um maior acercamento aos grupos que apresentam demandas e que aprendeu a ouvir a voz das comunidades ao decidir sobre a destinação dos seus investimentos;
d. De que adota normas e padrões indicativos de transparência e accountability, lembrando que goza de incentivos e de isenções. A transparência e accountability não são uma concessão do ISP, mas uma obrigação social
2. Finalmente, determino que o réu se reapresente perante este tribunal dentro de dois anos, quando da realização do próximo congresso do GIFE, para ser submetido a avaliação dos resultados das medidas aqui propostas.
Francisco Tancredi