Voluntariado não pode ser marketing e deve atender a critérios éticos

Por: GIFE| Notícias| 04/08/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Especialistas afirmam que programas de voluntariado são importantes por levar o entusiasmo e a criatividade dos funcionários para a comunidade e otimizar os resultados dos projetos, colocando seu conhecimento e suas competências a serviço de novas demandas. No entanto, como qualquer forma de atuação social, o voluntariado nas empresas deve atender a critérios éticos e a algumas especificidades.

Lançado durante o Encontro Internacional – As Dimensões Éticas do Desenvolvimento, organizado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e pela Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), no início de julho, os Indicadores de Voluntariado Empresarial são um instrumento de reflexão e análise sobre o estágio dos programas de voluntariado em cada empresa.

São 12 indicadores, criados pelos consultores Mónica Galiano e Kenn Allen, que permitirão às empresas visualizar a situação de seus programas de voluntariado. “”O processo coletivo de resposta às perguntas dará fortes indícios das fortalezas e dos desafios a superar. As empresas poderão nos enviar os resultados, e nós publicaremos, periodicamente, a evolução desses indicadores no Brasil e nos EUA, onde eles também estão sendo aplicados””, explica Mónica.

Autora do livro Voluntariado na Empresa – Gestão Eficiente da Participação Cidadã, Mónica alerta para dois riscos possíveis no incentivo ao voluntariado dentro das empresas: criação de programas com objetivos exclusivos de marketing e resistência dos funcionários. “”Para que isso não aconteça, são necessários transparência quanto às intenções, democracia na participação de todos, respeito para com o público beneficiário e humildade para aprender com a comunidade atendida.””

De acordo com Andrés Falconer, coordenador executivo da ABDL (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças), para que esse tipo de programa tenha êxito é importante que ele não seja a única ação social praticada pela empresa. “”Um programa de voluntariado pode ser uma boa política de recursos humanos, mas não pode ser só isso, pois seria vista como oportunista. Somente programas sérios sobrevivem, pois os que não o são morrem por falta de quem se disponha a ser voluntário.””

A diretora do Centro de Voluntariado de São Paulo, Anísia Sukadolnik, acredita que programas imediatistas, não-sistematizados e sem clareza em relação ao foco de ações e aos objetivos a serem atingidos podem transmitir uma imagem de simples ação de marketing, e não de transformação. “”Projetos deste tipo geram frustração, descrença e não se sustentam””, alerta.

Ela afirma que empresas interessadas em desenvolver programas de voluntariado devem conciliar os interesses e as necessidades próprios dos funcionários e das organizações sociais, além de motivar, acompanhar e avaliar o trabalho, harmonizar as diferentes culturas organizacionais e comunicar as ações realizadas.

Para Ruth Goldberg, gerente de cidadania corporativa da agência de comunicação Publicom, a participação democrática dos funcionários nas decisões e no gerenciamento do programa é fundamental para a sua continuidade. “”Seja qual for a razão que leva um indivíduo ou uma empresa a se engajar em alguma ação voluntária, isso causa uma tomada de consciência do seu papel social.””

Desafios – Elizabeth Kfuri, diretora da Fundação Otacílio Coser e conselheira do GIFE, afirma que o trabalho com os voluntários está relacionado à disseminação de conhecimentos e mudança de cultura, estimulando a participação cidadã. “”O principal desafio é a constante sensibilização e mobilização, visando manter a motivação e levando-os ao comprometimento, seja em ações pontuais ou de longa duração.””

O Programa de Voluntariado Corporativo do Grupo Coimex, mantenedor da Fundação Otacílio Coser, existe desde 2001. Coordenado pela fundação, tem como estratégia a criação de Núcleos de Solidariedade em cada empresa do grupo, na quais as ações e projetos são determinados pelos próprios funcionários, obedecendo as diretrizes da empresa com a demanda da comunidade. As atividades são monitoradas por meio de reuniões mensais de acompanhamento e relatórios de atividades desenvolvidos pelos voluntários.

Andres Falconer, da ABDL, afirma que é preciso existir um clima de confiança e boa vontade entre empresa e funcionários, e a primeira também deve estar disposta a entregar aos funcionários boa parte da responsabilidade e do poder de decisão sobre o voluntariado. Tempo livre, recursos financeiros aos projetos e reconhecimento aos funcionários são alguns pontos que Falconer aponta como formas de valorização do voluntário. “”De outro modo, os funcionários poderiam fazer trabalhos sociais sem envolvimento da empresa.””

Na Philips, os projetos de voluntariado foram concebidos para permitir a participação dos funcionários com comentários, sugestões e avaliação sobre o que estão fazendo. “”Os voluntários sabem que são importantíssimos para o sucesso do projeto e assumem a responsabilidade pelo trabalho que executam. No treinamento que recebem, eles aprendem que podem e devem fazer a di ferença””, diz Flávia Moraes, gerente-geral de responsabilidade social da Philips na América Latina.

Promover eventos com a presença da diretoria da empresa e destacar durante o ano a atuação dos voluntários nos meios de comunicação internos são algumas das ações para incentivar o voluntariado. Porém, esse tipo de reconhecimento, segundo Flávia, não é a mola propulsora de seu estímulo para a ação. “”A avaliação da população atendida é certamente o maior estímulo ao voluntário. É por meio delas que o funcionário percebe que seu trabalho é efetivo e que ele é um agente transformador””, conta.

Comprometimento – Há 10 anos, os funcionários da AGF do Brasil desenvolvem e acompanham projetos sociais. “”Eles participam de diversas maneiras: arrecadando fundos para os projetos por meio da organização de festas e outros eventos beneficentes, desenvolvendo campanhas de captação de recursos materiais, além de também contribuírem com recursos financeiros””, explica Laura Snitovski, gerente de marketing da empresa.

Ela diz que é preciso transmitir aos funcionários a importância de sua ação para a comunidade. “”É fundamental gerar um comprometimento com a causa para que sua atuação voluntária não seja entendida como um trampolim para o sucesso. Além disso, deve existir um comprometimento grande da presidência para não dar esse tipo de interpretação e oportunidade aos funcionários.””

Anísia, do Centro de Voluntariado de São Paulo, afirma que é possível distinguir pessoas que atuam como voluntários porque realmente estão engajadas na causa daquelas que o fazem apenas como uma forma de reconhecimento pessoal, pois os que apenas procuram o reconhecimento pessoal, em geral, logo desistem. “”Se o programa estiver afinado com os valores e os princípios praticados pela empresa, a favor de causas socialmente relevantes e comprometido com mudanças a médio e longo prazo vai engajar voluntários que acreditem na causa.””

Na C&A, o programa de voluntariado surgiu com o lançamento do Instituto C&A, em 1991. Os funcionários da empresa são convidados a participar de ações estratégicas, em horários planejados e articulados à estrutura organizacional da empresa, e desenvolvem ações nas organizações sociais parceiras do instituto.

“”Além disso, disseminam nas lojas os princípios e os valores que regem a ação do Instituto C&A, identificam as oportunidades de investimento social nos locais onde atuam, participam da discussão e da definição do investimento na organização parceira e vivenciam processos educativos no cotidiano dessas instituições””, conta Áurea Maria de Alencar, coordenadora de projetos do instituto.

Para que os voluntários desenvolvam essas ações com competência e qualidade, o Instituto C&A construiu uma proposta de formação e promove uma revisão permanente do programa por meio de formulários e reuniões sistemáticas com as equipes. Como resultado, há maior participação social, descoberta de novas habilidades e desenvolvimento pessoal e coletivo.

Qualidade – A preocupação com a qualidade e a efetividade do trabalho voluntário no Hospital Israelita Albert Einstein foi reconhecida com a ISO 9001. A organização foi a primeira da América Latina a obter a certificação em um programa de voluntariado.

A ISO 9001 trouxe ao Einstein um modelo formal de gestão, que permite a todos os seus integrantes saber como executar suas tarefas, consultando os procedimentos escritos sempre que necessário e acompanhando seus resultados por meio dos registros existentes. Para que o trabalho seja permanente, são selecionadas pessoas com perfil para engajamento. “”Os que estão realmente engajados com a causa demonstram isso através de sua responsabilidade e comprometimento, sendo que aqueles que esperam por reconhecimento pessoal se afastam como seleção natural””, conta Telma Sobolh, presidente do Departamento de Voluntários do Einstein.

Para Mónica Galiano, a organização sempre deve se preparar antes de iniciar um programa de voluntariado. “”Se não está devidamente pronta para isso, a explosão de energia e entusiasmo constitui-se num problema operacional imenso e numa grande frustração para muitos empregados.””

Sites relacionados:

  • Indicadores de Voluntariado Empresarial
  • ABDL – Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças
  • Centro de Voluntariado de São Paulo
  • Fundação Otacílio Coser
  • Philips do Brasil
  • AGF do Brasil
  • Instituto C&A
  • Hospital Israelita Albert Einstein

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