85% das cidades brasileiras apresentam níveis alarmantes de desigualdade de gênero, aponta estudo
Por: GIFE| Notícias| 17/03/2025
Dezenas de mulheres, coletivos e sindicatos de classe participaram da marcha do Dia Internacional da Mulher, celebrado no último sábado (8).. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Um levantamento produzido pela consultoria Tewá 225 revela que 85% dos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes apresentam um índice “muito baixo” de igualdade de gênero, com altas taxas de feminicídio, baixa representatividade política feminina e desigualdade salarial.
A partir da análise de 319 municípios brasileiros, a pesquisa “Piores Cidades Para Ser Mulher” elaborou o primeiro ranking nacional sobre a qualidade de vida das mulheres nas grandes cidades do país. De acordo com a organização, 99% das cidades apresentam taxas de feminicídio consideradas muito altas (acima de 3 a cada 100 mil mulheres). Nenhuma cidade conseguiu alcançar um índice satisfatório de igualdade de gênero.
“Nós sabíamos que seria um estudo de grandes números, mas confesso que esperávamos ter avançado mais nos últimos anos.”, comenta Luciana Sonck, fundadora da Tewá 225. Ela explica que há um fator metodológico que influencia esse resultado, que é o parâmetro mínimo que se precisa atingir para pontuar alguns dos indicadores, como “presença de mulheres na Câmara” (onde se espera mínimo de 30% e ideal de 50%) e “taxa de feminicídio” (cuja normalização se dá em pontuação zero para qualquer município que tenha mais do que 3 mortes a cada 100 mil mulheres). “Isso colocou muitos municípios com notas baixas. Porém, nos faz refletir o quanto é importante inserimos um parâmetro para medir a igualdade de gênero entre realidades distintas, senão estamos comparando percepções muito subjetivas.”
Ao responder “por que destacar as piores cidades para mulheres?”, o relatório chama atenção para os seis anos restantes para a conclusão da Agenda 2030, e o quanto as metas para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 – atingir a igualdade de gênero – estão estagnadas ou caminhando para um retrocesso.
“Em um mundo em que as mulheres sofrem, grande parte da população sofre junto, já que, afinal, elas são as principais cuidadoras das crianças, idosos e pessoas com deficiência. Apesar das mulheres representarem 51,5% da população do Brasil, elas continuam sendo as mais vulneráveis a uma série de adversidades, incluindo pobreza, violência, precariedade no mercado de trabalho e impactos das mudanças climáticas.”, reflete o relatório.
Diante desse cenário, a primeira edição do levantamento da Tewá 225 tem como objetivo explorar quais cidades brasileiras estão conseguindo oferecer para as mulheres um cenário de maior dignidade, inclusão e desenvolvimento, e quais não.
“É importante para as mulheres tomarem consciência sobre seus territórios e mobilizarem seu capital político por melhorias. Destacar as cidades mais desafiadoras para as mulheres se torna ainda mais relevante após as eleições municipais de 2024, pois é uma oportunidade de colocar a igualdade de gênero no centro das agendas políticas e promover compromissos mais concretos dos prefeitos e prefeitas eleitos”, conclui o estudo.
Atuação do ISP ainda é tímida
Para Luciana Sonck, as prefeituras nos próximos quatro anos terão um papel crucial para a aceleração dessa agenda, “por isso optamos por trabalhar com esse recorte de municípios, como uma grande chamada pública para a ação.”
Ainda assim, a consultora ressalta que o investimento social privado tem um papel muito importante no financiamento de soluções e iniciativas, além de fomentar o debate internamente nas suas cadeias produtivas, especialmente em territórios mais vulneráveis.
“Nos últimos anos o ISP na agenda de gênero tem sido tímido: parte em um olhar de diversidade nas organizações (que agora está sendo impactado pela cultura anti-woke) e parte em projetos de empreendedorismo feminino (com olhar bem simplista sobre renda e maternidade)”, avalia Luciana.
Desigualdades raciais e regionais
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), em 2023, foram registrados mais de 1,2 milhão de casos de violência contra mulheres, incluindo feminicídios, agressões domésticas, ameaças e violência sexual. Desse total, 63,6% das vítimas foram mulheres negras, reforçando a intersecção das desigualdades de gênero e raça no país.
A pesquisa da Tewá lembra que a combinação de raça e gênero é um fator histórico e social que impacta de forma profunda e persistente o acesso desigual a recursos e serviços públicos no Brasil. “Estudos demonstram que a desigualdade racial no Brasil tem raízes históricas que remontam à escravidão […]. Mulheres pretas e pardas, em especial, enfrentam obstáculos mais severos para acessar educação de qualidade, atendimento médico adequado e oportunidades de emprego formal”.
A desigualdade regional também fica evidente no ranking: 80% dos 10 municípios melhores classificados estão no Sul-Sudeste, enquanto 50% dos 10 piores ficam no Norte-Nordeste. As capitais dessas regiões também apresentam os desempenhos mais críticos. Os municípios concentrados na Amazônia figuram nas piores posições, com quase 97% apresentando condições extremamente desfavoráveis para as mulheres.
Indicadores
Para calcular esses resultados, o estudo se baseou em indicadores como: representatividade política; presença de mulheres que não estudam e nem trabalham; feminicídio; desigualdade salarial; e até mesmo a relação entre o perfil econômico das cidades, onde é possível observar o impacto do agronegócio no contexto regional.
Os dados obtidos evidenciam que as cidades com economias dependentes da agropecuária, especialmente a Região Norte, são os que concentram mais índices de desigualdade de gênero.
No quesito representatividade política, a despeito do aumento de candidaturas femininas no país, 96% dos municípios analisados ainda possuem menos de 30% de mulheres compondo a Câmara.
Acesse o estudo completo aqui.