Investimento social privado tem potencial emancipador para as mulheres, mas depende de mudança na mentalidade dos investidores

O mês de outubro possui uma série de datas que marcam a luta das mulheres. Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher (10); Dia Internacional da Mulher Indígena (12) e Dia Internacional da Mulher Rural (15). O acesso a direitos econômicos pode mitigar questões sociais, como insegurança alimentar e violência doméstica. Mas, organizações lideradas por mulheres ainda são as que menos acessam recursos. O especial redeGIFE de outubro é sobre a função emancipatória da filantropia quando voltada para as questões de gênero

É na Ilha de Itamaracá (PE), onde mora a designer de moda Maria Gabrielly Dantas, de 26 anos, que também fica a praia que dá nome ao seu projeto: “Moda Sustentável do Sossego”, responsável por produzir artigos de moda a partir da recuperação de resíduos da praia do Sossego. A iniciativa foi contemplada recentemente pela RE-FARM Cria: Edição Moda, ação realizada pelo Instituto Precisa Ser em parceria com a Farm

Para ela, a iniciativa é um exemplo de como o Investimento Social Privado (ISP) pode ser um impulsionador emancipatório da vida de mulheres brasileiras.

“O ISP é uma forma de autonomia e emancipação para mulheres negras e comunidades periféricas. Acredito que existe uma dívida com nossas comunidades e elas têm que ser pagas, e isso é uma forma de cobrar esses pagamentos”.

MARIA GABRIELLY, designer de moda e co-fundadora do brechó Cabrochas.

Com a mesma perspectiva de busca por oportunidade e emancipação, Thaylla Brito se inscreveu no Programa Ajeum, do Fundo Agbara. Mãe de dois filhos, e empreendendo desde a adolescência, demorou a se dar conta do que fazia. A paraibana é gastrônoma e diretora da 7&17 Padaria Artesanal, que chegou a fechar por dificuldades financeiras antes da imersão no programa do Agbara. “Me senti muito mal porque era meu grande sonho.”

No Programa Ajeum, Thaylla Brito teve a oportunidade de decifrar seus principais obstáculos, desenvolver um plano de negócios e projetar seu futuro, reabrindo a padaria. Hoje, além da venda de produtos, também oferece consultorias e aulas itinerantes pela Paraíba, e viu seu faturamento dobrar. Para a gastrônoma, os desafios que as mulheres enfrentam são maiores.

“Quando um homem empreende, ele não tem problema em deixar os filhos. Eu fui julgada e sofri muito com isso no início.”

THAYLLA BRITO, gastrônoma.

Também buscando construir caminhos de possibilidades para mulheres, o Blogueiras Negras – organização de mídia negra – lançou, no último dia 21 de outubro o Laboratório Criativo de Narrativas sobre Tecnologias Digitais – BNLab, em parceria com o Coletivo Sargento Perifa e apoio do Fundo Malala. O BNLab é um laboratório que ajuda a desenvolver capacidades técnicas e tecnológicas. 

“O nosso intuito é formar ao menos 45 meninas e mulheres, e rodar o país com essa iniciativa”, explica Lays Araújo, coordenadora de articulação política do Blogueiras Negras. Ela acredita no papel transformador do ISP, mas destaca a necessidade de combate às desigualdades no acesso aos recursos.

“O ISP tem condições de ser emancipador desde que dê possibilidades equitativas na submissão dos editais, que muitas vezes vêm com propostas específicas para que a organização se adeque ao que o financiador pede, quando deveria ser o contrário.”

LAYS ARAÚJO, coordenadora de articulação política do Blogueiras Negras

Fortalecer compromissos

A assessora executiva do Fundo Agbara, Júlia Mota, lembra que direitos sociais têm sido historicamente negados ou dificultados por leis, instituições e atores para as mulheres, especialmente para as mulheres negras. O que ressalta a necessidade do compromisso do investimento social nesse campo. Assim, defende que projetos elaborados pelo terceiro setor devem considerar essa realidade para que sejam estruturados de forma a combater desigualdades sistêmicas.

“Ao promover acesso a direitos econômicos e o empoderamento para mulheres negras, possibilita-se a mitigação de questões sociais, como trabalho infantil, violência doméstica, desemprego, genocídio da juventude negra. E o terceiro setor não pode desconsiderar isso.”

JULIA MOTA, assessora executiva do Fundo Agbara

Para a responsável pelo projeto Itaú Mulher Empreendedora, Camila Fernandes Pepe, a perspectiva da emancipação no terceiro setor é uma forma de corrigir desigualdades históricas. “Esses projetos capacitam mulheres para liderar em todos os setores, combatendo a desigualdade de gênero e promovendo uma tomada de decisão mais diversificada. Isso contribui diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, melhorando áreas como saúde, educação e redução da pobreza”, ressalta.

Vale destacar que as metas do ODS 5, voltado à igualdade de gênero, tem suas metas em retrocesso de acordo com o Relatório Luz e segundo relatório das Nações Unidas, a efetivação da igualdade de gênero no mundo só ocorrerá em 300 anos, se mantido o ritmo atual de políticas públicas. 

“Pensar em projetos do terceiro setor e social privado voltados para as mulheres sob a perspectiva da emancipação é essencial, visto que é uma forma de corrigir desigualdades históricas.”

CAMILA FERNANDES PEPE, responsável pelo projeto Itaú Mulher Empreendedora

Amália Fischer, coordenadora do Fundo Elas, lembra que há décadas os feminismos de justiça social deram conta da emancipação das mulheres em termos legais. Hoje, têm conquistado políticas como as legislações de combate ao feminicídio, à violência sexual, pela igualdade salarial. No terceiro setor, acredita que é importante pensar não apenas em projetos, mas no fortalecimento das organizações de mulheres, garantindo sua sustentabilidade no tempo.

Mas, o acesso a esses recursos é desigual. Segundo a pesquisa da PIPA, “Periferias e Filantropia – As barreiras de acesso aos recursos no Brasil”, 74,1% das organizações são lideradas por pessoas negras e 68% por mulheres. Além disso, 70,3% operam com menos de R$ 25 mil ao ano.

Não investir em mulheres é desperdiçar oportunidades

“Pesquisas mostram que milhões de dólares são perdidos quando não investimos nas mulheres. Deveríamos apoiá-las por obrigação ética e justiça social. Mas já que isso não está funcionando, espero que se dêem conta de que estão perdendo dinheiro”. Amália Fischer, coordenadora do Fundo Elas.

Renata Saavedra, jornalista e pesquisadora focada em filantropia feminista para a justiça social, pensa parecido. Ela também menciona a necessidade de aplicação de “lentes de gênero” pelas instituições ao adotarem programas e projetos, “tendo uma abordagem interseccional, que articule raça, gênero, sexualidade”.

“É urgente ampliar o apoio para organizações de mulheres em sua diversidade, sendo ele institucional, flexível, de longo prazo, propício à sustentabilidade”

RENATA SAAVEDRA, jornalista e pesquisadora em filantropia feminista para a justiça social

Para mudar esse cenário, Júlia Mota acredita ser necessário uma  revisão no comportamento do ISP, como a disposição dos investidores em apoiar projetos a longo prazo, bem como entender as especificidades das organizações comunitárias.“Muitas vezes, as regras de financiamento não levam em consideração os desafios que enfrentamos. Precisamos de recursos mais livres! Investir em nossas estruturas é essencial para alcançar resultados reais”, finaliza.

Expediente

Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Geovana Miranda
ANALISTA DE COMUNICAÇÃO

Afirmativa
REPORTAGEM/TEXTO 

Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO


Apoio institucional