Filantropia Colaborativa: abordagem busca qualificar impacto do setor
Por: GIFE| 11º Congresso GIFE| 28/09/2020Filantropia Colaborativa é o terceiro volume da série Temas do Investimento Social. A publicação define o conceito como formas de colaboração que pressupõem a participação de dois ou mais atores da filantropia em projetos que envolvem o aporte de recursos financeiros em uma das seguintes esferas: mobilização, coordenação, gestão e distribuição de recursos financeiros privados para produção de bem público.
A publicação apresenta um panorama sobre o desenvolvimento de novas arquiteturas que contribuem com o aprofundamento dos modos de ação coletiva e colaborativa no setor, além de debater os limites e desafios e apontar caminhos para o avanço qualificado do campo da filantropia e do investimento social privado na atuação colaborativa.
A dimensão da colaboração está presente nos debates e formatos de atuação do setor filantrópico e do investimento social privado há anos, como explica Erika Sanchez Saez, pesquisadora e autora da publicação.
“Essa abordagem que pressupõe maior colaboração está diretamente relacionada à busca do setor por maior impacto e por uma transformação profunda da sociedade a partir de respostas que de fato consigam resolver os desafios em sua raiz. E isso passa pela compreensão de que nenhum dos problemas que queremos enfrentar serão resolvidos com a atuação de apenas um projeto, programa ou organização.”
O conceito
A autora observa, no entanto, que a publicação conceitua um tipo específico de colaboração.
“Estamos chamando de Filantropia Colaborativa formatos, arquiteturas e iniciativas em que o ato de doar acontece de forma colaborativa, seja entre doadores ou organizações que gerem recursos de doação. São iniciativas de coinvestimento intencional, quando duas ou mais organizações escolhem investir conjuntamente, ou de mobilização de fontes diversas e combinadas, portanto colaborativas, ou ainda de gestão dessas doações feita de forma colaborativa, seja pelos doadores ou por organizações gestoras”, explica.
E exemplifica: “Uma organização pode ter como missão fomentar colaboração na gestão pública, por exemplo, e fazer isso com recursos próprios, o que difere do conceito de Filantropia Colaborativa que exploramos na publicação.”
Filantropia Colaborativa: riscos e limites
Para Erika, um dos riscos da abordagem da Filantropia Colaborativa está na não priorização da iniciativa pelas organizações ou pessoas envolvidas.
“É preciso que as pessoas envolvidas genuinamente queiram atuar em colaboração sob o risco de comprometer experiências futuras. Se não for uma iniciativa prioritária nas agendas de todas as pessoas e organizações envolvidas, as chances de insucesso são grandes e podem depor contra a abordagem”, adverte.
Outro limite, para a autora, é entender que a abordagem demanda certo nível de autonomia. “Nem todos os passos precisam ser dados de forma colaborativa. É preciso que o processo determine com clareza os papéis e responsabilidades para que a colaboração funcione. Do contrário, pode inviabilizar a iniciativa.”
Colaboração: ônus e bônus
“Ainda que exista uma percepção geral de que é preciso trabalhar de forma mais cooperativa, a ideia ainda está mais incorporada no discurso do que na prática”. Essa é uma das reflexões abordadas pela nova edição do Temas ISP. Na avaliação de Erika, os desafios passam pela necessidade de maior abertura e vontade genuína de atuar em colaboração.
“É desafiador combinar os interesses e formatos de trabalho de vários atores ao mesmo tempo e é normal que cada um chegue com uma agenda própria. Transformar uma agenda individual ou institucional em colaborativa é um processo que exige abertura e flexibilidade para rever práticas e processos e abrir mão do protagonismo. A partir dessa constatação, o intuito do livro é incentivar e auxiliar um olhar para esses desafios que permita aumentar a capacidade de impacto do setor”, afirma.
Para Felipe Proto, diretor de relações institucionais e filantropia colaborativa da Fundação Lemann, atuar de modo colaborativo pode gerar uma série de benefícios, tais como troca de conhecimentos e experiências, novos aprendizados, otimização dos recursos, ampliação do impacto, além de relações de confiança e parcerias sólidas e duradouras.
Por outro lado, o diretor observa que a estratégia colaborativa também impõe alguns desafios. “Construir parcerias leva tempo. É necessário estabelecer a base da confiança entre as pessoas envolvidas, criar uma governança diferente daquela em que as organizações operam individualmente, encontrando pontos comuns. Isso exige abertura e interesse porque, muitas vezes, significa ter que ceder, construir diálogo e entender diferentes pontos de vista. É desafiador, mas essa é justamente a riqueza e a beleza de trabalhar em colaboração”, pontua.
Cases
A Fundação Lemann é uma das organizações à frente da Aliança Líderes de Impacto no Setor Público e no Terceiro Setor, iniciativa realizada em parceria com Instituto Humanize, Fundação Brava e República.org que financia projetos focados em qualificar os serviços públicos com a capacitação e implementação de experiências práticas de gestão de pessoas. A iniciativa é um dos cases que ilustram o livro nas três dimensões exploradas pela publicação: coinventimento, mobilização e gestão e fundos.
Neste último, uma das experiências é a do Fundo Baobá para a Equidade Racial. Criado em 2011, o Fundo é o resultado institucional de uma articulação fomentada pela Fundação Kellogg que envolveu diretamente 192 organizações da sociedade civil e lideranças do movimento negro com o objetivo de criar um mecanismo indutor de iniciativas de promoção de equidade racial no Brasil.
Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para a Equidade Racial, explica que a ampliação da base social que dá sustentação à causa da equidade racial é um dos objetivos estratégicos do Fundo.
“Nesse contexto, a atração e o engajamento de novos atores e atrizes é fundamental, pois o enfrentamento ao racismo e à discriminação étnica não deve ser uma responsabilidade exclusiva do movimento negro e das instituições diretamente vinculadas ao Fundo”, observa.
Na dimensão dos aprendizados, Giovanni destaca três aspectos ou experiências do Fundo Baobá: importância da conexão com sua base social; adoção de uma estratégia de longo prazo, com objetivos e metas definidas, passíveis de adaptações e correções, desde que não desviem a iniciativa de seu objetivo essencial; e busca permanente por diálogo e ampliação dos círculos de interlocução e parcerias, em um esforço genuíno de compreensão da dinâmica das demais instituições e organizações.
“A colaboração para nós não é uma opção, mas um destino. Tudo o que o movimento negro brasileiro, em sentido amplo, construiu ao longo de quatro séculos de atuação foi resultado da prática da colaboração. Hoje, nós temos mais instrumentos para fazer os enfrentamentos necessários do que tínhamos no século XVI. Enfrentar desafios e superar limites têm sido o papel das nossas instituições e, felizmente, hoje, nós temos mais aliados do que tínhamos há algum tempo”, comemora.
O futuro
Para Erika, a filantropia colaborativa isoladamente não é o futuro do setor, mas uma das estratégias que deve se fortalecer nas próximas décadas em face de uma consciência cada vez maior da importância da filantropia, mas também dos seus limites e, por isso mesmo, da necessidade de que ela atue de maneira mais colaborativa para obter maior impacto e aumentar sua contribuição para a sociedade.
“Justamente porque essa colaboração deve aumentar nos próximos anos é importante que estejamos atentos e possamos desenvolver modos de fazer, ferramentas e habilidades que contribuam para que essas experiências tenham maior êxito, mais acertos e menos erros ao longo desse processo de expansão. Certamente, o futuro é mais colaborativo que o presente, e não só, mas também na filantropia. E um dos aspectos desse futuro é a consciência de que somos todos responsáveis pelos problemas que criamos e que agora precisamos solucionar como sociedade.”
Saiba mais
O download do livro Filantropia Colaborativa pode ser feito neste link. A publicação foi lançada durante painel sobre o tema realizado no âmbito das atividades que integram o trilho do 11º Congresso GIFE. A ocasião contou ainda com a apresentação de um infográfico produzido a partir dos dados do último Censo GIFE que traz os formatos presentes na pesquisa a partir dos cenários explorados pelo livro.