Apesar de crescimento, investimento social corporativo se mantém no patamar de 2016, revela nova edição do BISC

Por: GIFE| Notícias| 17/11/2020

Em 2019, o setor privado investiu R$ 2,5 bilhões. Ao mesmo tempo em que representa um aumento de 13% em relação ao ano anterior, o dado revela que os investimentos voltaram ao patamar de 2016, quando a conjuntura econômica do país era bem mais desfavorável do que em 2019.

Essa é uma das conclusões da nova edição do estudo Benchmarking do Investimento Social Corporativo – BISC. Realizada anualmente desde 2008 pela Comunitas, a iniciativa visa contribuir para o desenvolvimento, aperfeiçoamento da gestão e avaliação dos investimentos sociais corporativos no Brasil.

A pesquisa busca dimensionar todos os recursos financeiros, em bens e serviços, aplicados pelas empresas em projetos e atividades de interesse social, incluindo:

  • Apoio a projetos sociais, ambientais e culturais;
  • Construção de infraestrutura social, inclusive aquelas realizadas em decorrência da instalação e funcionamento das empresas;
  • Apoio permanente ou eventual a organizações formalmente constituídas.

A edição de 2020, que se debruçou sobre dados de 2019, abrangeu um universo de 303 empresas e 18 institutos e fundações empresariais.

O crescimento de 13% superou a previsão de 10% apontada na edição anterior do estudo. Em razão da pandemia, esta edição não traz uma perspectiva para 2020, mas sim para os anos 2021/2022. Mais da metade não soube responder, um terço revelou perspectiva de aumento e ninguém falou em decréscimo.

“A crise gerada pela pandemia tende a se refletir no volume de investimentos sociais, mas temos motivos para apostar na manutenção e até no crescimento. Primeiro porque os desafios sociais ganharam uma nova dimensão e consciência acerca da responsabilidade de toda a sociedade e também das empresas. Segundo porque o investimento social privado foi bastante valorizado durante a pandemia, com as empresas ganhando uma enorme visibilidade pública no enfrentamento à crise, o que é importante para sua reputação. Finalmente porque temos visto uma tendência cada vez maior, não só no Brasil, mas no mundo todo, de que a responsabilidade social e ambiental deixe de ser uma opção e passe a ser uma cobrança da sociedade, do mercado e dos investidores”, explica Anna Peliano, coordenadora da pesquisa.

Evolução e foco dos investimentos sociais

Nos dois últimos anos, a maioria absoluta das empresas (54%) ampliou os recursos destinados a projetos sociais, um resultado bem diferente daquele apresentado na última edição do BISC, onde foi verificado que 63% delas haviam reduzido seus investimentos entre 2017 e 2018.

Após quatro anos de reduções sucessivas, os investimentos executados diretamente pelas empresas cresceram e voltaram a um patamar similar ao dos investimentos realizados por seus institutos: R$ 1,25 bi e R$ 1,26 bi, respectivamente.

Uma das explicações para esse resultado está no crescimento dos valores captados por meio de incentivos fiscais, que foi da ordem de R$ 590 milhões em 2019 – sobretudo nas áreas da cultura e da saúde. O resultado representa um crescimento de 25% em relação ao ano anterior – proporcionalmente, bem maior do que o crescimento dos investimentos sociais de modo geral (13%).

Após três anos de quedas sucessivas, os investimentos em educação atingiram, em 2019, um dos patamares mais elevados de todo o período analisado pelo BISC: R$ 1,121 bilhão – 47% dos investimentos e 20% a mais que na edição anterior.

A área da cultura ocupa o segundo lugar com 20% dos investimentos, um percentual bem mais elevado do que o observado nas demais áreas sociais, como defesa de direitos humanos e geração de trabalho e renda (ambas com 5%), esporte e lazer e saúde (ambas com 4%), infraestrutura (2%) e assistência social, estudos e pesquisas e desenvolvimento comunitário e/ou econômico (cada uma com 1%). Meio ambiente obteve apenas 0,2% dos investimentos.

Investimentos compulsórios

Aos investimentos sociais corporativos voluntários soma-se uma parcela de investimentos compulsórios bastante significativa. Tratam-se de atividades sociais e ambientais decorrentes de imposições legais, atos administrativos ou decisões judiciais. Em 2019, esse montante somou R$ 1,7 bilhão, totalizando R$ 4,2 bilhões em investimentos em atividades socioambientais.

Esses investimentos se deram sobretudo nas áreas de infraestrutura, saúde e defesa de direitos humanos, que, juntas, absorveram 71% do total aplicado compulsoriamente, enquanto receberam apenas 11% do total investido voluntariamente.

Crescimento do voluntariado

Entre as novidades desta edição do BISC, destaca-se o crescimento do número de colaboradores que participaram de atividades voluntárias, apesar da manutenção dos recursos investidos nesse tipo de ação: R$ 12 milhões em 2019, mantendo-se no mesmo patamar de 2018.

Nos últimos dois anos, o número de colaboradores envolvidos nos programas de voluntariado subiu de 41.675 para 69.747, um aumento de 67%. A proporção de colaboradores das empresas que participam dos programas de voluntariado dobrou, passando de 8% para 16%, o percentual mais alto de todo o período analisado pelo BISC. Já o percentual de empresas nas quais a maior parte das lideranças participa das atividades voluntárias subiu de 21% para 30% entre 2018 e 2019. Durante o último ano, 81% dos colaboradores participaram de até três ações voluntárias.

“É claro que a pandemia impactou essas atividades em razão da necessidade de home office e isolamento, que mudou completamente a forma de atuar dos programas. Um terço das empresas chegou a paralisar suas atividades de voluntariado e dois terços tiveram que reorientá-las para atender às necessidades trazidas pela emergência. Tudo isso deve se refletir no futuro com o desenvolvimento de tecnologias para atendimento à distância, além do presencial, capacitação dos colaboradores para utilização nessas novas metodologias, sem contar a perspectiva de aumento do trabalho voluntário, que, com a pandemia, passou a ser ainda mais valorizado”, observa Anna.

Desenvolvimento sustentável e alinhamento de expectativas

A maior parte das empresas da Rede BISC desenvolve projetos sociais com foco no desenvolvimento sustentável (78%) e possui uma política corporativa que busca construir um relacionamento com as comunidades locais (70%).

O alinhamento dos investimentos sociais aos negócios procura associar o aumento da qualidade de vida das comunidades a uma melhoria da imagem da empresa, uma maior aproximação com as comunidades e uma gestão dos negócios socialmente responsável.

Entre as estratégias de alinhamento aos negócios destaca-se o alinhamento da política de investimento social aos propósitos das diversas partes interessadas. Nesse sentido, o desenvolvimento local e a educação se destacam entre as causas prioritárias dos stakeholders. Confrontando esse resultado com as atividades desenvolvidas pelo grupo, é possível visualizar que os investimentos sociais estão em linha com as aspirações dos stakeholders: cerca de 80% das empresas da Rede BISC atuam nessas duas áreas.

Já o alinhamento à agenda de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) passou de 23% para 70% entre 2016 e 2019.

Parcerias

Em 2019, 77% das empresas formaram parcerias com o setor público, especialmente com municípios, para desenvolver seus projetos sociais. Esse percentual é bem mais elevado do que no ano anterior e se aproxima daquele observado nas primeiras edições do BISC (cerca de 80%). Entre os fatores que podem contribuir para ampliar esse tipo de parceria, as empresas destacam o bom relacionamento com atores relevantes, a capacidade de inovação e o reconhecimento público da relevância de sua atuação.

O contexto favoreceu essa atuação conjunta, considerando que as empresas puderam oferecer, além dos recursos financeiros, a flexibilidade para viabilizar com a agilidade necessária infraestrutura hospitalar com aquisição de equipamentos (73%), por exemplo, e de materiais de proteção para profissionais da saúde (67%).

“Uma crise sanitária dessa proporção deixou claro o valor do SUS [Sistema Único de Saúde], o que fez com que durante a pandemia, o setor privado todo buscasse apoiar o Sistema, fazendo crescer a disposição para trabalhar em linha com as políticas públicas”, observa a coordenadora do BISC.

A ampliação do alcance e da capilaridade do atendimento prestado está entre os benefícios mais relevantes das parcerias com o setor público, segundo a percepção das empresas. Muitas destacaram ainda como uma grande lição desse período a valorização do processo de escuta que favoreceu o diálogo e uma melhor compreensão das diferentes realidades locais e institucionais.

Os maiores desafios nesse tipo de parceria ficaram restritos ao excesso de burocracia, conforme assinalado por 55% das respondentes e à morosidade dos processos decisórios, indicado por 36%.

“A urgência do problema exigiu agilidade nas decisões e os governos avançaram bem nesse quesito pois, em edições anteriores do BISC, cerca de 70% das empresas destacavam exatamente a morosidade no processo decisório entre as principais dificuldades das parcerias público-privadas. Mas a percepção positiva em relação ao retorno das parcerias com o setor público sinaliza a possibilidade de abertura de novos caminhos nesse trabalho conjunto”, afirma Anna.

Já no que se refere à relação das empresas com organizações sem fins lucrativos, o estudo mostra que, em 2019, essa parceria se deu em todas as respondentes da pesquisa, que declararam apoio a um conjunto de 613 organizações com investimentos da ordem de R$ 500 milhões. Entre as atividades desenvolvidas em conjunto, 80% das empresas destacam a educação; 50% a defesa de direitos; e 40% as atividades de geração de renda, cultura e esporte e lazer.

No âmbito desse tipo de parceria, 90% das empresas declaram avaliar todas as atividades financiadas. Entre os itens avaliados destaca-se o cumprimento das metas estabelecidas e do cronograma de execução das atividades. Já entre os critérios de seleção das instituições apoiadas, 40% das empresas assinalam o atendimento a solicitações das próprias organizações e 67% dos institutos o convite àquelas organizações que atuam localmente nas comunidades atendidas.

Como fatores que podem contribuir para ampliar e fortalecer o trabalho conjunto entre empresas e organizações sem fins lucrativos, as respondentes destacaram, por um lado, a necessidade de avançar na avaliação dos resultados obtidos e, por outro, a necessidade de maior reconhecimento da importância do papel desempenhado pelas organizações da sociedade civil (OSCs).

BISC e Covid-19

Apesar de se debruçar sobre um cenário pré-pandemia, a edição 2020 do BISC dedicou seu recorte temático anual aos impactos do novo coronavírus sobre os investimentos sociais corporativos.

Para o combate à Covid-19, a Rede BISC destinou R$ 2 bilhões, o que equivale a mais de um terço do total doado por todo o setor privado, segundo informações do Monitor das Doações, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).

O alcance dessa atuação foi nacional, em todas as regiões e estados do país, com destaque para Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, estados onde mais da metade das instituições marcaram presença.

Como regra geral, o grupo BISC apostou em priorizar o atendimento em regiões onde a empresa está presente e o desenvolvimento de atividades que atendessem aos seguintes requisitos: alinhamento aos propósitos da empresa, rápida implementação, atendimentos não presenciais, escaláveis, capazes de deixar legados e em parceria.

Este último aspecto ganhou ainda maior relevância diante do cenário de emergência. Parcerias com organizações sem fins lucrativos, setor público e outras empresas foram fortalecidas, sendo que 83% das empresas envolveram também sua cadeia de fornecedores.

Para fortalecer as organizações sem fins lucrativos, as empresas optaram por ampliar as doações de recursos financeiros e de bens e equipamentos; manter os contratos anteriores, mesmo que as atividades tenham sido suspensas devido às exigências do isolamento social; revisar e alterar o conteúdo de atividades pré-acordadas; promover a capacitação das organizações para se adequarem à nova realidade; e garantir repasses de recursos para a manutenção das suas atividades cotidianas.

Todas as empresas reconhecem que essas parcerias trouxeram benefícios como ganho de escala (50%), melhoria na qualidade dos serviços prestados e ampliação do acesso às comunidades (42%). Desafios relatados pelas empresas na relação com organizações da sociedade civil relativos à prestação de contas e à dependência gerada pelo apoio financeiro se mostraram superadas por uma parcela significativa do grupo.

“As empresas tiveram que interromper ou rever conteúdos e estratégias de atendimento dos projetos sociais em curso e, ao mesmo tempo, criar novas formas para atuar na saúde e na assistência social, áreas que, aliás, não constavam das prioridades de atuação do grupo, mas foram aquelas que receberam o maior volume de recursos durante o período da pandemia”, observa Anna.

Essas mudanças também se revelaram no direcionamento das ações desenvolvidas durante a pandemia para outros grupos diretamente afetados por ela, tais como profissionais da saúde, pequenos empreendedores, trabalhadores cooperativados e moradores das periferias dos centros urbanos, que passaram a receber a atenção prioritária da Rede BISC, diferente do observado antes da pandemia.


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