Emergências, pandemia e eleições: as principais agendas sociais de 2022

Por: GIFE| Notícias| 14/02/2022
agendas sociais em 2022

O aumento da fome, a continuidade da pandemia, o aprofundamento das desigualdades e as eleições marcadas para outubro são apenas algumas das agendas sociais fundamentais para 2022. O contexto, mais uma vez desafiador, tensiona e convoca a ação o campo social.

E para compreender as perspectivas para este ano e debater as possibilidades de enfrentamento aos desafios estruturais da sociedade brasileira, conversamos com representantes do investimento social privado (ISP) e da sociedade civil organizada. Confira a seguir. 

Continuidade e aprofundamento das desigualdades 

Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, defende que, apesar da vacinação – que avança lentamente -, 2022 é uma continuação dos cenários e desafios enfrentados em 2020 e 2021. 

“O problema da Covid-19, as dificuldades que o SUS [Sistema Único de Saúde] enfrenta para garantir saúde para todo mundo, o gap na educação, a fome, o desemprego e todas as tragédias, como a seca e a morte de pessoas afogadas ou soterradas em razão da crise climática. Ou seja, vivemos em 2022 a mesma desassistência, negligência e desmazelo por parte das autoridades que temos visto nos últimos anos.” 

Para Bernadete Souza, integrante da Coalizão Negra por Direitos via Movimento Negro Unificado (MNU) e residente do assentamento Dom Hélder Câmara, em Banco do Pedro – comunidade rural em Ilhéus, na Bahia -, além da fome, é necessário observar que existem diversas outras demandas sociais.

“Enfrentar a fome precisa ser uma ação no topo das prioridades. Além disso, deve-se considerar que, no Brasil, a fome é uma decisão política e não se trata apenas de dar comida. Além da comida, morre-se de ‘várias fomes’ quando se vive abaixo da linha da pobreza”, comenta.

Novas emergências e calamidades 

As recentes chuvas que atingiram a região da Bahia e deixaram milhares de desabrigados apenas pioraram uma situação que já era ruim, como comenta Bernadete Souza. 

“Desde o começo [da pandemia], a gestão pública tem adotado posturas dúbias e negacionistas por aqui. Não adotou em tempo as restrições de circulação e se articulou com empresários para fazer circular o transporte público e manter o comércio aberto. O governo municipal não tomou uma única iniciativa de apoio às famílias, mesmo com centenas de pessoas passando fome e desempregadas. Nenhuma obra de infraestrutura foi realizada para contenção de encostas nos morros onde vivem as populações excluídas, resultando em desabamentos, soterramento de pessoas, perda das casas e bens. Estradas em péssimo estado e pontes precárias foram ‘levadas’ nas enchentes”, enumera. 

Bernardete aponta ainda desafios, como o surgimento de novas variantes da Covid, as emergências climáticas, a falta de coleta de lixo e descarte incorreto em áreas naturais, a falta de educação ambiental para crianças e adultos.

Filantropia em defesa da democracia 

Para Andre Degenszajn, diretor executivo do Instituto Ibirapitanga, o grande desafio colocado para o momento consiste em como a  filantropia vai se mobilizar em defesa da democracia, das instituições democráticas e do respeito ao processo eleitoral. “Este ano, qualquer área de atuação será atravessada pela disputa democrática.” 

Andre reforça que outras pautas, como o retorno da fome, também estão diretamente conectadas a questões políticas e a importância do controle social sobre as políticas públicas. 

“Depois de muitos anos de continuidade de políticas estruturantes de segurança alimentar, o Brasil conseguiu reduzir a patamares muito baixos o índice de insegurança alimentar, que vimos subir assustadoramente rápido nos últimos dois anos.” 

Mais investimentos em saúde 

De acordo com dados do Censo GIFE, houve um aumento de cerca de 21% nos respondentes que desenvolvem ou apoiam projetos e programas em saúde e bem-estar. Desses, 15% passaram a fazê-lo durante a crise e não devem dar continuidade às ações, ao passo que 8% não atuavam, mas pretendem dar continuidade. 

Andre comenta que, com um olhar otimista, empresas, fundações e organizações que doaram durante a pandemia podem direcionar seus esforços para novos campos de atuação, como é o caso da saúde, área que historicamente não tem tradição de receber grandes montantes do investimento filantrópico.

“Conseguimos identificar exemplos de novos institutos que estão se formando com foco em saúde, não numa abordagem como foi necessário durante o período agudo da pandemia, mas com um olhar de construção de políticas e estratégias de melhoria do atendimento público e de produção de conhecimento. Então, talvez esse seja uma agenda que tende a se fortalecer como efeito da pandemia, de repente com o SUS ganhando um lugar no vocabulário nacional. Espero que isso também dispare a estruturação de organizações e investimentos mais estratégicos, que pensem no campo da saúde no longo prazo, e acredito que isso, de fato, já está acontecendo.”

Apesar de ser natural a saúde ter mais visibilidade durante a pandemia, Andre reforça que não se deve esquecer de outros desafios estruturais complexos, como a educação e a segurança pública.

“Não só a pandemia, mas o ‘desgoverno’ atual abriu espaço para o campo filantrópico se apresentar de maneira mais articulada, não como uma solução, porque de nenhuma forma ele vai substituir a ação estatal, mas com a possibilidade de dar visibilidade a esses vácuos de atuação do Estado e, com isso, produzir algum tipo de constrangimento público que eventualmente leve a uma mudança na estruturação de políticas”, defende Andre. 

Oportunidades de atuação para o ISP

Considerando que as demandas colocadas para 2022 são transversais a todos os setores da sociedade, o investimento social privado tem papel fundamental no desenvolvimento de iniciativas de enfrentamento à desigualdades e da emergência sanitária que persiste no Brasil. 

Jurema explica que existem dois níveis de mudança, sendo o primeiro deles interno às organizações do ISP. “A instituição precisa, na sua própria trajetória, contribuir para a mudança, não apenas fazendo investimento social, mas investindo nos seus processos, políticas, na forma como atua nos territórios e no país e em como se relaciona com a sociedade. A partir daí, certamente o trabalho e as ações vão ajudar a produzir um tipo de riqueza que gera bem-estar para a maioria de nós.” 

Além disso, a diretora pontua a importância de um diálogo cada vez mais próximo com organizações da sociedade civil e lideranças comunitárias a partir de plataformas e planejamento conjunto para o desenvolvimento de ações. A ideia é que possam ser ouvidos e que se considerem a diversidade e riqueza presentes na atuação da sociedade civil como forma de descobrir novas oportunidades. 

Demandas sociais em alta em 2022 

Jurema, Bernardete e Andre apontaram algumas das demandas sociais que estarão em alta ao longo do ano, considerando as consequências diretas e indiretas da pandemia. São elas: 

– incentivos a produção e circulação de alimentos; 

– combate à fome; 

– proteção de mulheres em situação de violência; 

– inclusão econômica e política de mulheres negras; 

– proteção de biomas naturais; 

– enfrentamento das desigualdades sociais e ao preconceito: racismo, xenofobia, LGBTQIA+fobia; 

– garantia da reconstrução do espaço público; 

– desenvolvimento das estratégias de participação plena da sociedade; 

– compromissos éticos e políticos visando a igualdade para todas e todos; 

– reconhecimento do papel de comunidades, coletivos, organizações e lideranças;

– investimentos no planejamento e desenvolvimento de ações conjuntas. 


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