Conferência anual do European Foundation Centre discute sobre questões urgentes que exigem um olhar para o futuro

Por: GIFE| Notícias| 07/06/2016

O GIFE participou do evento, realizado entre os dias 26 a 28 de maio, em Amsterdam, na Holanda.

Centenas de representantes de organizações do campo social estiveram reunidas, em Amsterdam, na Holanda, de 26 a 28 de maio, para mais uma edição da Conferência Anual do European Foundation Center. O GIFE marcou presença mais uma vez no evento, a fim de acompanhar as discussões internacionais sobre investimento social, que se tornam relevantes para fortalecer a área também no Brasil.

Com o tema central “Imaginando e investindo no nosso futuro”, a programação contou com diversas mesas de debate e atividades paralelas, a fim de refletir sobre questões urgentes da atualidade e que exigem um olhar para o futuro. Nesta perspectiva, assuntos como refugiados, democracia, o papel da sociedade civil, inovação, tecnologia para filantropia, entre outros, estiveram à frente das discussões.

Logo na abertura do evento, inclusive, os participantes enfatizaram a necessidade urgente da filantropia utilizar suas expertises para o trabalho de parceria e estar muito mais próxima de outros visando colaborar com os diversos desafios sociais.

A inovação pareceu como ponto central para dar conta das questões sociais da atualidade, num ambiente em rápida mudança. Segundo os especialistas presentes, a filantropia tem a oportunidade de contribuir para uma mudança sistêmica, mas terá de se reorientar e pensar a respeito do seu papel, posição e habilidades. “O que faz a filantropia ser verdadeiramente eficaz? Como as fundações podem revigorar-se e inovar, adaptando as suas organizações, desenvolvendo novos métodos de trabalho e atrair talentos?

“O modelo linear de conceber, testar e, em seguida, lançar uma iniciativa está desatualizado. No mundo em rápida mutação em que vivemos, precisamos ter a coragem de escalar quando os projetos ainda não estão totalmente desenvolvidos”, disse a princesa Laurentien, dos Países Baixos. Ela destacou, ainda, três capacidades que a filantropia precisa inovar para enfrentar os desafios de hoje: a igualdade, a coragem e a possibilidade de trazer contribuições de fora para dentro do campo, ouvindo outras vozes. “A fundação deve ter uma abordagem que diz: ‘Não é sobre o que eu quero, é sobre o que você precisa”, enfatizou.

Destaque

Durante a conferência do EFC, uma das mesas que mais chamou a atenção foi a “Democracy in Europe, from utopia to dystopia – Where did we get lost? What went wrong?” voltada a discutir a alienação ou afastamento dos cidadãos europeus em relação às instituições democráticas. Iara Rolnik, gerente de conhecimento do GIFE, preparou um relato sobre os destaques da mesa:

O ponto de partida do debate tinha como foco o Estatuto europeu e em particular o fato de que o projeto da União Europeia teria tido sucesso na criação de uma moeda única (o Euro), mas ainda não teria conseguido prosperar em relação à sua dimensão cívica, o projeto de cidadania única europeia – a tal utopia do título da mesa e considerada parte importante do processo de integração europeu. Os panelistas focaram suas falas em como lidar com o processo de distopia considerando a presente ameaça à consciência cívica e o próprio sentido democrático na Europa, e qual seria o papel dos investidores sociais – e de todos os cidadãos – nesse processo.

Esse debate – mais próximo ao contexto atual brasileiro impossível – também ressoa discussões importantes que tiveram lugar durante o 9º Congresso GIFE como nas mesas sobre inovação política e o papel do jornalismo em sociedades democráticas. Essa não é, claro, uma mera coincidência, visto a preocupação com os sistemas democráticos em todo o mundo e como os investidores sociais estão pensando e agindo sobre ela.

Se essa discussão já é controversa por si só, foi ficando cada vez mais quente, sobretudo porque se os debatedores concordam com os percalços que as democracias na Europa têm enfrentado, apresentaram uma posição bastante dissonante sobre qual deveria ser o caminho de ação nesse sentido.

De um lado, Jordi Vaquer, representante da Open Society Foundations na Europa,  acredita no apoio ao ecossistema de inovação política, ou seja, em ações que buscam contribuir em processos de transparência e accountability  por meio da criação de novos mecanismos e tecnologias capazes de empoderar os cidadãos para interferir no sistema político, reduzindo o gap existente entre os anseios da sociedade civil e os processos governamentais. Vaquer acredita que grandes mudanças no processo político podem partir de fora do sistema – “a energia está aí”, diz ele – e que a frustração com os sistemas democráticos pode ser trabalhada de diversas formas, sobretudo em ações ativistas hands on que podem, segundo ele, renovar as energias capazes de mudar o sistema. Ele também reforça a necessidade das ações que possam escapar da polarização direita versus esquerda ou de alguma noção de certo e errado, apostando em uma forma de trabalhar com a política (formal, ou não) que não parte, necessariamente, de partidarização.

Sua fala estava claramente em sintonia com grande parte das colocações da mesa sobre inovação política no Congresso GIFE e uma das grandes questões que cruzam as mesas do GIFE e do EFC é, portanto, pensar como uma maior participação cidadã consegue dialogar e mudar as regras colocadas pelo sistema político institucional. É o sistema que ainda conversa pouco com esses processos, ou os processos não alcançam ou não pretendem alcançar, de fato, um diálogo profícuo com o sistema?

Apesar de não discordar da leitura de contexto de Vaquer, a palestrante Ulrike Guérot, da organização European Democracy Lab, sediada na Alemanha, reforça a crise no sistema representativo hoje (o quanto o sistema político atual não é hoje capaz de representar os desejos dos cidadãos), mas se questiona se a maior reivindicação diante desse diagnóstico seria, portanto por maior participação dos cidadãos nos processos políticos. Segundo ela, com uma posição (e postura) bastante radical, o caminho mais fecundo não seria o de financiar mais democracia tal como ela se desenha hoje – e não tampouco “reenergizá-la” por meio de inovações e mecanismos de participação –, mas sim de mudar o sistema político como um todo. Fazendo referência e apoio, sobretudo, ao projeto de cidadania transnacional europeia, a fala de Guérot é provocativa no sentido de nos questionar sobre o financiamento de “experimentos” de inovação que, segundo ela, podem gerar experiências democráticas interessantes, mas que não vão interferir, de fato, na mudança do sistema que seria capaz de fazer respirar ou reforçar sua capacidade representativa.

Como caminhos possíveis, ela reforça a necessidade de investimentos a longo prazo que sejam capazes de escutar e criar vozes, de reforçar as instituições, de formar opinião (dando voz a quem é objeto das discussões) e, principalmente, de politizar a população que, segundo ela, estão intimamente ligados ao fortalecimento de meios de comunicação transnacionais críticos e do jornalismo investigativo. Ainda que não fosse o foco da sua fala, Guérot reforçou veementemente a necessidade de investidores sociais financiarem organizações de maneira institucional e não por meio de “mini-projetos”, ainda que inovadores.

A intensão aqui foi apenas de pincelar de que forma essas questões – ponta de um iceberg profundo e complexo – têm sido tratadas em outros espaços e como podem nos ajudar a iluminar os caminhos, sobretudo em contextos urgentes como o nosso. Além da transnacionalidade do tema, o que fica como mensagem importante é como o investimento social tem sido chamado a ter um papel relevante nesse debate, sendo demandando a dialogar com as novas relações entre a sociedade civil e o Estado. A contribuição dos investidores para a consolidação do sistema democrático deve ser encarada como tarefa importante para que suas próprias ações façam sentido, com reflexos tanto para dentro como para fora do setor.

Articulação

Ana Carolina Velasco, gerente de Relacionamento e Articulação do GIFE, ressalta que um dos pontos marcantes do evento foi o alinhamento entre as discussões do setor no Brasil com as apresentadas durante a conferência, principalmente com os assuntos abordados durante o Congresso GIFE 2016.

Na ocasião, por exemplo, no debate sobre governança e transparência, foi apresentado um guia de boa governança, algo que vem ao encontro das iniciativas da organização como, por exemplo, o Painel GIFE de Transparência e os Indicadores GIFE de Governança.

Na pauta, estiveram também presentes discussões a respeito do alinhamento do investimento social ao negócio – o GIFE lançou uma publicação sobre o tema -, com ênfase na importância das fundações se aterem não apenas para onde o investimento está sendo feito, mas também de onde provém esse recurso, que pode não, necessariamente, vir de uma empresa/corporação que tem os mesmos princípios ou até práticas contrárias ao que se propõe a iniciativa apoiada.

Outro assunto que se conecta às discussões do GIFE foi em relação à “fuga” dos investimentos nas organizações da sociedade civil e a necessidade de fortalecê-las. Na conferência, foi apresentada uma publicação sobre o tema, que conta com um artigo da Fundação Avina sobre essa questão na América Latina.

Perspectivas

Segundo Ana Carolina, a Conferência foi um espaço rico para troca de experiências, tendo em vista a diversidade das nacionalidades das organizações participantes – em uma mesma mesa de debate estiveram presentes representantes de fundações espanholas, austríacas e italianas, por exemplo – além dos vários momentos para networking.

“Participar de iniciativas como essa nos oportunizam conectar com discussões de temas globais, conhecer outros pares e, especialmente quando o evento é do European Foundation, vivenciar a cultura européia, tendo em vista que, dentre as atividades previstas, participamos de encontros guiados em espaços públicos”, aponta a gerente do GIFE.

 

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