Crise humanitária do povo Yanomami foi alertada por associações e lideranças indígenas

Por: GIFE| Notícias| 30/01/2023

O Brasil tem acompanhado perplexo o desenrolar da crise humanitária do Povo Yanomami em Roraima, onde foi declarado estado de emergência de saúde pública no dia 20 de janeiro. Mais de mil pessoas indígenas foram resgatados em estado grave saúde. Segundo levantamento do site Sumaúma, nos últimos quatro anos, 570 crianças da etnia morreram de causas evitáveis. 

Mas a realidade do povo Yanomami não deveria ter pego a sociedade de surpresa, tendo em vista os inúmeros alertas.

“Há 10 anos esse quadro era inimaginável”

Corrado Dalmonego é integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e há 15 anos atua junto aos Yanomami. Há uma década, garante, o quadro observado hoje era inimaginável.

“Houve denúncias em todas as instâncias dos três poderes da União e internacionais. Hoje todo mundo sabe disso, mas não deram atenção.”

Segundo Dalmonego, a crise é provocada pela invasão do garimpo ilegal e pela desassistência sanitária. Embora a terra indígena Yanomami tenha sido demarcada em 1992, alguns grupos de garimpeiros permaneceram atuando em certas regiões.

Contudo, explica, desde 2015 e sobretudo nos últimos quatro anos houve um aumento exponencial da invasão devido ao aumento do preço do ouro, investimentos internacionais, envolvimentos de líderes locais e incentivos de políticos à exploração. 

“Deixamos o povo Yanomami conviver com o pior lado da nossa sociedade”, lamenta.

Hoje, se estima a presença de 20 mil garimpeiros ilegais na terra Yanomami. O desafio para prestar assistência é a logística grande e cara, explica o associado fundador da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), José Augusto Sampaio. Principalmente considerando que o acesso ao território só é possível por via aérea.

“As verbas para saúde indígena foram cortadas. Das pistas de pouso usadas para assistir os Yanomami, oito foram tomadas pelo garimpo. Nesses quatro anos foram compiladas 21 denúncias formais a órgãos internacionais.”

O problema é estrutural

Desde que a crise foi escancarada, foram iniciadas diversas campanhas para arrecadação de alimentos. O problema é que é preciso entender a gravidade estrutural da situação e onde Estado e sociedade civil erraram. 

“Todo mundo quer ajudar, mas é preciso conhecimento da realidade e diálogo com as comunidades para evitar a ajuda com base em avaliações superficiais”, ressalta Corrado Dalmonego.

O perigo, alerta, é afirmar que os Yanomami passam fome, e tratar superficialmente as causas. As comunidades dependem da floresta. São caçadores, coletores, pescadores, e produzem roças para se alimentar. Mas o desmatamento destrói suas roças, localizadas onde o garimpo atua. Também ficam impossibilitados de caçar, devido ao barulho dos motores, dragas, balsas e aviões, que afasta os animais. Já os peixes sofrem com a contaminação, sobretudo do mercúrio. 

Além disso, afirma, os Yanomami também são vítimas das mudanças climáticas e estão há dois anos sem estiagem, logo, impossibilitados de realizar agricultura de coivara.

José Augusto Sampaio soma a esse contexto a vulnerabilidade epidemiológica a que as centenas de comunidades Yanomami foram expostas com a presença dos garimpeiros.

“Se você deixar os Yanomami em paz eles recuperam a capacidade de produção. O problema é defender a terra dos invasores”. Para o indigenista, a retirada dos garimpeiros por si só não é eficaz visto que a legislação de punição desses crimes é muito frágil. 

Para completar, existe vasto financiamento para o garimpo, oriundo do comércio internacional de ouro, que não é vigiado, nem punido.

“Uma das principais ruas do comércio de Boa Vista é a rua do ouro. Você pode comprar ouro sem nenhum certificado de procedência ou nota fiscal. Para acessar a Terra Yanomami é preciso abrir pista clandestina e ter aeronave. Os garimpeiros não têm esse capital. Quem financia está fora do país ou na elite regional.”

O ISP pode fazer mais

O momento é de ação emergencial. No entanto, Corrado Dalmonego acredita que a sociedade civil vinha adormecida diante das denúncias e campanhas dos últimos anos. 

“Que pressão as OSCs, apoiadas por investidores privados, fizeram por um plano de extrusão e proteção do território?”, provoca. “É complexo, mas é possível e temos experiências anteriores quando houve vontade política.”

Ele acredita que, passada a emergência, é preciso um plano de reestruturação da assistência de saúde com ações curativas e preventivas realizadas próximo às comunidades. 

Já para José Augusto Sampaio, a responsabilidade é do Estado. Mas na situação atual, a ajuda filantrópica é indispensável e pode cobrir os custos para fazer chegar até eles alimentos, assistência de saúde e até resgate para serem hospitalizados.

No dia a dia, defende a contribuição da iniciativa privada no esforço de informar a sociedade que é preciso proteger o patrimônio de conhecimento dos Yanomami. E mostrar que “quem quer explorar as riquezas do país, tem que fazer isso de modo que se reverta não ao lucro predatório, mas em reinvestimento no bem-estar de toda população.”


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