‘É preciso ouvir ainda mais as demandas da comunidade’, reforça representante da filantropia familiar

Por: GIFE| 11º Congresso GIFE| 22/01/2021

Do total de organizações respondentes ao Censo GIFE 2018, 22% correspondem a institutos ou fundações familiares, 14 pontos percentuais a mais do que o patamar de 2008 (8%). São organizações criadas e mantidas por uma família ou indivíduo que também se envolve em sua governança e/ou gestão, na maioria dos casos, realizada de forma independente das empresas da família.

A filantropia familiar foi um dos setores que marcou presença na resposta à pandemia. Segundo o Monitor das Doações, mais de R$ 340 milhões – cerca de 5% do total – foram doados por 41 indivíduos e famílias para combater os efeitos da Covid-19. 

Considerando esse cenário e o chamado para uma atuação cada vez mais expressiva de famílias de alta renda do mundo todo com a chegada da pandemia, o GIFE promoveu o painel Investimento Social Familiar, no âmbito do Trilho de Diálogos e Trocas Temáticas do 11º Congresso GIFE – série de debates online sobre temas que marcam o investimento social privado, a filantropia e as organizações da sociedade civil brasileira. 

A atividade contou com a participação de representantes da filantropia familiar do Brasil e dos Estados Unidos. Nicholas Tedesco, CEO do National Center for Family Philanthropy, compartilhou dez tendências principais da filantropia familiar observadas a partir do cenário pandêmico no país norte americano. Entre elas estão a ideia de ouvir com mais intencionalidade, trabalhar com transparência, repensar a relação do investimento e risco, usar a lente da equidade para os investimentos, trabalhar colaborativamente, entre outras. 

Para aprofundar o debate sobre desafios e oportunidades de mudança para a filantropia familiar, o redeGIFE conversou com Karin Baumgart, membro do comitê de estratégia, inovação e sustentabilidade do Grupo Baumgart e integrante da terceira geração da família, que também participou da mesa. Confira a seguir. 

redeGIFE: Entre 2008 e 2018, cresceu 14 pontos percentuais a taxa de institutos e fundações familiares respondentes ao Censo GIFE. Na sua avaliação, esse aumento pode ter relação com uma demanda do setor e da sociedade de forma geral para que famílias de alta renda passem a atuar mais expressivamente em causas socioambientais?

Karin Baumgart: Acredito que esse crescimento não se deve apenas à escuta sobre as demandas sociais, mas passa pelo aumento do nível de consciência das famílias de alta renda sobre o seu propósito na sociedade, especialmente porque, cada vez mais, estão preocupadas em deixar um legado positivo para as gerações futuras, uma vez que estão percebendo que as próximas gerações, ou seja, seus filhos e netos, estão mais conectadas com o propósito das organizações.

redeGIFE: Segundo o Monitor das Doações, mais de R$ 340 milhões – cerca de 5% do total – foram doados por 41 indivíduos e famílias para combater os efeitos da Covid-19. Como esse resultado dialoga com a atuação do investimento social familiar de modo geral em resposta à pandemia? 

Karin: Mais do que olhar para o investimento social familiar estruturado, a pandemia desafiou a filantropia como um todo a colocar à serviço da sociedade sua capacidade de articulação e mobilização para levantar recursos que pudessem evitar o aumento do abismo social que vivemos no Brasil. Esse contexto nos fez abandonar algumas premissas do investimento estratégico para atuar no campo da emergência e da ajuda humanitária. É preciso ouvir ainda mais as demandas da comunidade.

redeGIFE: Durante o painel Investimento Social Familiar, foram discutidas tendências para a filantropia familiar a partir do movimento que marcou as respostas à pandemia. Uma dessas mudanças, por exemplo, passa pela necessidade de avançar no conceito de responsabilidade e transparência, ou seja, realmente usar as fortunas e gerir fundos em favor de comunidades e prestar contas sobre isso. Qual posição ocupa atualmente o setor privado brasileiro no que se refere a esses debates? 

Karin: Acredito que o investimento social privado caminha na mesma direção. Se observarmos o momento atual com a onda do ESG [sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa], onde os investidores passam a se preocupar mais em mitigar os aspectos ambientais, sociais e de governança dos seus investimentos, isso naturalmente moverá as fundações e institutos empresariais a atuarem mais em conjunto com as empresas e a avançarem na agenda da transparência, especialmente porque, atualmente, vivemos em uma sociedade mais vigilante sobre o que empresas falam e fazem. Vale lembrar que esses investidores sociais são, na verdade, pessoas de alta renda e seu papel enquanto filantropos é trazer suas discussões e preocupações para o campo empresarial. É um ciclo que se retroalimenta: o investimento social privado aprende, aplica boas práticas, troca com o investimento social familiar e vice-versa.

redeGIFE: O painel também debateu a importância de ouvir com mais intencionalidade. Como você avalia o movimento da filantropia familiar de estabelecer relações mais próximas com as comunidades onde está inserida? Quais são ou poderiam ser os impactos dessa proximidade? 

Karin: É de fundamental importância estar mais próximo das comunidades, pois essa escuta ativa pode ser capaz de capturar demandas e causas não atendidas por políticas públicas ou pelo investimento social empresarial, além da possibilidade de experimentar e inovar mais nos campos social e ambiental, pois, muitas vezes, a natureza de atuação e de investimento dos institutos e fundações empresariais é limitada por inúmeras questões.

redeGIFE: Considerando o contexto brasileiro, quais alterações na forma de atuação da filantropia familiar você apontaria que a pandemia incentivou? O que você avalia que veio para ficar em termos de novos hábitos e comportamentos? 

Karin: Os novos tempos exigem que façamos investimentos de maneira mais colaborativa e intersetorial, imprimindo maior velocidade no campo das ações, pois não dá mais para vermos os abismos social e ambiental aumentarem em um país com tantas desigualdades como o nosso. Acredito que não podemos mais esperar somente a atuação das políticas públicas, uma vez que a estrutura dos governos não consegue acompanhar a intensidade das mudanças pelas quais a sociedade vem passando.

redeGIFE: Como tem se dado entre famílias de alta renda o fenômeno da colaboração, cujo crescimento foi identificado no setor do ISP e da filantropia de modo geral durante o contexto de emergência? 

Karin: Nós vimos inúmeros exemplos de atuação colaborativa de famílias com ou sem institutos ou fundações. Nós, no Grupo Baumgart, por exemplo, integramos as ações dos nossos institutos corporativos, Center Norte e Vedacit, em prol do movimento Juntos Pela ZN Contra o Covid-19, apoiando comunidades e hospitais na região Norte de São Paulo. Essa mobilização contou não só com recursos familiares e empresariais, mas também serviu para aproximar pessoas, sejam moradores da região ou de fora, bem como outras empresas, canalizando a captação de recursos junto à plataforma Família Apoia Família.

redeGIFE: Na sua avaliação, qual é o papel ou a oportunidade das novas gerações de investidores familiares para a promoção de inovação e novas formas de realizar investimento e o avanço dos investimentos de impacto? 

Karin: O investimento familiar tem sido um grande promotor de inovações no campo da filantropia brasileira. Se olharmos os investimentos que têm sido feitos junto a negócios sociais, percebemos que grande parte deles são oriundos dos institutos e fundações familiares ou de pessoas físicas de alta renda. Assim, creio que a barra nessa modalidade de investimentos deverá subir nos próximos anos. Esse é um campo que está promovendo uma série de inovações interessantes para o setor e acredito que só tende a aumentar nos próximos anos. Além disso, o investimento nas organizações não governamentais não deixa de ter sua prioridade na agenda das famílias investidoras, mas exigirá uma mudança de modelo mental das organizações para que sejam mais inovadoras do que sempre foram na influências às políticas públicas. 


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