Eficácia das medidas de adaptação climática requer taxação dos mais ricos e comprometimento da filantropia, afirmam especialistas

Por: GIFE| Notícias| 10/06/2024

Cassio França, Secretário Geral do GIFE; Roberta Eugênio, Secretária Executiva do Ministério da Igualdade Racial, e Viviana Santiago, Diretora Executiva da Oxfam Brasil durante o Climate Solutions Forum.

As estratégias de adaptação climática são assuntos cada vez mais comuns em meio aos reiterados episódios de catástrofes ambientais. Os estragos provocados pelas tempestades no Rio Grande do Sul no último mês de maio deixou esse debate ainda mais evidente no Brasil. O assunto foi um dos destaques no F20 Climate Solutions Forum (CSF) 2024, que aconteceu no Rio de Janeiro entre os dias 4 e 6 de junho, onde planos resolutivos e o papel inadiável da filantropia foram temas de dois painéis coordenados pelo GIFE. 

Cerca de 50% da população mundial já está vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, de acordo com dados do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em 2022. No Brasil, esses efeitos são sentidos mais severamente por grupos economicamente vulneráveis, constatação evidenciada durante o desastre climático no RS, tendo em vista que as regiões mais pobres e negras foram as mais prejudicadas pelas cheias.

“Não se trata de desastre ambiental, porque natureza não faz desastre, o desastre é socioambiental, e [essa] não é uma instituição democrática que afeta todas as pessoas do mesmo jeito”, reiterou Viviana Santiago, diretora executiva da Oxfam Brasil, durante o painel “ODS e Desigualdades Climáticas”, mediado por Cássio França, secretário geral do GIFE.  “O que estrutura a desigualdade no Brasil é o racismo. Pobreza tem raça, doença tem raça, vulnerabilidade tem raça”, completou.

Também presente na ocasião, Roberta Eugênio, secretária executiva do Ministério da Igualdade Racial (MIR), falou sobre a importância do fortalecimento e criação de políticas públicas, citando o protagonismo das populações tradicionais como caminho resolutivo. 

“A promoção de direitos para os povos e comunidades tradicionais se volta como uma medida central da proteção do meio ambiente e da valorização dessas ações enquanto medidas que contribuem para adaptação e mitigação”, afirmou a secretária. 

Ela  citou ainda o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) de número 18, compromisso voltado à igualdade étnico-racial assumido voluntariamente pela presidência brasileira na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas. “Estamos enfim compreendendo que o enfrentamento ao racismo, a promoção da igualdade racial não parte do compromisso de uma ação que deve estar setorizada em um ministério ou em uma secretaria, mas sim enquanto compromisso de estado.”

Compromisso que, de acordo com Viviana Santiago, deve estar alinhado ao combate de um dos principais problemas sociais: a acumulação de riquezas. “O problema do Brasil não é pobreza (…) é não taxar grandes fortunas, porque se o país taxasse 0,5% a mais os super ricos a gente tinha orçamento para fazer tudo o que a gente quisesse em áreas como, por exemplo, adaptação, transição energética justa, solidária e feminista.” 

Em uma escala de emergência climática onde as demandas por recursos já ultrapassaram a casa dos bilhões de dólares, como enfatizou Henrique Botelho Frota, diretor executivo da Abong durante a mesa de abertura do F20, o fortalecimento da justiça fiscal é um imperativo. “A situação econômica, e o regime fiscal e de taxação dos países é crucial para pensarmos numa ação climática mais efetiva. Sem a qual os países não conseguirão liberar seus próprios investimentos, em seus territórios, seja para mitigação ou adaptação”, alertou.

O papel inadiável da filantropia

O painel “As dimensões de desigualdades climáticas e o papel da filantropia na democratização das riquezas” debateu caminhos possíveis para a filantropia. Marlene Engelhorn, herdeira da BASF e integrante do Movimento Tax Me Now, acredita que é importante a consciência dos doadores em darem poder para as organizações no território.

“Doadores precisam reconhecer que eles têm uma posição muito especial, é sempre uma posição de poder. Mas, se eles entenderem isso e refletirem sobre, precisam confiar nas pessoas que estão fazendo o trabalho direito. Na prática, isso significa que é preciso que os doadores cumpram suas obrigações, paguem tributos e se não pagarem que defendam que sejam tributados.”

Integrando a mesa, o diretor executivo do Fundo Baobá e conselheiro de governança do GIFE, Giovanni Harvey, afirmou que está mais do que na hora de a filantropia abrir mão de condutas obsoletas.

“A sociedade civil já vem apontando caminhos para nós há décadas, e se trata muito mais de reconhecer o papel que as iniciativas de base têm, do que nós tentarmos, [enquanto atores filantrópicos], pautar essas iniciativas a partir de concepções que o tempo vem mostrando que estão ultrapassadas.”

Pedro Abramovay, Vice-Presidente de Programas, Open Society Foundations, Marlene Engelhorn, Movimento Tax Me Now, Emanuele Capobianco, Diretor de Estratégia e Impacto, WHO Foundation e Giovanni Harvey, Diretor Executivo, Fundo Baobá e Katrin Harvey, Secretária Geral do F20

Giovanni Harvey cita o trabalho conjunto com o estado como uma perspectiva importante. “A redução das desigualdades etnico-raciais, por exemplo, só poderão ser alcançadas com uma robusta política de reparação por parte do estado brasieliro.”

Percepção compartilhada pelo vice-presidente de Programas da Open Society e conselheiro de governança do GIFE, Pedro Abramovay, que citou o estado como o principal “motor de transformação da sociedade”. Nesse sentido, ele enfatizou que a filantropia precisa entender que ela não vai resolver o problema, mas pode auxiliar no enfrentamento às desigualdades.

“A filantropia entra para alterar as dinâmicas de poder, ela tem essa capacidade, e isso passa por apoiar grupos [subalternizados]. O grande papel da filantropia tem que ser o de dar poder político para que a transição climática seja uma transição feita a partir dessas pessoas”, concluiu.


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