A luta pelo direito à cidade e o combate às desigualdades territoriais no Brasil

O especial redeGIFE de março é sobre Direito à Cidade. Atualmente, a maior parte da população brasileira vive nos centros urbanos, frutos de um crescimento desordenado e de uma herança colonial que deu origem às periferias e favelas. Ouvimos especialistas em urbanismo, ativistas do tema e atores do ISP para entender os principais problemas das cidades e os caminhos para solucioná-los, de forma a tornar as cidades mais sustentáveis e inclusivas. 

Em 1940, apenas 31% da população brasileira vivia em cidades. Hoje, essa porcentagem é de 85% de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A grande concentração de pessoas nas cidades chama atenção para a necessidade de medidas capazes de mitigar impactos como degradação do ambiente, dificuldades de deslocamento, poucas áreas verdes, insuficiência de serviços públicos e ocupação desordenada. 

Mas, existe uma parte da população que é mais afetada. “A população negra e de menor renda”, afirma Carina Serra, membro do Comitê Nacional do BR Cidades. De acordo com a Rede Nossa Paulo, só na cidade de São Paulo, enquanto no bairro de Guaianases a expectativa de vida é de menos de 60 anos, no Jardim Paulista, chega a 80 anos.

Esse cenário se dá devido a questões cotidianas, como o tempo de deslocamento para o trabalho. “Isso acontece porque os terrenos com maior valor se encontram nos territórios onde tem emprego, infraestrutura, saúde e educação. Por isso que nas tragédias nos períodos de chuva, quem morre é a população de menor renda, negra.”

Yane Mendes conhece bem essa realidade. Cineasta periférica e afro-ciberativista, vive na favela do Totó, em Recife (PE), onde integra a Rede Tumulto. Durante as chuvas que resultaram na morte de 132 pessoas em Pernambuco em 2022, ela articulou doações para os moradores.

Para ela, a situação é resultado do racismo ambiental, e passa pela ausência de políticas de prevenção e exclusão dos moradores das favelas no debate climático. “A gente vive no alerta de vivenciar deslizamento de barreira. Nosso povo perdendo tudo, doenças voltando, as crianças sem poder ir à escola.”

A ativista acredita que o direito à cidade se trata de uma luta pelo acesso a serviços públicos nos territórios periféricos. Questões que vêm sendo levantadas há décadas, e ecoaram através do renomado intelectual Milton Santos. O geógrafo estudou a maneira como as cidades se formam e se desenvolvem, pensando questões raciais e sociais.  

“Milton Santos é atemporal”, pontua Érica Santiago, que estuda espaço urbano em consonância com aspectos ambientais no Instituto Federal do Pará. “Ele defende que o crescimento da população urbana tem como consequência o crescimento desordenado. Que impacta a qualidade de vida da população preta e periférica.”

De acordo com Daniela Pavan, gerente executiva de sustentabilidade do Instituto Center Norte, ao pensar as cidades é preciso considerar sua estrutura física, equipamentos e serviços, mas também seu tecido social. “Olhando para isso temos oportunidades para superar os impactos decorrentes da sua grande concentração.”

Para possibilitar cidades inclusivas, Daniela Pavan defende que é preciso garantir os direitos básicos de forma a conectar comércio, lazer, serviço público, mobilidade e acessibilidade. 

“Sem esquecer da vitalidade, bem estar, segurança, eficiência energética, hídrica, do melhor uso dos resíduos e uma boa governança que considere esse tecido social.”

Ponto de convergência

O Brasil tem dimensões continentais. Ainda assim, existem aspectos que convergem entre as diferentes regiões. Para Érica Santiago, um exemplo visível é a gentrificação. “É uma realidade do Norte ao Sudeste”, ressalta a pesquisadora.

O termo gentrificação foi pensado pela socióloga e planejadora urbana Ruth Glass, para explicar o processo de expulsão de moradores de áreas periféricas em terrenos que passam a ser cobiçados pela especulação imobiliária.

Carina Serra alerta que esse processo tem relação com as raízes históricas brasileiras. Segundo ela, logo após a abolição da escravatura as terras que eram do Estado foram passadas para os latifundiários, restando aos escravizados procurar moradia nas encostas, morros e ocupações.

Yane Mendes acredita que a única maneira de fazer os serviços chegarem a esses territórios é o diálogo do poder público com os moradores. “São colocadas políticas pra gente que não dialogam com nossa realidade. É preciso participação popular na construção do Plano Diretor.

Arquiteta e urbanista, Carina Serra chama atenção também para que se analise as potencialidades das diferentes regiões na produção das cidades. “Enquanto a capital de São Paulo vem deixando gradativamente de ser um polo industrial, diversas capitais do Nordeste são referências tecnológicas industriais hoje. Como na produção de carros elétricos.”

ISP e Poder Público

Projeções atuais esperam que a população urbana chegue a triplicar até 2030. Carina Serra acredita que no poder público esta agenda ainda é secundarizada. “Por isso que estamos construindo documentos técnicos para orientar a ação do poder público”, explica. Ela aponta a importância do apoio do Investimento Social Privado (ISP) para garantir essa produção de conhecimento e a sobrevivência dessas ações. 

Daniela Pavan pensa que um dos caminhos para combater as desigualdades nos territórios é a participação social, o que o Instituto Center Norte fomenta a partir do projeto Ativa ZN. O Instituto incentiva ainda o empreendedorismo local. “Fortalecer o vínculo dos moradores nos locais onde eles vivem melhora a mobilidade, gera menos deslocamento e impacto ambiental e potencializa a economia local.” 

O Censo GIFE 2020 mostrou uma atuação de 42% dos respondentes no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11: Cidades e comunidades sustentáveis.

Para Yane Mendes, não há como comparar o trabalho desempenhado pela sociedade civil em relação ao poder público. Ela conta que na pandemia a Rede Tumulto “tinha que fazer o trabalho do governo, matamos a fome de mais de 15 territórios”

Para a ativista, o ISP precisa entender melhor os enfrentamentos cotidianos das regiões em situação de vulnerabilidade. Ela explica que muitas organizações têm limitações de internet e de expertise com editais, o que mantém os recursos concentrados nas mesmas organizações de sempre.

“As pessoas perdem quando não dialogam com a gente. Tem muita gente do Sudeste falando por nós e não tem como dar certo”, finaliza.

Expediente

Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Leonardo Nunes
ASSISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO

Afirmativa
REPORTAGEM/TEXTO & PODCAST

Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO


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