O  que é  racismo ambiental e como ele impacta a vida dos brasileiros 

Por: GIFE| GIFEnaCOP| 14/11/2022
racismo ambiental

Imagem: Antonio Cicero/Photo Press/Folhapress

O racismo ambiental está entre as pautas prioritárias da sociedade civil na COP 27, realizada no Egito.
Em entrevista ao GIFE, Marina Marçal, coordenadora de política climática no Instituto Clima e Sociedade (iCS), e doutoranda em sociologia e direito pela Universidade Federal Fluminense, com período como pesquisadora visitante em Columbia Law School (Nova York), aborda a importância do tema e como política climática pode ser mais inclusiva no Brasil.

GIFE –  O que é racismo ambiental?

Marina Marçal – É um conceito que foi cunhado pela primeira vez nos anos 1980 pelo pastor estadunidense, Benjamin Chaves Jr, mas certamente encontra o maior acervo científico nos estudos do Dr. Robert Bullard, conhecido popularmente no mundo como o pai do racismo ambiental e de Drª. Beverly Wright, conhecida de forma mais ampla no contexto estadunidense como mãe do racismo ambiental.

Esse conceito basicamente aponta para a divisão desigual do bônus e ônus do “desenvolvimento” no modelo de produção na sociedade capitalista em que as populações negras, indígenas, latinas e minorias sociais, costumam ser majoritariamente afetadas pela degradação ambiental, como as enchentes, poluição do ar, proximidade à destinação de resíduos sólidos e/ou tóxicos, entre outros

Mais recentemente, a literatura entende, inclusive, o racismo climático como uma complementação do racismo ambiental, entendendo que o histórico do colonialismo e da escravidão faz com que essas populações estejam submetidas aos maiores impactos das mudanças climáticas, exatamente por conta do racismo ambiental.

Por isso, a importância das mulheres negras nesse debate, já que são a maior parte da população brasileira.

GIFE –  Você acredita que ter um termo ajuda no combate ao racismo de que forma?

Marina Marçal – Com toda certeza, o Dr. Bullard foi ouvido inicialmente como sociólogo perito em demonstrar a frequência que tal crime ocorreu. Isso embasou uma série de decisões judiciais nos EUA e espero que um dia no Brasil, por isso, como advogada, tenho estimulado tanto o tema aqui. Meu período estudando em Columbia Law School, como única mulher negra no programa de meio ambiente e energia, no doutorado, teve esse objetivo, buscar como as políticas públicas climáticas no Brasil podem ser mais inclusivas, considerando os conceitos de interseccionalidade (Crenshaw) e racismo ambiental (Bullard) que têm origem estadunidense. 

As ações de litigância climática têm crescido em torno de 60% mundo afora. Se o Estado e os atores subnacionais, sejam governadores(as), prefeitos(as), parlamentares não criam políticas climáticas e ambientais e não as implementam , o caminho que cabe é a litigância climática. Ter um termo para apontar as desigualdades sociais existentes não é só academicamente importante, mas para que possamos abordar o que as pessoas vivem nos territórios não é um problema novo.

GIFE – Como pessoas brancas podem estar aliadas no combate ao racismo ambiental?

Marina Marçal – Toda população pode contribuir, alguns, como mencionei têm o dever legal de agir, mas no geral, todos podem e devem denunciar e cobrar dos atores públicos políticas climáticas e ambientais que sejam mais inclusivas, com órgãos de fiscalização, de controle e comando ativos. 

Marina Marçal durante a COP27, no Egito

É importante que a população denuncie e acione por exemplo o Ministério Público local, provoque a entidade e as autoridades. As pessoas brancas costumam ter muito mais influência e acesso a essas informações e podem fazer sua parte nesse sentido. 

Vale destacar também a importância da educação ambiental, pois, o Brasil é o primeiro país da América Latina a ter lei sobre educação ambiental. Todo cidadão deve lembrar que é eleitor, por isso, votar em parlamentares e atores públicos que estejam preocupados, atentos e ativos com a questão climática e ambiental é tão importante. O tema de meio ambiente, Amazônia e clima apareceu na maioria dos debates eleitorais presidenciais deste ano, mas não só o governo federal tem responsabilidade com essa agenda. 

GIFE – Você acredita que a filantropia tenha um papel importante para o combate do racismo ambiental?

Marina Marçal – Financiar organizações para lidar com o tema, seja na perspectiva da educação ambiental, da litigância climática, da promoção de eventos, do diálogo com atores do setor privado, público, governo federal ou parlamentares, é essencial. Ter financiamento para que comunidades afetadas busquem ferramentas para combater o racismo ambiental, é primordial, inclusive para participarem de espaços de decisão, como a COP, já que ainda são tão excludentes, seja pela barreira da língua, seja pelo acesso. 

GIFE – Como você acha que as grandes empresas e/ou fundações podem colaborar para o combate ao racismo ambiental?

Marina Marçal – Com transparência, demonstrando como estão avançando na implementação de ações e compromissos anunciados, promovendo dados públicos, caminhando para o net zero com metas de curto prazo e evitando greenwashing. Envolvendo-se com as comunidades locais e escutando-as no processo de executar suas atividades, vale lembrar do respeito às leis ambientais. O Brasil, por exemplo, é signatário da convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], em que diz que é preciso realizar a consulta e receber o consentimento prévio, livre e informado das populações que possam ser eventualmente impactadas pela instalação de empreendimentos. As empresas precisam respeitar isso e as fundações também, além de poderem realizar trabalhos sociais, políticas de reparação, que não excluem compensação e consulta.

GIFE – Como você acredita que a COP pode colaborar para o combate ao racismo ambiental?

Marina Marçal – É preciso cobrar que as ações para essa COP27, que é reconhecida como a “COP da implementação”, demonstrem como estão buscando reduzir emissões de gases de efeito estufa, mas também reduzir as desigualdades sociais e raciais existentes ou, ao menos, não acentuá-las. Por isso, debater, por exemplo, transição justa  e não somente transição energética é o que muitos atores estão provocando na agenda de clima.

A COP também ajuda na propagação do tema do racismo ambiental, conectando-o com a justiça climática, que é um conceito amplamente reconhecido pela comunidade internacional de clima, inclusive entre os atores técnicos. Além de promover um intercâmbio entre atores internacionais dos países, que podem trocar boas práticas para combater o racismo ambiental.

Eu convidei o Bullard para participar de atividade no pavilhão do Brazil Climate Action Hub e ele está confirmado para esta semana. Também vou participar de um evento no pavilhão de Climate Justice na próxima semana, organizado por ele e outras ativistas ambientais estadunidenses, que felizmente me chamaram para colaborar com a construção do pavilhão. É a primeira vez que esse pavilhão tem um espaço na Blue Zone, a área de negociações climáticas da COP, e a primeira vez também que realiza parceria com uma pessoa do Brasil. Isso pode ser uma mudança de chave para a comunidade brasileira entender o conceito e se mobilizar para combatê-lo.

Assim como Bullard é hoje membro do conselho consultivo de meio ambiente da Casa Branca, nos Estados Unidos, espero que o novo governo Lula, possa elaborar a lista de representantes e conselheiros do meio ambiente de forma inclusiva, reestruturando inclusive a governança climática brasileira. Muitos atores têm sugerido a criação de uma secretaria de clima no Brasil, a exemplo do governo Biden. Acho que poderia ser criado comitês de justiça para lidarmos com as vulnerabilidades que a população negra passa no Brasil, desde racismo ambiental a violência policial.


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