Os desafios da Saúde Pública no Brasil em um contexto de pós-pandemia e de queda nos investimentos

A saúde é direito de todos e dever do Estado. Para cumprir essa missão, o Brasil tem o Sistema Único de Saúde (SUS), único sistema de saúde pública do mundo que atende mais de 190 milhões de pessoas. O especial redeGIFE de julho é sobre investimento social privado e saúde pública. Conversamos com especialistas na área para entender os caminhos para a efetivação desse direito.

Nos últimos 10 anos, os investimentos em saúde pública caíram 64% e perderam R$10 bilhões. É o que aponta a Nota Técnica n. 29 “Orçamento da Saúde para 2023: o que mudou nos últimos dez anos?” publicada pelo  Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) em parceria com a Umane. Neste cenário, os maiores prejudicados são os que mais dependem da saúde pública. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde 2019 (PNS) do IBGE, as mulheres negras são as principais usuárias do serviço. 

Para Diana Santos, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), antes de falar sobre as principais necessidades do SUS, é importante destacar que o sistema é uma conquista do povo brasileiro, e que suas necessidades estão vinculadas a um processo histórico de problemas estruturais.

“Entre esses problemas destacam-se: gestão ineficiente, culminando com a descontinuidade de programas e fraca integração entre as esferas federal, estadual e municipal; bem como o subfinanciamento.” 

Ela lembra que essa precarização ratifica o racismo institucional do país, materializado na falta de cuidado integral, sobretudo, das populações racializadas.

“O próprio SUS é negligenciado por ser caracterizado como ‘lugar de pobre’ e, principalmente, ‘lugar de negro’.”

DIANA SANTOS,
vice-presidente da ABRASCO

Denize Ornelas é co-coordenadora do GT Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), e acredita que o primeiro ponto a se melhorar é o fortalecimento da atenção primária.

“Atenção especializada é um gargalo histórico do SUS pela dificuldade de conseguir profissionais e pelo aporte tecnológico de medicina laboratorial. Atenção hospitalar, urgência-emergência, alta complexidade, consequentemente é mais um gargalo. Conforme cresce o nível de complexidade, menos acesso provemos.”

DENIZE ORNELAS,  co-coordenadora do GT Saúde da População Negra da SBMFC.

A coordenadora de projetos da Umane, Evelyn Santos, chama atenção para os 33,3 milhões de brasileiros que não têm nenhum acesso a atendimento de saúde, segundo o IEPS. “Hoje temos um sistema muito reativo e pouco proativo, gerando internações e óbitos prematuros e evitáveis. Se estes desafios não forem trabalhados, a pressão no SUS seguirá em trajetória ascendente de custos, sem necessariamente refletir em melhores resultados ou qualidade de vida da população.”

Pós-pandemia

O último Censo GIFE foi publicado em 2020, período no qual proteção social e saúde foram as áreas temáticas que mais organizações passaram a atuar, devido ao contexto da Covid-19. No entanto, o Censo também aponta que a maior parte das organizações que iniciaram sua atuação no tema de saúde e bem-estar tinha tendência a deixar de fazê-la no contexto pós-pandemia (15%). 

A pandemia relembrou o país de quão fundamental é o SUS. Para Denize Ornelas, o período desenvolveu um importante capital político: colocar a saúde na agenda do dia. O que reverberou no investimento social privado (ISP).

Silvia Tortorella, diretora executiva do Instituto Paulo Gontijo, compara a empatia observada durante a crise sanitária como similar ao período de guerra.

“Muitas entidades pensaram rápido e construíram projetos, porém não darão continuidade porque a rede se rompeu. O ISP retornou para o olhar que não reconhece mais a saúde e o bem-estar como fundamentais.”

SILVIA TORTORELLA, diretora executiva do Instituto Paulo Gontijo

Diante da expectativa de queda desse investimento, a diretora do Instituto Opy de Saúde, Heloísa Oliveira, acredita que é o momento de orientar o ISP para o fortalecimento da atenção básica. Além da produção de estudos e análises.

Entre os caminhos observados pela gerente executiva de investimento social na RaiaDrogasil, Maria Izabel Toro, está a articulação e as parcerias que o ISP pode fazer com outras áreas, como educação, erradicação da pobreza e emergências climáticas.

“Eu acho que estas articulações dentro do setor do investimento social são possíveis e importantes. Olhando para a saúde como um tema transversal. Por meio da colaboração a gente consegue combinar recursos, conhecimentos e experiências, para promover ações conjuntas em benefício do fortalecimento da saúde pública.”

MARIA IZABEL TORO, gerente executiva de investimento social na RaiaDrogasil.

Diana Santos ressalta que para falar em ISP na saúde é preciso descolonizar ações, pensamentos e conhecimentos. “O crescimento econômico do país depende do bem-estar da população. As condições de moradia, trabalho, racismo, insegurança alimentar influenciam nas condições de vida, colocando determinados grupos sociais em risco de adoecimento.”

Olhando para frente

A despeito da pandemia, a filantropia tem um histórico de apoio à saúde. Um exemplo são os mais de 1.600 hospitais filantrópicos que atendem a população por meio do SUS em todo os estados, de acordo com o Ministério da Saúde. Em quase mil municípios, a assistência médico-hospitalar acontece unicamente por essas instituições. 

A pandemia acelerou o reconhecimento do ISP acerca de investir em saúde pelo viés da política pública. Para Evelyn Santos, é preciso antes de tudo uma abordagem sistêmica para os serviços de saúde e para a população, em busca de uma interpretação integrada dos territórios. Já Heloísa Oliveira destaca o financiamento de iniciativas de promoção de saúde e de incidência política para aprimoramento do marco legal e de políticas públicas.

“É comum municípios executarem mais do que 30% da sua receita corrente líquida em saúde, com grande parte dedicada à prestação de serviços hospitalares, sem necessariamente alcançar bons resultados. É preciso implementar mecanismos efetivos de referência e contrarreferência e de integração das informações para a otimização do cuidado”

EVELYN SANTOS, coordenadora de projetos da Umane.

“O olhar para prevenção de doenças objetiva desafogar os hospitais, reduzindo a necessidade de mais investimentos na média e alta complexidade. A incidência política tem se mostrado como um caminho a ser fortalecido.”

HELOISA OLIVEIRA, diretora do Instituto Opy de Saúde

Para Maria Izabel Toro, o ISP pode complementar o financiamento público contribuindo para suprir lacunas e fortalecer o SUS. Ela aponta parcerias estratégicas, doações, investimento em pesquisa e advocacy. “É preciso garantir que esse investimento esteja em sintonia com as necessidades reais que existem no sistema de saúde.” 

Expediente

Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Leonardo Nunes
ASSISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO

Afirmativa
REPORTAGEM/TEXTO & INFOGRÁFICO

Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO


Apoio institucional

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