Os desafios e soluções para preservar a riqueza natural dos biomas brasileiros

2024 tem se apresentado como um ano devastador para os biomas brasileiros. A importância da Amazônia para a regulação climática é inegável, mas outros biomas que recebem menos atenção têm sofrido tanto ou mais com a degradação. O especial redeGIFE de setembro conversou com ativistas, moradores de comunidades tradicionais e pessoas do Investimento Social Privado (ISP) para discutir os desafios e soluções para preservação destes territórios para o futuro da humanidade 

De acordo com dados do Monitor do Fogo MapBiomas, de janeiro a agosto de 2024, o país somou um total de 11,39 milhões de hectares incendiados. Realidade que tem se agravado devido aos impactos do desequilíbrio ambiental, impulsionado pela ação humana. Além dos incêndios, outros fatores, como desmatamento, desertificação e práticas agrícolas têm colocado em risco ecossistemas, como o Cerrado, Pantanal, Caatinga e Amazônia. 

Informações do MapBiomas apontam que o Brasil perdeu 33% de áreas naturais em 2023. A coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar, ressalta que embora agosto e setembro sejam os meses com maior índices de queimadas no Brasil, biomas como Cerrado, Pantanal e Amazônia estão queimando muito além do que a série histórica demonstra. De 2019 até agosto de 2024, houve um aumento de 149% de áreas queimadas. 

“Isso indica o nível de calamidade que estamos vivendo. As condições de fogo no Brasil tem várias fontes. As principais estão relacionadas ao seu uso na produção agropecuária, seja no momento logo depois do desmatamento, seja para renovar a pastagem, que é o principal uso da terra no Brasil”, explica. 

Adriana Ramos, secretária executiva do Instituto Socioambiental (ISA), defende ações imediatas e a longo prazo, como fortalecimento dos órgãos e agentes ambientais; promoção de melhores práticas agrícolas; e ampliação da escala da restauração florestal. 

“Como os territórios estão muito afetados pelas secas, é importante avançar em ações emergenciais considerando o acesso à alimentação, medicamentos e outros bens de consumo importantes para a vida das pessoas que estão nesses territórios afetados. Além disso, ações de conscientização e prevenção junto à população.”

ADRIANA RAMOS,  secretária executiva do Instituto Socioambiental (ISA)

Ameaça ao berço das águas

Em uma proporção que leva em consideração o seu próprio tamanho, o Cerrado é um dos biomas que mais perdeu vegetação nativa. Foram 38 milhões de hectares entre 1985 e 2023. O Monitor do Fogo, da plataforma MapBiomas, mostrou que até agosto de 2024 houve um aumento de 221% em áreas devastadas pelo fogo no bioma, provocado majoritariamente por ação humana. 

O perigo iminente também se apresenta devido à “importância geológica do armazenamento das águas nesse bioma”, como explica Isolete Wichinieski, integrante da articulação da Comissão da Pastoral da Terra do Cerrado (CPT). Na região, estão localizados três grandes aquíferos, Guarani, Bambuí e Urucuia, importantes para o fluxo dos rios do continente. 

Simone Oliveira, articuladora do CPT, destaca, dentre os problemas que ameaçam o Cerrado, a industrialização da agricultura. “O Cerrado foi considerado um bioma pouco explorado, de solo pobre. Mas, com a industrialização da agricultura, o desenvolvimento de tecnologias e o projeto de ocupação do Centro-Oeste, a partir do estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), esse cenário foi mudando.” 

A articuladora explica que o processo também foi facilitado pela abertura das principais rodovias e da construção da Capital Federal, Brasília. “A expansão do agronegócio na região, principalmente a partir dos anos 2000, transformou o que muitos denominaram de ‘Celeiro do Brasil’”, complementa. 

Colocação reforçada por Cayo Alcântara, diretor-executivo da organização A Vida no Cerrado. “A nossa legislação ambiental é extremamente negligente. Basta olhar para o Código Florestal, que determina para a Amazônia que 80% da área de uma propriedade rural seja destinada para reserva legal, e apenas 20% no Cerrado. É como se ele tivesse sido escolhido para ser sacrificado em nome de um dito progresso econômico à base da exploração predatória da terra.”

O caminho para solucionar esse quadro, na sua análise, é promover educação ambiental, para que a população esteja consciente e sensibilizada do problema, levando à pressão popular por políticas públicas efetivas. A exemplo da Proposta de Emenda à Constituição 504/2010, que visa incluir o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônio nacional, assim como são a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira. O objetivo seria garantir que esses biomas recebam maior atenção do poder público em termos de políticas de preservação ambiental e uso sustentável de seus recursos. Embora a PEC já tenha sido aprovada no Senado, até hoje tramita na Câmara dos Deputados.

Pantanal pede socorro

Junto com o Cerrado, o Pantanal integra as regiões que mais sofreram incêndio este ano no Brasil. De acordo com relatório do Serviço de Monitoramento da Atmosfera Copernicus (Cams, na sigla em inglês), a região pantaneira enfrentou as piores queimadas das últimas duas décadas. Dados do Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em agosto apontam que 89% dos focos de queimadas que aconteceram no Pantanal foram em áreas de vegetação nativa. Conforme dados do Mapbiomas, o Pantanal passou por uma redução alarmante na superfície de água, saindo de 21% em 1985 para 4% em 2023. 

O cenário dramático que envolve a região preocupa os moradores, principalmente os que necessitam dos recursos naturais para viver, como alerta Fran Paula, remanescente do Quilombo Campina de Pedra, em Cáceres (MT). 

“A gente está passando por anos cada vez mais intensos de escassez hídrica, isso impacta diretamente nas nossas comunidades que sobrevivem do rio, do consumo de peixe e também da venda desse pescado.”

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Desertificação da Caatinga

Único bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga também integra o ranking de biomas em perigo. A desertificação é uma das principais preocupações acerca desse território, pois é um processo que impulsiona a perda da cobertura florestal e degradação do solo, colocando em risco o papel que o bioma desempenha na manutenção do clima.

Um dos principais papéis que esse ecossistema desenvolve é a alta captação de carbono, frisa John Cunha, coordenador do Observatório da Caatinga e Desertificação. “Isso contribui para a mitigação do aquecimento global. Além disso, sua vegetação nativa ajuda a controlar a erosão do solo, mantendo a fertilidade e reduzindo o assoreamento dos reservatórios de água, o que é essencial para a segurança hídrica na região.”

No entanto, dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) revelam que a Caatinga já perdeu 40% de seu território. “Essa degradação é resultado principalmente de práticas agrícolas insustentáveis, como o desmatamento para agricultura e pecuária, além da ocupação inadequada do solo, frequentemente iniciadas há décadas”, complementa John Cunha.  

Cenário que tem prejudicado a vida de pessoas, como Nivaldo Maracajá Filho, 64 anos, morador de São João do Cariri, no interior da Paraíba. “A quantidade de chuvas vem diminuindo no geral. Como dizemos por aqui,  parece que o sol baixou de tão quente. A baixa no nível dos rios têm alcançado patamares históricos, alguns  chegam a secar no verão.”

É preciso agir agora!

Naira Santa Rita, diretora executiva do Instituto DuClima, afirma que o foco desproporcional na Amazônia como ‘pulmão do mundo’ marginaliza os outros biomas que, embora menos reconhecidos, sofrem tanto ou mais com a degradação. 

“Também há uma questão de concentração de recursos financeiros e de políticas voltadas exclusivamente para a preservação da Amazônia, deixando os demais biomas sem suporte, além de uma menor pressão internacional para a preservação dessas áreas.”

NAIRA SANTA RITA, diretora executiva do Instituto DuClima

André Zecchin, biólogo e gerente da Reserva Natural Salto Morato, criada e mantida pela Fundação Grupo Boticário em Guaraqueçaba (PA), complementa. “Não devemos diminuir os recursos destinados à Amazônia, mas subir a régua de cuidado com os outros biomas.”

Além disso, o fortalecimento e apoio a iniciativas, como Observatório da Caatinga e Desertificação, é uma prática que deve se mostrar cada vez mais inegociável, aponta John Cunha.

“O ISP tem potencial para criar uma grande promoção de práticas sustentáveis e de forma estratégica recuperar áreas degradadas que poderiam ter grande impacto positivo na economia e melhoria da qualidade de vida da população”

Ele enfatiza que, no entanto, o apoio ainda é limitado. “Há uma falta de conscientização sobre a importância estratégica da Caatinga, por exemplo, com serviços essenciais para comunidade local e capacidade de atenuar os efeitos da mudança climática.” 

Projetos como A Vida no Cerrado, que promove educação ambiental e desenvolve projetos de restauração de áreas degradadas e proteção das nascentes do Cerrado, também alimentam essa esperança e carecem de recursos. 

“Quando a gente fala de Cerrado é muito difícil captar recursos, tem menos editais e eles são limitados, então a gente tem contado muito com financiamentos coletivos”, comenta Cayo Alcântara, que observa uma dificuldade ainda maior de financiamento para as atividades de advocacy. “Nem sempre as empresas estão dispostas a associar suas marcas a organizações que trabalham com política. Mas só vamos avançar quando tivermos políticas públicas efetivas”, finaliza.

Compromisso da Filantropia

Com apoio de diversas fundações brasileiras, o GIFE realiza há duas edições uma missão na  Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP). A intenção é mobilizar o setor para ações concretas e aumentar o engajamento em temas como adaptação às mudanças climáticas. Um dos frutos do movimento é o Compromisso Brasileiro da Filantropia sobre Mudanças Climáticas, uma plataforma que coordena ações da filantropia brasileira acerca do tema. Criado de forma colaborativa com líderes sociais e inspirado por iniciativas de outros países, que lançaram o #PhilantropyForClimate, a plataforma foi lançada ano passado, durante a COP 28, em Dubai/Emirados Árabe.

Entrevistados

André Zecchin

Reserva Natural Salto Morato

Ane Alencar

Cayo Alcântara

Fran Paula

Quilombo Campina de Pedra, em Cáceres (MT)

Naira Santa Rita

Nivaldo Maracajá Filho

Professor de Matemática da rede estadual da Paraíba e pós-graduado em Educação Ambiental

Expediente

Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Geovana Miranda
ANALISTA DE COMUNICAÇÃO

Afirmativa
REPORTAGEM/TEXTO

Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO


Apoio institucional

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