Fundação Tide Setubal e Plano CDE realizam pesquisa junto à parcela conservadora da população brasileira

Por: GIFE| Notícias| 12/08/2019

O setor mais conservador da sociedade brasileira atual tende a ser formado majoritariamente por pessoas evangélicas, sobretudo do sexo masculino e com mais de 40 anos. Essa é uma das descobertas da pesquisa O Conservadorismo e as Questões Sociais, realizada pela Fundação Tide Setubal em parceria com o Plano CDE.

Entre os objetivos do estudo está compreender os principais valores e preocupações de pessoas ‘conservadoras não radicais de classe média’ em temas diversos como renda, violência, política e corrupção; levantar discursos e conceitos sobre temas específicos como desigualdades sociais, raciais, de gênero e LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e Travestis) e o papel das organizações da sociedade civil; e entender quais são as lógicas que subsidiam a perspectiva conservadora.

Mariana Almeida, superintendente da Fundação Tide Setubal, usa o exemplo do processo de eleição para presidente da República em outubro de 2018 como um marcador da dificuldade da sociedade de dialogar. “As brigas familiares e rompimentos em grupos viraram piada. Nesse cenário, a Fundação tomou institucionalmente a responsabilidade de pensar a sua comunicação com um público mais amplo. Parte da pesquisa vem para tentar entender como as pessoas que estão no espectro mais conservador enxergam nossas pautas e comunicação. Era importante entender como falar para criar pontes e reduzir essas distâncias simbólicas”, explica. 

Motivada pela vontade de ouvir, a Fundação considera importante conversar com aqueles que compõem o território e ouvir como os trabalhos realizados afetam suas vidas. “Quando trabalhamos em um território, buscamos criar laços e fortalecer o tecido social, além de levar muito em consideração uma questão mais simbólica, da identidade das pessoas que estão nesses locais. E isso passa por conversar com todo mundo. Queremos estimular o pluralismo.”

A essas motivações soma-se o fato de que, mesmo tidas como conservadoras, essas pessoas efetivamente compõem a sociedade brasileira, o que leva à crença de que devem desempenhar papéis importantes no combate às desigualdades.  

Principais achados 

A maioria dos achados da pesquisa indicam que valores importantes à fatia conservadora da população circulam em torno de um eixo central: a ideia de ordem. Segundo os entrevistados, a sociedade experimenta um momento de “decadência moral” generalizada, o que pode ser observado em diversas instâncias. 

No âmbito da família, por exemplo, existe um desejo de que essa volte a ocupar um papel central na educação dos filhos com mais comunicação entre seus membros, além de muitos apontarem a necessidade de recuperar a convivência familiar para restabelecer a ordem da sociedade.

Quando o assunto é segurança e criminalidade, foi relatada uma sensação permanente de insegurança e a percepção de que situações de violência podem ocorrer em qualquer local e horário. Nesse sentido, nota-se que o termo direitos humanos é associado diretamente à  defesa de criminosos e presidiários. A maioria dos entrevistados acredita que trata-se de uma pauta que foca em quem comete crime e não em quem sofre com ele. 

Na instância da política nacional e processos eleitorais, há um sentimento de decepção e desconfiança, sendo o último também usado para definir o sentimento sobre o conteúdo transmitido pela televisão e imprensa tradicional de modo geral. 

Mariana observa que um dos principais achados da pesquisa, entretanto, foi a percepção de que, mesmo em um contexto conservador, existe um senso de solidariedade. “Há uma quebra de referências sociais básicas, como o formato da família, a falta de credibilidade de partidos, sindicatos. Essa falta de referência geral é traduzida em uma percepção de falta de ordem. As pessoas são solidárias, mas não sentem essa solidariedade vindo a elas. Há um sentimento de abandono.” 

Vale ressaltar que o conceito de ordem não deve ser compreendido como demanda autoritária, mas pelo desejo de acolhimento, explica a superintendente.   

Eixos 

Todas as conclusões obtidas foram divididas em cinco dimensões: pensamento abstrato vs. pensamento concreto; público vs. privado; lógica da igualdade vs. lógica da diferença; estrutura vs. indivíduo; “lacração” vs. “vitimismo”. 

De acordo com as respostas, é possível relacionar o conservadorismo com formas mais concretas de pensamento. Os conservadores têm um senso de pertencimento às suas raízes e a ideia de conservação de tradições, o que seria uma solução para a já citada ‘falta de ordem’ da sociedade atual, principalmente nos conjuntos simbólicos ‘hierarquia’ (composto por valores como tradição, disciplina e autoridade, algo que os entrevistados enxergam que há em menor escala entre crianças e jovens de hoje) e ‘cristão’, uma vez que enxergam a ética cristã como reguladora do mundo. A educação sobre valores e respeito pelo próximo foi apontada como solução para casos de preconceito e violência.

A dualidade público/privado congrega pensamentos como o de que o espaço público – ruas, escolas, mídia tradicional – está se tornando cada vez mais perigoso, seja pela violência ou por práticas tidas como ‘imorais’, como troca de afeto entre casais homossexuais e sexualização precoce. O voto em Jair Bolsonaro relaciona-se a essa instância, pois, na visão dos entrevistados, o presidente promete restabelecer valores tradicionais, segurança, disciplina, ordem e hierarquia em espaços públicos. 

Metodologia 

As organizações optaram pela realização de uma pesquisa qualitativa, ou seja, com a escuta ativa de um grupo de pessoas, na direção contrária da maior parte dos estudos realizados atualmente, no formato de questionários fechados. Segundo Mariana, essa foi a melhor alternativa para o alcance dos objetivos do estudo, pois ajudou a identificar o que os participantes realmente queriam dizer. 

“Parte do processo gerador das brigas no período eleitoral no ano passado é justamente a superfície em que as coisas acontecem, além da dificuldade de ouvir o outro. A nossa escuta era para falar de comunicação, ter uma compreensão mais profunda mesmo. A pesquisa tinha que ser qualitativa porque o que estávamos buscando eram os valores que aparecem não na primeira fala, mas são compreendidos por uma construção.” 

Foram selecionadas 120 pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, entre 18 e 45 anos, sem vínculos com qualquer tipo de organização política e renda de, no mínimo, R$ 469 e, no máximo, R$ 1.499. Os entrevistados foram divididos em trios e entrevistados em ambientes conhecidos com o objetivo de diminuir o ar de formalidade da pesquisa e proporcionar o sentimento de estarem realmente em uma conversa.    

A pesquisa pode ser acessada na íntegra neste link


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