ICE celebra 20 anos e debate as novas fronteiras para o impacto social e ambiental

Por: GIFE| Notícias| 13/05/2019

Em meio à comemoração de seus 20 anos de atuação, o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) abriu os trabalhos do Encontro Nacional da Rede do Programa Academia com um painel que contou com a presença de Lester Salamon, professor na Universidade Johns Hopkins e diretor do Centro de Estudos da Sociedade Civil no Instituto Johns Hopkins para Estudos Políticos, e Ricardo Abramovay, economista e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).

Os dois abordaram “As Novas Fronteiras para o Impacto” a partir da perspectiva de suas trajetórias de pesquisa e atuação, buscando contribuir com o debate sobre como conectar novos conhecimentos e práticas inovadoras no campo do investimento social privado, considerando o ecossistema de investimentos e negócios de impacto, na perspectiva da redução das desigualdades no Brasil.

“Entendemos fronteiras muito mais como pontes do que muros. Queremos construir e mudar modelos mentais criando pontes com outros ecossistemas”, salientou Célia Cruz, diretora executiva do ICE.

Autor de centenas de artigos e cerca de 20 livros – entre os quais New Frontiers of Philanthropy: A Guide to the New Tools and Actors Reshaping Global Philanthropy and Social Investing (Novas Fronteiras da Filantropia: Um Guia para as Novas Ferramentas e Atores Remodelando a Filantropia Global e o Investimento Social, em tradução livre) –, Lester compartilhou com o público suas reflexões acerca do que considera ser uma revolução nas fronteiras da filantropia e do investimento social privado, com novos modelos, instrumentos e atores que ampliam o fluxo de capital para impacto social e ambiental.

Cenário global

Pesquisas apontam que a filantropia mundial é responsável por apenas 14% do financiamento do campo socioambiental. Metade da sustentabilidade das ações é promovida por meio da comercialização de produtos e serviços pelas organizações da sociedade civil, enquanto 35% é subsidiada pelo poder público.

“A filantropia não contribui como poderia para as finanças sociais. Estamos falando de 280 trilhões de dólares em ativos, enquanto o campo mobiliza 228 bilhões de dólares ao ano, nem meio trilhão. O setor precisa se reinventar, quebrar paradigmas, conceber uma nova forma de pensar. Temos que ampliar o conceito de filantropia”, defendeu Lester.

Novas fronteiras

Para o especialista, a solução é o que ele chama de “Big Bang da filantropia”, que deve orientar-se por quatro tendências:

1) Para além da doação: diversificação dos instrumentos financeiros; 2) Para além das grandes fortunas: recursos resgatados em processos envolvendo corrupção ou advindos da privatização de empresas públicas; 3) Para além das fundações: envolvimento de outros atores, como agregadores de capital, mercados secundários e negócios de impacto; 4) Para além de dinheiro: mentoria, capacitação e outros tipos de apoio e fomento.

Essas características complementam o modelo tradicional e, segundo Lester, maximizam a alavancagem e o potencial de impacto da filantropia.

O estudioso aponta que há demanda e oferta para fazer das novas fronteiras uma mudança de modelo mental que vem para ficar. “Os complexos desafios sociais e ambientais da atualidade, recursos insuficientes e a ascensão dos empreendedores sociais marcam a demanda. Já o espaço para o pioneirismo, novos conceitos e conhecimentos, novos atores e modelos mentais, crise financeira e mercado de capitais em baixa, bem como aspectos relacionados a infraestrutura e tecnologia, apontam para oportunidades no que se refere à otimização do campo filantrópico”, explicou.

Desafios

Para Ricardo Abramovay, a tese das novas fronteiras da filantropia é bastante convergente com a tese da nova sociologia econômica, que nasceu das organizações híbridas que obtém lucro a partir da intenção explícita, ética e moral de obter resultados sociais e ambientais.

“Os desafios do nosso tempo não podem ser enfrentados apenas pela sociedade civil organizada e pelo poder público. Só temos alguma chance de sucesso se forem enfrentados também pelo setor privado. A filantropia precisa contaminar o conjunto da cultura empresarial contemporânea para enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável. Sem isso, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ODS) são pura ficção”, ressaltou.

O economista reforçou a necessidade de atenção com o alinhamento entre a filantropia e a esfera econômica. “Não basta realizar ações junto à ‘base pirâmide’. Se a gente não conseguir conceber e elaborar as duas coisas juntas e não tivermos a capacidade de fazer com que as populações periféricas e negras sejam protagonistas do desenvolvimento e não consumidoras, não seremos bem sucedidos nesse processo de transição”, alertou.

E salientou a urgência por uma economia regenerativa e a larga insuficiência ainda do que tem sido realizado por todos os setores da sociedade nessa direção.

“Não podemos ignorar a ascensão de governos de extrema direita ao redor do mundo, que têm uma postura diante do planeta totalmente avessa a tudo que estamos discutindo aqui hoje. Isso é muito importante, porque o Brasil está sob o risco de achar que uma vez aprovada a reforma da previdência, o país voltará a crescer, e isso é uma ilusão. Tanto do ponto de vista das novas fronteiras da filantropia, quanto da nova sociologia econômica, o convite é para que não pensemos a economia se não a partir da sociedade, da política e da cultura. A economia não é uma esfera autônoma do conjunto da sociedade”, observou.

Lições de casa

A um público majoritariamente composto por docentes universitários de todo o país, Lester afirmou que o papel da academia é de grande responsabilidade no que se refere ao seu potencial de contribuição para guiar a filantropia na direção de suas novas fronteiras. “O campo acadêmico tem real responsabilidade na difusão das mudanças, do conceito e do grande potencial das novas fronteiras da filantropia.”

Além disso, o especialista citou os incentivos regulatórios e a capacitação – tanto de investidores, quanto de empreendedores e organizações da sociedade civil –, bem como a concretização dos novos modelos como fatores cruciais para o avanço do campo nessa direção.

Para Ricardo, é tarefa da filantropia e do investimento social privado privilegiar, sobretudo no Brasil, a passagem de uma “economia da destruição da natureza” para uma “economia de conhecimento da natureza”.

Outra recomendação do especialista ao setor tem relação com o elemento da inovação. “Grandes empresas estão cada vez menos inovadoras. Se o mundo quiser avançar em inovação, esta tem que partir das periferias, onde está a juventude, que possui uma capacidade incrível de fazer ciência. A visão das comunidades acadêmicas que estudam inovação tecnológica não tem relação com as que estudam desigualdades e pobreza. É preciso estimular esse vínculo para torná-lo política pública.”

Por fim, Ricardo observou que o setor do investimento social privado precisa reagir energicamente ao movimento de deslegitimação da sociedade civil organizada que marca governos conservadores no mundo todo. “Não existe investimento social privado se não existir sociedade civil forte. É preciso que a filantropia deixe de ignorar o conjunto das organizações que já possuem uma trajetória consagrada na defesa dos direitos humanos e do meio ambiente”, defendeu.


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