O Brasil e o Pirls

Por: Instituto João e Maria Backheuser| Notícias| 03/07/2023

A estreia do Brasil na principal avaliação internacional de leitura – o Pirls – aponta para um cenário bastante preocupante: a habilidade de leitura de crianças brasileiras está entre as piores do mundo. Na comparação com 65 países ou regiões, os brasileiros estão na lanterna, ficando à frente apenas de Jordânia, Egito, Irã, Marrocos e África do Sul. No ranking geral, o Brasil está bem abaixo da média e atrás de países como Turquia, Azerbaijão e Omã. Os melhores desempenhos são de Singapura, Irlanda, Hong Kong, Rússia e Inglaterra. 

Desde 2001, o Progress in International Reading Literacy Study (Pirls) investiga a compreensão de leitura e o contexto de aprendizagem, em vários países, do 4º ano do Ensino Fundamental – etapa em que se espera que o estudante esteja alfabetizado e saiba ler para seguir adiante. São avaliados compreensão de textos, capacidade de localizar informações, interpretação e análises críticas do conteúdo. A partir de 625 pontos, o estudante está em nível avançado; a partir de 550, alto; de 475, intermediário; e de 400, básico. A iniciativa é da International Association for the Evaluation of Educational Achievement, que reúne instituições e pesquisadores que visam à melhoria da educação em todo o mundo. 

Nesta 5ª edição, 400 mil alunos foram avaliados entre agosto e dezembro de 2021, o que permite conferir os efeitos da pandemia na aprendizagem. No Brasil, foram 4.941 estudantes do 4º ano, de 187 escolas (públicas e privadas) de todo o país. Com pontuação de 419, os brasileiros ocupam o nível baixo da escala do Pirls, muito atrás das economias centrais. Segundo o IEDE, nos países desenvolvidos, não há alunos com menos de 340 pontos (retiram-se os 5% com pior desempenho de todos os países, nessa análise). Mesmo 400 pontos são exceção: Itália, Holanda e Espanha, fora do topo do ranking, não têm estudantes nesse patamar. 

Mas o que esse resultado nos indica exatamente? 

Quase 40% dos estudantes brasileiros não possuíam as habilidades mais básicas de leitura: não sabiam recuperar e reproduzir um pedaço de informação do texto. Em 21 países, essa fatia de estudantes não passa de 5%, como Finlândia (4%), Singapura (3%) e Espanha (5%). Além disso, de cada 4 estudantes brasileiros, apenas 1 dominava as habilidades mais básicas de leitura. Esse percentual, somado àqueles que estão abaixo do básico, representa 62% dos estudantes. Na outra ponta, apenas 13% dos brasileiros atingem nível alto ou avançado no Pirls e, portanto, são proficientes em compreensão leitora no 4º ano  – um indicador que, mais uma vez, nos deixa distantes de muitos países. Na Espanha e em Portugal, por exemplo, esse percentual é de 36% e 35%, respectivamente.

A desigualdade educacional também é retratada no Pirls. No Brasil, a vasta maioria, 64%, dos alunos avaliados pelo Pirls tem renda baixa e a média deles foi de 390 pontos, próximo à média de países como Jordânia (381) e Egito (378). Na média internacional, o grupo dos mais pobres representa 22% dos alunos avaliados – praticamente três vezes menos do que o que se observa na realidade brasileira. No outro extremo, somente 5% dos estudantes do Brasil avaliados estão no patamar socioeconômico mais alto, com média de 546 pontos – desempenho similar à nota média de estudantes de países como Suécia (544), Austrália (540) e Polônia (449). Internacionalmente, 30% dos alunos que fizeram o Pirls foram classificados com renda alta — seis vezes mais que no Brasil. Uma fotografia triste tanto do nosso perfil de renda, quanto da distância abissal entre estudantes pobres e ricos no Brasil: são 156 pontos entre os dois grupos – quase duas vezes mais do que a média internacional (86 pontos, com 457, 543 e, respectivamente). Não só a distância preocupa como o patamar alcançado pelos nossos alunos de renda baixa. A média deles foi 67 pontos menor do que a média deste mesmo grupo, considerando todos os países avaliados.

Se fizermos nosso dever de casa, em cinco anos, na próxima avaliação do Pirls, talvez já possamos colher resultados diferentes.

Teca Pontual, diretora-executiva do Instituto João e Maria Backheuser

Os resultados indicam que, a despeito dos resultados, não podemos esquecer que o Pirls, assim como o PISA, tem uma estrutura de prova diferente da do Saeb. Com textos mais longos e questões abertas, o Pirls exige do estudante mais concentração e maturidade. Além disso, o estudante brasileiro não está acostumado com avaliações desse tipo – o que deveria nos fazer refletir sobre a forma como avaliamos a leitura por aqui. De todo modo, as conclusões trazem mais um olhar sobre a educação no país, bem como incorporam dados que podem nos orientar na elaboração de políticas públicas para o setor. 

Os dados do Pirls não são exatamente uma surpresa, mas alertam para a necessidade de nos voltarmos para as etapas iniciais da escolarização. Ainda que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) nos aponte que os anos iniciais sejam o período escolar que mais avançou desde a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2007, o desempenho do Brasil nos Pirls confirma a urgência de políticas públicas para a alfabetização.  Afinal, quando a criança conclui o 2º ano do fundamental sem saber ler, ou lendo precariamente, a trajetória escolar fica comprometida – o que se reflete em altas taxas de reprovação, distorção idade-série, abandono e evasão nos anos subsequentes. 

Embora a BNCC estabeleça que as crianças devem saber ler e escrever nos dois primeiros anos do Fundamental, ainda não conseguimos reverter a triste estatística de que três em cada 10 crianças não sabiam nem escrever palavras como “casa”ou “pipoca”em 2021, segundo o Saeb. Na recém-lançada pesquisa com professoras alfabetizadoras de todo o país, conduzida pelo Ministério da Educação, foi possível constatar que a maioria dos estudantes, 56,4% precisamente, não foi alfabetizada ao final do 2º ano. A pesquisa também se tornou a base do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, nova política nacional de alfabetização lançada em junho pelo governo federal. Sem dúvida, um marco para o país.

Como era de se esperar a nova política se inspira na experiência bem-sucedida do Ceará, traz cinco eixos estruturantes (gestão e governança, formação, infraestrutura física e pedagógica, reconhecimento de boas práticas e sistema de avaliação) e se baseia no Regime de Colaboração entre os entes federados. Nós do IJMB esperamos que o estado do Rio de Janeiro faça sua adesão e assuma seu papel junto aos municípios. Enquanto isso, apoiaremos nossas Redes nesse processo de adesão e potencialização dos recursos que virão da União e seguiremos trabalhando para que todas as crianças aprendam a ler e escrever na idade certa. Se fizermos nosso dever de casa, em cinco anos, na próxima avaliação do Pirls, talvez já possamos colher resultados diferentes. A conferir. 

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Texto de Teca Pontual, diretora-executiva do Instituto João e Maria Backheuser

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