Organizações debatem e apresentam propostas para transparência nas relações intersetoriais

Por: GIFE| Notícias| 12/06/2017

A urgência e a necessidade de se promover práticas e processos cada vez mais transparentes nunca pareceu tão em evidência como nos últimos tempos. A pauta – que é uma das agendas estratégicas do GIFE – foi tema também da 13ª edição do Encontro Nacional do Terceiro Setor (ENATS), promovido pelo Cemais (Centro Mineiro de Alianças Intersetoriais) nos dias 5 e 6 de junho em Belo Horizonte (MG). Mais de 650 pessoas participaram das discussões sobre a transparência nas relações intersetoriais, a fim de encontrar caminhos viáveis nas parcerias entre governo, iniciativa privada e organizações da sociedade civil.

Segundo Marcela Giovanna, diretora presidente do Cemais, a demanda por trazer esse assunto como carro-chefe do encontro surgiu nos ciclos de fomento promovidos mensalmente pelo Cemais, principalmente após a aprovação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).

“Percebemos que em muitas parcerias não existe coerência, cuidado e respeito nas relações. É o que chamamos de ‘diz que me disse’. Uma hora pede um documento, depois pede outro, em seguida diz que vai direcionar um recurso e depois não apoia mais. As ‘regras do jogo’ não são claras para todos. Falta realmente transparência nestes processos. Isso precisa ser diferente para que todos possam sair ganhando nessa relação”, ponderou Marcela.

Na pauta do debate estão as relações entre organizações da sociedade civil e governos, assim como entre OSC e empresas e também entre as próprias organizações. Para dar luz às boas práticas neste campo, inclusive, foi entregue a premiação da primeira edição do Prêmio ENATS de Boas Práticas de Gestão do 3º Setor. O roteiro de avaliação foi elaborado com base na estrutura do Painel GIFE de Transparência, partindo de quatro dimensões destacadas no Painel: Contato; Governança e gestão; Planejamento, programas e atividades; Informações econômicas / financeiras.

“Utilizamos o Painel GIFE de Transparência, pois a organização é uma referência em gestão e relacionamento. O Painel é uma metodologia madura, elaborada por especialistas e de fácil mensuração”, comenta Marcela, destacando que as experiências dos premiados serão apresentadas na próxima edição da Revista Valor Compartilhado, na versão impressa e online.

O prêmio contou com 34 inscrições de nove estados do Brasil, sendo que quatro organizações foram premiadas: Fundação Romi – associada ao GIFE –, Fundação Banco de Olhos de Goiás, Sorri-Bauru e Fundação Cristiano Varella.

Elber Luiz Tomazella, secretário-executivo da Fundação Romi, destaca que a organização preza pela transparência como base para seus processos, principalmente pela forma que atua e, portanto, todas as relações que estabelece com os seus vários stakeholders – mantenedora, comunidade, governos locais etc. – são transparentes. “Essa postura e as nossas práticas trazem credibilidade à Fundação perante a todos com os quais nos relacionamos”, ressalta, destacando que a publicação do relatório de atividades da Fundação, por exemplo, é feita desde 2000.

 

Dados e informações

Para refletir sobre essas relações é preciso, antes de mais nada, conhecer sobre os atores que fazem parte desse campo. E essa foi a proposta da mesa de debate “Sociedade civil e investimento social em números”, do qual Graziela Santiago, coordenadora de Conhecimento do GIFE, teve a oportunidade de participar. “O tema da transparência está na agenda do GIFE e do país, pois estamos num momento crucial de mostrar a importância das OSC para o fortalecimento democrático do Brasil”, ressaltou Graziela, lembrando, porém, que há um contexto de ameaças às organizações não só no país, mas em diversos locais do mundo. Entre estes desafios está a insegurança jurídica na relação com o Estado, a fragilidade dos mecanismos de financiamento, poucos incentivos a doações e escassez de recursos privados.

Diante desse contexto, o GIFE definiu, então, quatro formas de atuação para o fortalecimento das organizações da sociedade civil no Brasil: produção e disseminação de dados; transparência e governança; sustentabilidade econômica das OSCs; e incentivo à doação.

“Acreditamos que ao termos mais informações sobre o setor, por exemplo, isso contribui para reconhecer e fortalecer as organizações. Isso porque os dados ajudam a compreender melhor o papel das OSC, tornando o setor mais transparente e possibilitando a criação e qualificação de políticas voltadas ao setor”, ressaltou Graziela.

Nesta primeira frente, por exemplo, o GIFE desenvolve o Censo, que traça um panorama do Investimento Social Privado (ISP), a partir dos dados de seus associados. Sobre o perfil destes investidores, a maior parte está concentrada no Sudeste, atua principalmente com o tema da “educação”, faz doações para organizações da sociedade civil e também executa projetos próprios. A maior parte dos recursos são investidos em programas desenvolvidos pelas próprias fundações.

Já na frente de “Transparência e Governança”, Graziela destaca as iniciativas realizadas pela organização nos últimos anos, como o Painel GIFE de Transparência – já citado anteriormente na matéria. O Painel é uma ferramenta online que organiza e disponibiliza informações institucionais relevantes sobre as fundações e os institutos associados ao GIFE a partir de um grupo de indicadores. Este instrumento permite a qualquer um observar se a organização publica em seu site a informação sobre cada indicador e acessá-la por meio de link que direciona o usuário para o dado no site do associado.

Há também os Indicadores GIFE de Governança, instrumento que permite a associações e fundações – mesmo não associadas ao GIFE – avaliar por si mesmas o grau de desenvolvimento de sua governança, tendo como referência as linhas gerais estabelecidas pelo “Guia das melhores práticas de governança para institutos e fundações empresariais”, elaborado pelo GIFE e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Graziela Santiago destacou ainda outra iniciativa de fortalecimento das OSC que o GIFE começa a implementar em 2017: o projeto “Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil”, desenvolvido em parceria com o Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com apoio financeiro conquistado junto à União Europeia (clique aqui e leia matéria completa sobre o projeto).

A quarta frente, de incentivo às doações, é o Fundo BIS – incubado pelo GIFE – que irá lançar em breve um edital para selecionar iniciativas que visem fortalecer e promover a cultura de doação no país. Poderão ser apoiadas campanhas de comunicação e produção de conteúdo de incentivo à cultura de doação; estudos e pesquisas para produzir e difundir dados e conhecimento sobre a cultura de doação no Brasil; iniciativas para promover maior segurança regulatória e benefícios para doações no país; e mecanismos inovadores que impulsionem as doações no Brasil.

A coordenadora de Conhecimento do GIFE chamou a atenção dos investidores sociais presentes a reconhecer a importância das OSC, investindo de fato no seu fortalecimento e não apenas em projetos específicos, tendo em vista as iniciativas transformadoras que muitas organizações têm realizado e seu impacto para o controle social e a democracia no Brasil.

 

Informação qualificada

O Mapa das Organizações da Sociedade Civil, produzido pelo IPEA, é outra ferramenta que se apresenta com grande potencial de traçar um panorama do setor. O portal hoje integra um amplo e crescente volume de bases de dados provenientes de cerca de 16 fontes públicas e privadas. É possível identificar, por exemplo, em quais estados há maior concentração de organizações; quais são suas áreas de atuação; número de empregos formais nas OSC por região; evolução anual dos repasses federais para OSC por instrumento de parceria; entre tantos outros.

Além disso, mais do que trazer apenas números e dados sobre o setor, fomenta também uma atuação cada vez mais transparente das organizações. As OSC podem inserir as informações em páginas individuais e manter um perfil completo e atualizado para a visualização dos interessados.

“As organizações já estão convencidas de que a transparência é algo relevante, mas fazem isso de forma muito precária, por diversos motivos. Grande parte não divulga suas informações, pois têm pouca estrutura e dificuldades em manter informações digitais atualizadas e públicas. É inviável para elas atenderem a tantas demandas. Por isso, o Mapa cumpre também essa importante função pública, criando páginas individuais, em que as próprias organizações podem apresentar quem são, o que fazem, seus projetos, suas parcerias etc.”, destaca Felix Garcia Lopez, coordenador do Mapa.

O especialista ressalta que, quanto mais transparente as organizações forem, apresentando de fato o que realizam, mais credibilidade e legitimidade o setor terá. “O macro objetivo do Mapa é fazer com que as pessoas conheçam melhor as organizações que existem no país, pois sem essa informação, constroem-se narrativas que são negativas e diminuem o papel relevante que as OSC têm para o interesse público do Brasil. Precisamos narrar e trazer um outro discurso”.

A proposta é que o Portal possa agregar, cada vez mais, outras ferramentas, trazendo mais agilidade na divulgação de dados atualizados automaticamente, tanto para o Mapa quanto para as páginas individuais das OSC. Hoje os internautas podem encontrar também na plataforma editais abertos, informações sobre normas e leis do setor, glossários e tutoriais.

Outra novidade a ser implementada será uma ‘barra de transparência’, em que será possível acompanhar quantos dos dados as OCS já inseriram na plataforma, a fim de incentivar a atualização constante de suas informações.

 

Implementação do Marco Regulatório

Discutir a transparência nas relações público-privadas, passa, necessariamente, por analisar as mudanças trazidas pelo MROSC e discutir sobre a sua aplicabilidade. Instituído pela Lei 13.019/2014, o MROSC regula os processos de gestão de parcerias das OSC com entes governamentais nas esferas federal, estaduais e municipais. Já em vigor no âmbito da União e dos estados, ele passou a ser adotado pelos municípios desde janeiro deste ano.

O MROSC determina que as parcerias entre os governos e as organizações do terceiro setor podem ser firmadas por meio de termos de colaboração, termos de fomento e acordos de cooperação, e não mais por convênios. Nas duas primeiras modalidades, em que há transferência de recursos públicos às OSC, o estabelecimento das parcerias deve ser precedido por chamamento público. Com isso, ficam garantidos os princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade na seleção das organizações parceiras, bem como a transparência no acesso aos recursos públicos pelas OSC. Outro ponto a ser ressaltado em relação ao MROSC diz respeito à prestação de contas, que agora passa a ser focado nos resultados alcançados pelos projetos e não apenas uma prestação financeira.

“A grande questão agora, depois do esforço e trabalho para conquistar a aprovação da lei, é a sua implementação local. É preciso investir nessa arquitetura para que de fato a lei funcione”, comentou a advogada Laís Figueiredo, que participou da elaboração da lei.

Durante sua fala no ENATS, a advogada apontou diversos obstáculos que precisam ser discutidos e enfrentados. Entre eles está a construção da governança institucional, com a definição de órgãos e estruturas específicas para a operacionalização da lei, assim como a gestão eletrônica de acompanhamento e monitoramento, que pode ser positiva, por um lado, por trazer mais agilidade e transparência, mas pode ser um obstáculo principalmente em pequenos municípios com pouca infraestrutura.

Outro aspecto importante a ser observado é a gestão dos instrumentos, ou seja, o cuidado para que os novos decretos que precisam ser feitos localmente não criem novas exigências para o que já foi acordado no MROSC. Segundo Laís, é preciso também intensificar a capacitação junto as OSCs e governos para o entendimento da lei e garantir o processo constante de participação social.

“É necessário uma ‘mudança de cultura’ tanto na administração pública, para que possa de fato compreender a natureza privada das organizações da sociedade civil, e das Osc em relação ao desafio de transparência pública”, ressaltou.

Laís trouxe como exemplo de um caminho concreto para a implementação do MROSC o caso da cidade de Belo Horizonte (MG). Neste mês, a Procuradoria Geral do Município, responsável pela implementação do MROSC na prefeitura, instituiu o Núcleo de Apoio às Parcerias (NAP), que irá orientar e apoiar todas as instâncias municipais na realização de parcerias com as organizações da sociedade civil, desde o chamamento público até a prestação de contas das relações entre a Prefeitura e essas organizações, incluindo o apoio à capacitação dos servidores, conselheiros de políticas públicas e de direitos, e das organizações parceiras.

A governança institucional do novo modelo deverá ser complementada com a criação do Conselho Municipal de Fomento e Colaboração (CONFOCO – BH), que terá a participação dos órgãos municipais e das organizações da sociedade civil locais. O município já conta também com o Portal das Parceiras, que reúne e disponibiliza as informações necessárias sobre as parcerias aos interessados, e o Sistema de Contratos e Convênios, que foi adaptado para recepcionar as novas parcerias. Para melhor operacionalizar a lei, o decreto de regulamentação já foi publicado e, assim como as minutas padrão e os manuais, será revisto a partir do diálogo entre os gestores públicos e as organizações parcerias.

ISP Transparente

Como os investidores sociais têm olhado para a questão da transparência nas suas relações, tendo em vista que trata-se do uso de recursos privados para fim público? Essa foi uma das discussões trazidas pelo ENATS e que contou com a participação da Fundação Vale, associada ao GIFE, na mesa de debate.

Ives Rocha, analista de Responsabilidade Social na gerência de Parcerias Intersetoriais da Fundação Vale, destacou alguns mecanismos que a organização estabeleceu a fim de criar relações transparentes. “Com a mudança que tivemos na forma de fazer investimento social, deixando de financiar projetos já formatados e apresentados pelas OSC e passando a propor ações em co-autoria, se tornou fundamental criarmos processos transparentes para que os objetivos das ações fizessem sentido para as organizações, para o território e para quem está financiando. Todo esse processo precisa ser pactuado com os envolvidos. Nessa forma de se relacionar, todo mundo sai ganhando”, comentou.

Entre os mecanismos estão a criação de marcos conceituais claros e indicadores, por exemplo. “Uma relação de transparência é também, para nós, a disseminação dos saberes, tanto no sentido da Fundação participar de eventos e se colocar à disposição para discutir com a sociedade sobre as ações realizadas, quanto dos parceiros executores terem autonomia para participar de iniciativas, escrever artigos disseminando os aprendizados”, destacou Ives, apontando outras instâncias de governança e transparência da Fundação, como o Conselho Curador, diretoria e o Conselho Fiscal, assim como auditorias internas e externas.

Ives apresentou ainda o lançamento do Edital Reconhecer, que é uma porta de entrada para o início de uma relação institucional da Fundação com novas organizações. A ideia é fortalecer a atuação destas OSC, apoiando com recursos financeiros de até R$ 30 mil projetos voltados à geração de trabalho e renda, educação e saúde para comunidades localizadas em 29 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Uma das novidades do edital é que, dos 12 projetos selecionados, dois vão ser escolhidos por votação popular. “É mais uma forma de gerar mobilização e trazer visibilidade para as iniciativas da própria comunidade”, ressaltou Ives. As inscrições estão abertas e podem ser feitas até o dia 1 de julho pelo site.

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