Os caminhos para a recuperação verde e o enfrentamento à emergência climática

Por: GIFE| GIFEnaCOP| 25/10/2021
Respostas à emergência climática vão além de ações individuais e dependem de investimentos e compromisso coletivo

Franco da Rocha 23 08 2021- Parque Estadual do Juquery em Franco da Rocha São Paulo com destruiçãode 70 % depois de incendio provocado por balão foto Prefeitura de Franco da Rocha

Mesmo em momentos em que a pandemia ainda não dava sinais de desaceleração, já se debatia a importância de uma recuperação verde. Isto é, que a promoção de um mundo mais igualitário e com garantia de direitos também considere a conservação do planeta diante dos desafios envolvendo os ecossistemas, recursos naturais, a biodiversidade e a ação do homem.

Em poucos dias, inúmeros líderes mundiais darão um passo nessa direção ao se reunirem em Glasgow, na Escócia, para a COP 26, que discutirá as medidas mais urgentes para combater a crise climática que o mundo está enfrentando.

Imprescindível salientar, entretanto, que além da redução das emissões de gases potencializadores pelo efeito estufa – fenômeno natural que, em excesso, promove o aquecimento global -, existe uma multiplicidade de ações que devem ser tomadas por diversos setores da sociedade com o objetivo comum de propor soluções para as questões impostas pela agenda climática. 

Protagonismo das reduções e conscientização

Para Tatiana Motta, uma das secretárias executivas e responsável pela articulação internacional da ONG Corredor Ecológico do Vale do Paraíba, apesar de outras ações relevantes, a redução do índice de dióxido de carbono, o CO2, na atmosfera é, sem dúvida, a mais importante para evitar o aquecimento global, uma vez que é a alta concentração deste gás a principal responsável por intensificar o efeito estufa. 

Para que isso seja possível, a especialista explica que uma medida fundamental é promover a conscientização sobre o tema, reforçando que a liberação de CO2 na atmosfera não acontece somente com a queima de combustíveis fósseis. Portanto, medidas diretamente relacionadas à mobilidade urbana, por exemplo, como uso de veículos elétricos, ampliação e aprimoramento do transporte público, incentivo a caronas e bicicletas, são importantes, mas não as únicas.

“Acredito que o maior desafio está na comunicação, na sensibilização, na compreensão das pessoas sobre quais atitudes impactam diretamente nas emissões diárias de CO2. A redução do lixo é uma das ações fundamentais, pois sua decomposição libera CO2 e metano na atmosfera. Outra atitude importante consiste em consumir produtos locais, já que esses percorrem distâncias mais curtas até chegar ao consumidor, evitando transportes longos de caminhões, que emitem muito CO2”, expõe. 

A especialista também aponta outras medidas, como uma reflexão sobre a arquitetura de modo a evitar o uso de ar condicionado. “Já paramos para pensar que, enquanto está resfriando o ambiente interno, esse aparelho está liberando gases mais potentes que o CO2, que, consequentemente, estão aquecendo o meio externo? Pensar em soluções arquitetônicas para evitar a instalação de ar condicionado também representa uma medida incrível contra o aquecimento global.”

Adaptação às mudanças climáticas

A adaptação às mudanças climáticas é outro ponto-chave, já que, mesmo com ações radicais de enfrentamento, o fenômeno continuará produzindo graves consequências.

Cheia histórica do Rio Negro (AM).                Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

“Eventos climáticos extremos são cada vez mais intensos e frequentes e é preciso se preparar para isso. Ou seja, mapear as vulnerabilidades, conhecer bem os riscos e traçar estratégias de adaptação, que envolvem, por exemplo, soluções baseadas na natureza, que partem do princípio de que quanto mais equilibrado estiver o ecossistema, menos impacto das mudanças climáticas a região ou comunidade vai sofrer”, explica André Ferretti, gerente sênior de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).

Exemplos dos eventos citados por André podem ser vistos com mais frequência nos noticiários brasileiros, que relatam tornados, enchentes, secas e tempestades de poeira.

“Muitas regiões estão sofrendo com problemas de inundações em períodos de tempestades mais intensas e concentradas. Há décadas, [as enchentes] eram menos frequentes. Hoje, temos a ocorrência de grandes tempestades em um intervalo menor do que na época em que os sistemas de drenagem foram planejados, o que faz com que esses sistemas não consigam lidar com tanta água em curtos períodos de tempo”, exemplifica.

O excesso de chuvas também promove outras consequências, como deslizamentos de encostas, que podem impactar estradas e moradias, . No outro extremo, a falta de chuvas, cenário vigente em São Paulo, também promove efeitos em diferentes frentes. Regiões que vivem estiagens sofrem com o fornecimento de água e de energia – já que grande parte da oferta no país depende de usinas hidrelétricas – , e com a perda de produção agropecuária.

“Esses são exemplos de problemas que temos enfrentado e tendemos a sofrer mais com o tempo, por isso são necessários investimentos elevados e em curto prazo, que, muitas vezes, vão demandar apoio da filantropia ou investimentos do setor público, visando melhorar a qualidade de vida no longo prazo e diminuir os riscos aos quais a população está exposta”, completa André.

Pandemia e biodiversidade

Alguns estudos apontam que existe uma relação estreita entre a perda de biodiversidade e o surgimento de doenças com ampla disseminação, como é o caso da Covid-19. A expansão urbana, com o desmatamento de áreas naturais, tem o potencial de expor o ser humano a patógenos com os quais não tinha contato antes.

Segundo André, isso acontece devido ao desequilíbrio dos ecossistemas, que traz consigo maior risco de surgimento e disseminação de pragas e doenças, uma vez que o equilíbrio entre esses microrganismos e seus vetores é afetado.

“Com a diminuição do equilíbrio dos ecossistemas associado às mudanças climáticas e maior proximidade com o ser humano, há uma maior probabilidade de que essas doenças e patógenos ocupem áreas que antes não ocupavam, como tem acontecido com algumas doenças tropicais, que têm ampliado sua área de ocorrência porque a temperatura está aquecendo em todo o planeta”, explica André, citando casos de dengue, febre amarela e malária.

O consumo de animais silvestres também pode representar um risco por colocar o ser humano em contato com carne e ovos, o que pode aproximá-lo de doenças antes restritas aos animais, risco ainda maior quando o consumo se dá a partir de alimentos sem o cozimento adequado.

O que o ISP pode fazer 

Se muitas ações de combate ao aquecimento global e às mudanças climáticas estão ao alcance diário de cada cidadão, muitas outras demandam maior volume de investimentos.

André reforça que existem muitas oportunidades de negócios que, além de serem considerados atividades sustentáveis e geradoras de empregos, trarão lucro. É o caso da geração de fontes de energias renováveis, como eólica, solar e de biomassa.

“Também existem outras necessidades de investimento que, muitas vezes, vão depender da filantropia, que não vão se pagar, mas vão ajudar a mudar a realidade que vivemos hoje de um cenário dramático de mudança climática, além de poupar muitos investimentos futuros em remediações a problemas que já começaram a acontecer e tendem a se intensificar. Devemos aproveitar oportunidades de negócios e de geração de empregos sustentáveis, mas também precisamos investir sem esse horizonte de lucro – pelo menos no curto e no médio prazo – em questões fundamentais como adaptação”, defende.

Mudanças climáticas é um dos oito temas da série O que o Investimento Social Privado Pode Fazer Por…?. O guia aponta sete caminhos possíveis para a atuação do ISP na pauta: incorporação do tema de forma transversal nas áreas de atuação da organização, fomento a iniciativas inovadoras voltadas a questões climáticas, desenvolvimento e implementação de ferramentas financeiras, fomento a modelos sustentáveis de negócio, produção e disseminação de conhecimento, mobilização para a causa climática e advocacy para questões climáticas. 

Além desses, Tatiana e André listam outros exemplos de iniciativas que podem ser desenvolvidas por institutos, fundações e empresas: 

  • ações de reflorestamento, como o plantio de árvores, para neutralizar o carbono;
  • processos de reciclagem e aproveitamento de materiais;
  • incentivo ao sistema híbrido de trabalho (presencial e remoto);
  • promoção de ações e atitudes de vanguarda, que vão além do que é estabelecido por lei, já que a legislação não acompanha a velocidade da degradação ambiental;
  • parcerias com outros setores, como segurança alimentar, segurança hídrica, saúde, qualidade de vida em ambientes urbanos;
  • promoção de atividades agropecuárias mais sustentáveis sem a necessidade de expansão agrícola com maior uso de tecnologias;
  • financiamento de agricultores e pecuaristas;
  • restauração de áreas degradadas;
  • aumento de áreas verdes em ambientes urbanos e do uso de soluções baseadas na natureza para ajudar o equilíbrio dos ecossistemas;
  • investimentos em conscientização para reforçar a importância de ecossistemas equilibrados;
  • combate a atividades ilegais.

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