Pesquisa mapeia iniciativas políticas inovadoras de periferias

Por: GIFE| Notícias| 03/09/2018

Como forma de dar visibilidade a iniciativas políticas inovadoras criadas em periferias de grandes cidades brasileiras, o Instituto Update, organização que estuda e fomenta práticas de inovação política na América Latina, com apoio da Fundação Tide Setubal e Fundação Ford, lançou na última terça-feira (28), a pesquisa “Emergência Política Periferias”.

Inicialmente, o levantamento mapeou quatrocentas iniciativas realizadas por organizações da sociedade civil, coletivos informais e indivíduos, todas nascidas em periferias de cinco capitais brasileiras: Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Dessas, foram selecionadas cem para entrevistas em profundidade, que ilustram mais de cem páginas da pesquisa. Para entender a dimensão desse mapeamento, foram 45 dias de viagens, sete mil minutos de áudio gravado nas 130 entrevistas e mais de cem minutos de vídeo, o que rendeu 2.500 páginas transcritas.

Elaborado com o objetivo de dar visibilidade às novas práticas, o material também contribui para dar voz a cidadãos que usam seus contextos sociais para criar soluções aos desafios enfrentados nos territórios dentro dos temas Mídia Independente e Alternativa, Participação Política, Redes de Colaboração, Movimentos Sociais e Culturais, Meio Ambiente e Empreendedorismo Social. Com essa divulgação, pretende-se aproximar realidades diferentes, reduzir as desigualdades que são diariamente explicitadas nessas e em outras regiões metropolitanas, além de aprofundar a democracia.

Para entender como surgiu a ideia de fazer um levantamento sobre inovações políticas nas periferias, é necessário saber que, no ano passado, o Instituto Update realizou uma pesquisa intitulada ‘Emergência Política na América Latina’, que posteriormente foi transformada em uma série de televisão em parceria com a GloboNews e a produtora Maria Farinha Filmes.

Beatriz Pedreira, cofundadora e diretora do núcleo de inteligência do Instituto Update, explica que esse novo recorte, com foco nas produções periféricas, surgiu a partir de uma provocação de Neca Setubal. “A Neca é uma apoiadora do Instituto Update desde o começo. Depois da primeira temporada da série na GloboNews, ela trouxe uma provocação de que precisávamos ampliar o olhar e abordar também as periferias. Mas, para fazer uma série olhando para esses territórios, nós precisaríamos fazer uma pesquisa, o que já era um sonho e objetivo do Update, pois sabíamos dessa falta na nossa primeira pesquisa.”

Fernanda Nobre, coordenadora de comunicação da Fundação Tide Setubal, explica que o apoio da Fundação foi pensado considerando sua atuação em territórios, que sempre chega com a perspectiva de escutar as demandas locais e não impor soluções elaboradas por pessoas de fora desse contexto. Essa estratégia está diretamente relacionada a uma das novas missões da Fundação, de investir no fortalecimento de ações que já são desenvolvidas por moradores desses espaços.

“Existe uma forma hegemônica de narrar esses territórios pela perspectiva da ausência, de tudo o que eles não têm. Nós vemos isso na mídia. A pauta que carrega a periferia sempre puxa para o aspecto negativo e a pesquisa surge justamente na contramão disso, para mostrar que com a ausência de alguns direitos básicos que o Estado não garante às periferias, esses territórios se renovam, se inovam e criam soluções a partir dessas demandas que eles próprios têm.”

Beatriz, por sua vez, explica que depois da pesquisa na América Latina, o Instituto Update teve a clareza de que inovação política não está restrita apenas a um local. Ao contrário, ela acontece em todos os lugares da sociedade. Para definir essas inovações, o Instituto segue um parâmetro de analisar se elas têm como proposta a redução de desigualdades, com o objetivo de aprofundar a democracia a partir da imaginação de uma nova política. Tudo isso em um movimento de aproximar realidades distintas. “Olhar para os vários tipo de inovação política e para os diversos territórios de onde elas surgem é essencial para entender essa complexidade.”

Mídia e periferia

A mídia é uma importante ferramenta na disseminação da pesquisa. Com a circulação desse material, é possível dar maior visibilidade às produções periféricas, mas também chamar a atenção da sociedade civil para a forma como essas e seus produtores são tratados pela imprensa.

Logo na introdução, um trecho da pesquisa defende que “periferias são territórios legítimos da cidade” e traz o questionamento “favelas, aglomerados, quebradas: margem para quem?, à margem do quê?”, no sentido de mostrar que o tratamento dado a esses territórios é guiado, historicamente, por uma visão que privilegia o centro da cidade e a população que nele vive.

Segundo trecho da pesquisa, deve-se falar sobre a mobilização de seres políticos ‘a partir’ das periferias e não ‘da’ periferia. “Isso porque estamos falando dessa inovação política que não está necessariamente na periferia, mas que parte dela. É trazer um sujeito que está formulando políticas públicas para o país a partir do seu território”, explica Beatriz.

Já Fernanda explica que a pesquisa serviu de base para o desenvolvimento da segunda temporada da série de televisão em parceria com a GloboNews, lançada no dia 1º de setembro. Em 2017, a primeira temporada, denominada “Política: Modo de Usar”, também foi baseada em uma pesquisa do Instituto Update: “Emergência Política na América Latina”. Nesse ano, “Política: Modo de Fazer” foi produzida pela Maria Farinha Filmes e pela GloboNews, além do Instituto, e tem quatro episódios que contam as novas práticas políticas de territórios periféricos.

“Ao inserir essa narrativa na GloboNews, que tem audiência de um público não-periférico, o debate está sendo levado para novos meios, furando um pouco essa bolha. É um movimento de levar uma narrativa potente e provocativa sobre essa construção positiva para um público que não recebe essas informações dessa maneira. O fato de a GloboNews abrir esse espaço para mostrar a periferia de uma outra forma também é muito interessante.”

Vale ressaltar também a importância de tratar sempre a periferia no plural, uma vez que diferentes espaços têm diferentes costumes, culturas e regras sociais que não devem ser diminuídas e colocadas em uma mesma identidade coletiva. “A pesquisa foi um caminho tanto de ver a diversidade das ações como a diversidade dos territórios. A periferia de Belo Horizonte é diferente da periferia do Rio, que é diferente da periferia de São Paulo. Então, acredito que foi uma leitura dessas periferias no Brasil”, defende Fernanda.

Formação de sujeitos políticos

Outro ponto levantado pela pesquisa e que merece destaque é o processo de formação dos sujeitos políticos nas periferias. Isso pode acontecer de formas diversas: pela participação em ONGs, por lideranças da igreja, pela escola ou pela influência pontual de alguma pessoa. Chamadas de ‘mentores’, essas pessoas inspiram e engajam para a formação cidadã e participação política. “O Tony Marlon, um dos pesquisadores, fala que é cria de uma ONG”, exemplifica Fernanda.

Já Beatriz cita a importância de levar a pesquisa para outros públicos, já que uma das estratégias do Instituto Update é usar o material como ferramenta de transformação. No dia 29 de agosto, a equipe apresentou alguns dados do levantamento para uma turma de adolescentes do CEU (Centro Educacional Unificado) Perus.

“É importante levar informações para esses jovens e falar: ‘Cara, o seu território produz soluções para o país’. A periferia é a cidade e ela está e sempre esteve desenvolvendo soluções para os problemas públicos. Isso gera um pertencimento. Dar visibilidade às iniciativas mostra a importância delas, o que inspira e vira referência. Referências são fundamentais porque só com conhecimento as pessoas podem se engajar”, ressalta.

Evento de lançamento

A Galeria Olido foi palco do lançamento da pesquisa no dia 28 de agosto, que ficou a cargo dos pesquisadores Jéssica Cerqueira, Monique Evelle, Hércules Laino, Tony Marlon e Well Amorim.

Em seguida, foi realizada uma edição especial do Vozes Urbanas, projeto criado pela Fundação Tide Setubal que incentiva e organiza espaços de debates sobre desigualdades socioespaciais. Com o tema “Inovação política nas quebradas, favelas, vielas, aglomerados e territórios periféricos brasileiros”, o bate-papo contou com a participação de cinco personagens que estão na série “Política: Modo de fazer”.

“Falamos bastante sobre estar na GloboNews e como isso está colocando outra narrativa nesse veículo. Além disso, um ponto que uma das personagens destacou que acredito ter um peso muito importante foi o fato de se sentir respeitada como personagem. Ela falou: ‘muitas vezes, as pessoas vão para a periferia, escutam a gente, mas nós não sabemos o que vira tudo aquilo que falamos, não sabemos para onde vai. Essa é a primeira pesquisa que acompanho desde a hora que fui entrevistada, na minha casa, no meu lugar de afeto’.”


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