Nova pesquisa traz dados inéditos sobre o perfil das Organizações da Sociedade Civil (OSC) do Brasil

Por: GIFE| Notícias| 16/04/2018

As organizações da sociedade civil (OSCs) já são mais de 820 mil no Brasil, estão principalmente localizadas na região Sudeste e atuam, principalmente, na causa de defesa de interesses. Os dados inéditos são apenas alguns que retratam o universo das OSC no país e fazem parte do novo estudo lançado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em abril.

A publicação “Perfil das Organizações da Sociedade Civil do Brasil” é resultado do trabalho conjunto entre a equipe responsável pela iniciativa do Mapa das OSCs e um grupo de discussão de pesquisadores e especialistas no tema de universidades públicas, institutos de pesquisa e OSCs articuladoras, como o GIFE, que auxiliaram na formatação e no desenvolvimento da pesquisa pelo IPEA.

O estudo reúne informações de diversas ordens (econômicas, sociais, geográficas, organizacionais e outras) que podem servir para que o setor público e privado identifique padrões observados entre as OSCs, as principais finalidades de atuação, a lógica da destinação de recursos públicos federais e outras características que ajudam a qualificar decisões.

“Sabemos que as OSCs têm atuação decisiva nas discussões da esfera pública e na execução de ações de interesse público, mas não temos ainda dados sistemáticos que possibilitem compreender melhor o setor, em diferentes aspectos. Com informações detalhadas sobre as OSCs, os gestores públicos, por exemplo, terão mais facilidade para definir políticas em parceria com as organizações. É extremamente relevante para a gestão municipal, por exemplo, saber a disponibilidade de organizações, por finalidades, no território”, ressalta Félix Garcia Lopez, coordenador do Mapa das OSCs e técnico de planejamento e pesquisa do IPEA.

E completa: “Além das ações de gestão, os dados fornecem subsídios que vão contribuir para fomentar novas pesquisas que estudem mais a fundo o papel das OSCs e suas atividades. Há diversas questões que são imediatamente relevantes: por exemplo, quais os ganhos ou perdas que a gestão têm ao implementar políticas por meio de OSCs ou por meio da burocracia pública. Não há prognóstico sem bons diagnósticos, e estes carecem de boas bases de dados”.

Aline Vioto, coordenadora de advocacy do GIFE, ressalta a importância de pesquisas como estas para o fortalecimento do próprio setor, pois destacam o papel das OSC na sociedade brasileira, quais as possibilidades de atuação, onde atua, em que é preciso avançar etc.

Para o GIFE, estas informações irão colaborar também com os estudos que estão sendo elaborados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no âmbito do Projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil, realizado pelo GIFE e pela Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da FGV Direito São Paulo, em parceira com o IPEA e com apoio da União Europeia, Fundação Lemann, Instituto Arapyaú e Instituto C&A.

“A pesquisa tem uma contribuição dupla porque além de atualizar informações sobre o perfil das OSC e ampliar os dados sobre o setor, por meio do Mapa, que é uma plataforma georreferenciada acessível, amplia muito as possibilidades de utilização e análise dos dados”, comenta também Aline Gonçalves de Souza, pesquisadora da FGV.

A pesquisa

No total, a publicação conta com 12 capítulos, que detalham desde a metodologia empregada na reunião dos dados até análises tabelas e gráficos informativos e perspectivas da área.

A primeira novidade é que foram mapeadas até 2016 820 mil OSC. Pesquisas anteriores, como a FASFIL (Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil – realizada pelo IBGE em 2010), por exemplo, falam em algo como 300 mil organizações no país. Félix explica que a diferença não decorre do crescimento tão expressivo do número de OSCs em tão pouco tempo, mas da fonte dos dados. Além dos dados normalmente utilizados da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho (RAIS-MTE), foram também incorporadas informações do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) da Secretaria da Receita Federal,  que possibilitam captar informações que talvez estejam subdeclaradas nas bases usualmente utilizadas.

“Um dos aspectos que identificamos é que as OSCs são massivamente formadas por organizações sem vínculos de trabalho formal, que em parte o voluntariado deve substituir. Isso reduz a centralidade das OSCs em pesquisas de âmbito nacional cuja porta de entrada se dá por vínculos de trabalho, e talvez tenha implicações na própria RAIS. Boa parte das pesquisas nacionais sobre organizações do país são mais sensíveis a informações daquelas que possuem vínculos de trabalho e em grande medida, se voltam a compreender ou empresas do setor público ou com fins lucrativos. A exceção é a pesquisa FASFIL, embora também baseada sobretudo na RAIS, mas que não é periódica”, argumenta o coordenador do Mapa, lembrando que deve-se considerar também que em boa parte das finalidades de atuação, o endereço formal não corresponde ao raio de atuação da organização, embora esse seja o caso da maior parte delas.

Em relação à distribuição geográfica, a pesquisa identificou que a disposição das OSCs pelo país acompanha, em geral, o arranjo da população. A região Sudeste abriga 40% das organizações, seguida por Nordeste (25%), Sul (19%), Centro-Oeste (8%) e a região Norte (8%). Com relação à localização das entidades nas cidades, diferentemente do esperado, não há concentração de OSCs nas capitais, que abrigam 24% da população brasileira e 22,5% das OSCs do país. Todos os 5.570 municípios do país possuem, pelo menos, uma organização.

“Quando se fala de concentração regional, é preciso uma análise mais precisa e detalhada tanto sobre a finalidade de atuação e também sobre o território, dentro de cada UF. Por exemplo, dizer que há muitas OSCs no Rio de Janeiro, que é um estado comparativamente rico, nada diz sobre se o foco é ou não em populações vulneráveis, que existem muito por esse estado. Daí ser relevante que consigamos identificar cada vez mais quais os microterritórios e os beneficiários das ações das OSCS, indo além das grandes regiões ou UFs. Nesse sentido, vale lembrar que em breve o Mapa das OSCs vai possibilitar consultas personalizadas mais flexíveis que as atuais, no nível dos municípios”, ressalta Félix.

Outro ponto levantado pelo estudo é área de atuação das OSC. O que se considera “desenvolvimento e defesa de direitos e interesses” e “religião” são as principais finalidades das organizações, representando seis em cada dez organizações em atividade. As 339.104 organizações ligadas à defesa de direitos e interesses representam 41.3% do total e estão distribuídas da seguinte forma, de acordo com a região: Nordeste (108.337); Sudeste (104.526); Sul (71.424); Norte (31.950); e Centro-Oeste (22.867). Já as 208.325 mil OSCs com finalidades religiosas são 25,4% do total e estão localizadas, segundo a região, assim: Sudeste (112.713); Nordeste (35.025); Sul (27.677); Centro-Oeste (19.353); e Norte (13.557).

As classificações acima seguiram as finalidades de atuação definidas na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0). Os 40% de OSCs nesta finalidade de destaque “desenvolvimento e defesa de direitos e interesses” decorre da classificação que as próprias organizações indicam na ficha cadastral de seus registros de CNPJ. Em grande medida, essa reflete também a inexistência de alternativas mais específicas para que as OSCs se autodefinam, e não uma concentração de fato, já que essa finalidade inclui atividades bastante amplas e diversas. Para compreender de fato o que as OSCs fazem, será preciso uma desagregação maior de dados.

“Uma forma alternativa de ler os dados é verificar que as OSCs definidas como ‘defesa de direitos de grupos e minorias’ corresponde a 1400 organizações, 0,2% do universo. O número é bem menor que a força discursiva ou imagética que esse grupo de OSCs produz na esfera pública; OSCs envolvem muitas outras atividades que usualmente não estão associadas à imagem dominante que a população faz delas. Adicionalmente, vemos que um número crescente de OSCs atua em mais de uma finalidade e os dados da publicação explicitamente indicam isso na própria classificação que se criou para subtipos da finalidade defesa de direitos e interesses”, pondera Félix.

Mercado de trabalho e OSC

Entre os pontos mais relevantes do estudo, segundo os especialistas, é o fato das OSCs serem massivamente microorganização, sem vínculos formais de trabalho: 83% não apresentam vínculos formais de emprego; outros 7% delas têm até dois vínculos de trabalho, totalizando 90% de OSCs que possuem até dois vínculos. De acordo com dados da RAIS/TEM, em 2015, havia quase três milhões de pessoas com vínculos de emprego nas organizações espalhadas pelo pais.

Cerca de 60% das pessoas ocupadas em OSCs residiam na região Sudeste e mais de 50% das organizações com vínculos de emprego também. Somente o Estado de São Paulo possui quase um terço das OSCs com vínculos de trabalho e mais de 35% das pessoas empregadas nas entidades. As organizações de Saúde e Educação são as que mais empregam – apesar de corresponderem a menos de 10% do universo de OSCs na RAIS (3% e 7%, respectivamente), respondiam por 40% do total de pessoas ocupadas, em 2015.

Há na publicação uma análise inédita sobre as ocupações e características dos ocupados formais em OSCs. Identificou-se, assim, que em 2015, 66% dos funcionários não tinham nível superior completo; 49% detinham o nível médio completo; e 13% possuíam o nível fundamental. As mulheres predominam entre as pessoas empregadas em OSCs: representam 65% (no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina encontram-se a maior proporção de mulheres ocupadas e no Amazonas, a menor) e recebem, em média, 85% do salário de homens. Com relação ao critério de raça, 63% das pessoas ocupadas nas entidades são brancas e 37% de negras (nas regiões Norte e Nordeste, há predominância de negros: 75% e 70%, respectivamente). A contratação de pessoas com deficiência varia de modo significativo em OSCs de diferentes finalidades e entre grupos de uma mesma finalidade – o percentual de contração atinge seu máximo na categoria ‘defesa de direitos e interesses – múltiplas áreas’ e seu mínimo em ‘associações de produtores rurais’.

“Percebemos que o mercado de trabalho das OSCs apresenta desigualdades similares ao do mercado de trabalho nacional”, comenta o coordenador do Mapa.

Já em relação à remuneração média para o universo dos trabalhadores assalariados em OSCs, verificou-se que era de R$ 2.869, equivalentes à 3,2 salários mínimos. O valor é maior nas organizações cuja finalidade de atuação é a Saúde (3,8 SMs), Associações Patronais e Profissionais (3,7 SMs) e Educação e Pesquisa (3,7 SMs) – e menor em organizações da finalidade Assistência Social (1,9 SMs). A remuneração média dos ocupados na região Sul e Sudeste (respectivamente R$ 2.798 e R$ 2.881) são superiores às demais.

Por fim, o estudo traz ainda análises sobre as parcerias financeiras com o governo federal. Entre 2010 e 2017 foram transferidos da União para as OSCs o total de R$ 75 bilhões. Saúde e Educação receberam quase 50% deste valor. A distribuição dos recursos federais, por região, é mais concentrada que a localização territorial das OSCs. Vale lembrar que a área de atuação das OSCs não está restrita à localização da sede das organizações.

Entretanto, quando considerada a região onde estão localizadas as sedes das OSCs, os dados demonstram grandes diferenças regionais. A região Sudeste, por exemplo, é indicada como sede de 42% das OSCs, e recebeu 61% do total de recursos federais transferidos. Concentração ainda mais alta ocorreu no interior da região Centro-Oeste: as OSCs com sede no Distrito Federal receberam 83% de todos os recursos destinados à região, apesar de abrigar apenas 22% das organizações.

“Neste campo, a publicação também ajudará a desfazer imagens consolidadas sobre as OSCs. A principal delas é que elas vivem à base de recursos públicos. Em 2016, por exemplo, foram 7 mil que receberam alguma transferência voluntária direta federal. Estamos falando de um universo de 820 mil. Mas, claro, será preciso compreender melhor o que se passa nos governos subnacionais, onde a cooperação é mais intensa que no nível federal”, ressalta Félix.

A expectativa do IPEA é que, depois do lançamento do estudo, pesquisadores se interessem em aprofundar a análise dos dados, ajudando a produzir novos conhecimentos sobre o tema da atuação das OSCs no país. O material completo do estudo estará disponível a partir do dia 19, no site do Mapa, tanto o texto completo para baixar em PDF, como gráficos e tabelas.


Apoio institucional