Qual é a importância da conexão entre investimento social privado e gestão pública?

Por: GIFE| Notícias| 25/05/2020

De acordo com dados do Censo GIFE 2018, o segundo principal tipo de parceiro de investidores sociais são organizações do poder público. 45% dos institutos, fundações e empresas afirmam trabalhar em parceria com a esfera municipal, enquanto 29% atua junto com o poder público estadual e 23% com o governo federal. Em um movimento de agregar em um grupo maior as organizações empenhadas nas Redes Temáticas de Gestão de Pessoas no Setor Público e Políticas Públicas, o GIFE acaba de criar a Rede Temática de Gestão e Políticas Públicas.

Para Glaucia Macedo, gerente de gestão pública do Instituto Humanize, um passo importante na articulação entre esses dois atores é o investimento social privado se enxergar como par da gestão pública e realizar um processo de reflexão sobre os pontos onde sua atuação pode fazer maior diferença. 

“No caso de uma política pública que precisa de um teste, por exemplo, o ISP pode desenvolver esse piloto, uma vez que o recurso público é sempre correlacionado a uma macroestratégia. Ou é possível pensar novas agendas para discussão, de forma que, depois de terem sido abordadas pelo setor público, estejam mais maduras e com mais condições de avançar. Existem diferentes exemplos de como essa conexão é positiva e o ISP poder assumir riscos que o setor público não pode é um deles.” 

Rafael Gioielli, gerente geral do Instituto Votorantim, afirma que à medida que o ISP lida com temas públicos com recursos privados, a interface com políticas públicas e com a gestão pública, responsável por impulsionar temas como educação, saúde, bem-estar social, direitos de crianças e adolescentes e outras agendas, é fundamental. “Não existe uma estratégia de investimento social privado que não possa dialogar com políticas públicas. Isso seria praticamente impossível e entendo que, na medida em que se fortalece o vínculo com a máquina que opera e que é garantidora de direitos no Brasil, que é o Estado, ganhamos muito em eficiência e qualidade.” 

Interlocução com setor público é maioria 

Apesar de a interlocução com o setor público ser maioria entre as organizações respondentes do Censo GIFE, em uma rápida comparação entre os resultados da pesquisa em 2016 e em 2018, subiu de 14% para 20% a parcela de organizações que não adota estratégias de aproximação com políticas públicas. 

Morosidade da gestão pública (32%), descontinuidade de ações, projetos e programas devido a mudanças políticas (30%) e excesso de burocracia na execução de projetos/programas (21%) são os fatores apontados como principais dificuldades para a aproximação dos investidores sociais com as políticas públicas. 

Para Glaucia, mudanças no setor público, com as quais o investimento social privado pode colaborar, devem ser realizadas a partir de um olhar e escuta generosos. “Acredito que o segredo é um bom ‘matching’ entre o ISP e o tema, o local onde a ação será realizada e o gestor. Se o investimento social privado for capaz de escolher bem o seu parceiro público, muitas ações realizadas em parceria são positivas.” 

Segundo a gerente, quanto o assunto é descontinuidade de políticas, faz-se necessária interpretação dos tempos do setor público e do setor privado, particularmente do ISP, que são diferentes. 

“É importante que qualquer ação a ser desenhada e estruturada leve em consideração os ciclos de quatro anos da política. Quanto melhor for o projeto e mais resultados reais apresentar, menos chance de sofrer com as instabilidades do setor público. Mas também é preciso reforçar que o ISP tem seu próprio tempo, que não necessariamente atende ao setor público. Em algumas situações, sabemos que o governo precisa de uma celeridade, mas alguns investimentos sociais privados dependem de uma tramitação e burocracia própria. Enquanto algumas organizações são mais ágeis para fazer e efetivar o investimento, outras são menos.”  

Estratégias 

Entre 2016 e 2018, os investidores sociais passaram a fazer mais uso de algumas estratégias de alinhamento com políticas públicas. É o caso do desenvolvimento de métodos e tecnologias sociais para serem incorporados às políticas públicas, que subiu de 41% em 2016 para 43% em 2018; produção de conhecimento para auxiliar a elaboração de políticas ou a gestão pública, de 31% para 38%; e articulação e mobilização de atores para elaborar, executar e monitorar políticas públicas, de 25% para 31%. 

Para Rafael, a atuação do ISP em diálogo com a gestão pública fica mais clara em três linhas específicas: desenvolvimento de tecnologias e inovação, como mencionou o Censo, para depois serem implementadas na gestão pública; fornecer informações e conteúdos aos tomadores de decisões no âmbito público; e fortalecer, em parceria com a gestão pública, a implementação de políticas públicas, com atuação nos gargalos de operação. 

Glaucia vai pelo mesmo caminho ao afirmar que apesar de os arranjos entre ISP e setor público contarem com inúmeras possibilidades, a contribuição e conexão é mais efetiva quando as características do investimento social e dos filantropos conecta-se aos objetivos do governo. “Acredito que é essa sinergia que deve ser explorada: em que áreas o governo precisa e que o ISP pode ajudar. É uma boa conexão entre interesse, DNA do ISP e real demanda do governo.” 

Rede Temática como qualificadora da interlocução entre ISP e setor público  

As Redes Temáticas (RT) do GIFE são criadas com o objetivo de gerar interesse e fomentar a discussão em torno de uma temática específica e, a partir disso, criar um espaço de discussão recorrente sobre o assunto. 

A nova RT de Gestão e Políticas Públicas tem como objetivo reunir institutos e fundações que praticam e valorizam o trabalho e discussão dos temas relacionados à cooperação com o setor público. Futuros encontros e debates serão realizados no âmbito de dois eixos referentes ao engajamento do investimento social privado na gestão e políticas públicas: 1. Promoção dos temas da agenda pública relacionados à gestão pública e assuntos correlatos e subsequentes e 2. Práticas e arranjos de cooperação institucionais com o setor público. 

Como é de costume das redes temáticas, foram eleitos os coordenadores da rede. Neste caso, Glaucia Macedo, do Instituto Humanize e Rafael Gioielli, do Instituto Votorantim, além de membros do Instituto Arapyaú, Fundação Lemann e Fundação Vale. 

Rafael e Glaucia concordam que a RT não é uma iniciativa criada especificamente para conscientizar os 20% dos respondentes do Censo que afirmam não investir em estratégias de interlocução com o setor público, mas sim qualificar a prática de quem já o faz.

“A RT pode até ajudar nisso, mas mais do que converter esses 20%, o nosso objetivo é que esses 80% tenham a melhor conduta possível na relação com a gestão pública, trazendo mais retorno para a sociedade com essa integração”, afirma Rafael. 

Glaucia, por sua vez, reforça a possibilidade de maior alinhamento e leitura de novas possibilidades no âmbito da RT pelas organizações que já trabalham com o setor público. “Vejo a rede temática como um lugar de agregação de informação de qualidade e de experiências de sucesso. Podemos usar esse espaço para difundir boas práticas sobre como promover essa interface com mais qualidade.” 

Além disso, a gerente pontua que as futuras reuniões do grupo podem servir como fonte de conhecimentos e inspiração para novas atuações, de quem já trabalha ou não com o tema. “Quanto mais uma organização que vai entrar em uma nova frente de trabalho tiver contato com outras que já estão atuando, menos erros cometerá. Em um espaço como esse, posso usar a interação da rede para testar a ideia e perguntar se alguém já fez algo parecido, se deu certo, pedir indicação de contatos e estratégias. Essa troca de informações vai ser bastante útil para que as organizações errem menos porque podem contar com os acertos e aprendizados das outras.” 

Para Rafael, o fato de a rede trabalhar um tema específico e relevante para o dia a dia do investimento social privado trará ganhos importantes para os dois lados. “Existe, talvez, um preconceito, distanciamento ou baixo preparo de algumas instituições do ISP para lidar com a complexidade da gestão pública. Então, qualquer ganho de qualidade nessa interação só tem a dinamizar o campo.” 


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