Quem acelera as aceleradoras?

Por: Instituto Sabin| Notícias| 07/08/2017

Fábio Deboni[1]

 

Meu objetivo com este texto é refletir sobre o papel e relevância das aceleradoras de impacto (e de outros intermediários do campo de finanças sociais) e a necessidade de que institutos e fundações reforcem energia e recursos no relacionamento e na parceria com estas organizações.

 

Muito se discute sobre a necessidade de que cada vez mais institutos e fundações passem a atuar no fomento ao campo emergente de finanças sociais e negócios de impacto. Já abordamos este tema em outras ocasiões[2] e há uma boa disponibilidade de artigos recentes sobre o assunto, seja na perspectiva mais otimista[3], seja mais crítica[4]. Olhando para a área de inovação “convencional”[5], nota-se o crescimento de iniciativas ao estilo “Lab”, com chamadas para startups que tenham soluções para desafios de organizações. Algumas empresas têm criado, inclusive, suas próprias aceleradoras para esta empreitada[6], enquanto que outras têm feito programas de aceleração em parceria com aceleradoras já existentes[7].

Como se nota, seja no formato in company seja em aliança com alguma aceleradora do mercado, é inquestionável o papel e a relevância das aceleradoras e incubadoras neste campo. No campo social (ou de impacto, como queiram) isso é ainda mais premente, pois o tema do investimento de impacto é bastante recente no mundo e no Brasil. As fronteiras entre uma startup “convencional” e um negócio de impacto ainda são, muitas vezes, tênues e difusas, e as poucas aceleradoras “de impacto” existentes têm sido muito criativas para manter suas operações, equipes e pipelines ativos e em crescimento, enquanto que algumas aceleradoras e incubadoras ditas “convencionais” estão começando a perceber a dimensão do impacto (socioambiental) em suas atividades.

 

Se todos procuram as melhores startups ou negócios de impacto com soluções inovadoras para as dores do “seu” negócio, quem se preocupa em apoiar o ambiente no qual estas iniciativas emergem?

Esta tem sido uma questão central que nos percorre. Se temos a sensação de remar contra a corrente vigente ao concentrar nossa estratégia no suporte a organizações intermediárias que movimentam o ecossistema, temos também o sentimento de que este trabalho precisa ser feito por mais organizações. Essa opção estratégica tem, inclusive, um custo alto interno, pois a lógica das áreas de negócio é focar sua análise ao “core” do negócio, portanto, nos desafios (dores) mais imediatos de negócio e não no ecossistema. Ao escolhermos um caminho não trivial, temos tido que lidar, inclusive, com questionamentos institucionais internos que sinalizam para a necessidade de focarmos no curto prazo (dores do negócio), sem perdermos o horizonte de médio e longo prazo (possíveis futuros negócios e olhar para o ecossistema).

 “raio X” de aceleradoras e incubadoras no país

Estudo lançado em julho pela ANDE[8] no Brasil e alinhado a estudo global[9] também da ANDE buscou compor um “raio X” de aceleradoras e incubadoras no país que de alguma forma estão envolvidas na dimensão de impacto social. Os dois estudos são muito interessantes e trazem ótimos insights sobre o tema.

Chamo atenção para um dado do Estudo (Brasil) que revelou que as duas maiores fontes de financiamento destas organizações são: governo (para 60% delas) e filantropia (para 50% delas), dentre diversas outras fontes. Seja por meio de prestação de serviços e consultorias, seja na realização de programas de aceleração, seja por doação, estes dados evidenciam a relevância que institutos e fundações já assumem como fonte de financiamento de aceleradoras de impacto. O dado está em consonância com a comparação internacional.

Considerando que há ainda poucos institutos e fundações engajados neste tema[10] e que nosso ecossistema (de finanças sociais e negócios de impacto) é ainda muito tímido se comparado a de outros países do mundo, é preciso ampliar a base de capital filantrópico para este setor, de modo a crescermos a quantidade e o alcance de programas de aceleração de impacto. Além disso, há uma “avenida de oportunidades” em termos de regionalização destas iniciativas, ainda muito concentradas em SP, outro para se gerar/ampliar oportunidades para empreendedores de comunidades possam impulsionar negócios de impacto. Há, portanto, diversas oportunidades e desafios neste setor para o engajamento de  institutos e fundações.

 Pouco conhecidos para os não-convertidos?

Já percebeu que sempre falamos dos mesmos cases de negócios de impacto? Mas será que, de fato, são pouco numerosos os cases ou não temos conseguido divulgar mais amplamente os diversos negócios de impacto que vêm conseguindo conquistar “um lugar ao sol”? Para alguns, há sim poucas experiências conhecidas e disponíveis para receber investimentos, para se tornarem parceiros ou fornecedores de grandes empresas e para ilustrarem espaço na mídia[11][12]. Para outros, está claro que o tema vem ganhando espaço e a cada dia mais negócios de impacto surgem no mercado, sobretudo, pelo trabalho de aceleradoras de impacto, além, claro, do incansável esforço dos próprios empreendedores. Vale lembrar que muitas incubadoras e aceleradoras tradicionais (de base tecnológica, etc) também vem sendo estimuladas a incluir a dimensão do impacto social em seus radares e abordagens[13].

Convém lembrar que boa parte das organizações intermediárias (aceleradoras de impacto), no Brasil, é sem fins lucrativos. Ou seja, depende de recursos de parceiros e apoiadores, e procuram realizar serviços customizados para algumas empresas. Estas organizações não se mantêm financeiramente a partir de equity dos negócios que aceleram, como alguns podem crer, ainda que esta prática não seja nem proibida, nem condenável[14]. Mesmo aquelas que estabelecem equity com alguns negócios, não asseguram sua sobrevivência no curto prazo a partir destas práticas.

Se ainda paira no ar certa desconfiança do papel que um intermediário realiza, é preciso compreender a sua atuação no âmbito do ecossistema de negócios de impacto/finanças sociais[15]. Se em outros setores encaramos os intermediários com certa restrição (em geral com a ótica de um atravessador), neste campo é preciso reconhecer a sua relevância e necessidade. Sem intermediário não se constrói sólidas pontes entre quem tem capital (investidores) e quem precisa dele (empreendedores). Tudo bem que é possível que as duas pontas desta rede se conectem sem a ajuda de um terceiro para intermediar a conversa. Mas, no mundo real do empreendedorismo social isso é pouco provável sem uma forcinha de um intermediário. E que forcinha!

O trabalho destas organizações não se resume a fazer a conexão entre as pontas do ecossistema, mas especialmente em desenvolver cada negócio e cada time de empreendedores para rodar da melhor maneira possível a sua solução. Parece fácil desta maneira, mas é um trabalho complexo. Requer tempo, conhecimento do campo e habilidades múltiplas.

O que, de fato, faz uma aceleradora (de impacto)?

Há muitas questões que compõem a “caixa de ferramentas” de uma aceleradora. Para além do senso comum de conexão entre investidores e empreendedores, elas dedicam papel estratégico ao cuidarem do “meio de campo” não só deste relacionamento, como também do ecossistema.  Abaixo, algumas atividades realizadas pelas aceleradoras de impacto:

  • Acelerar o crescimento do negócio (como ganhar rápida escala frente às oportunidades de mercado)
  • Identificar gaps e oportunidades de melhoria de cada negócio (na equipe, na proposta de valor, no modelo de venda ou pagamento, na modelagem do serviço ou produto, etc)
  • Potencializar o impacto social da solução (como tornar mais clara a proposta de geração de impacto social do negócio e aprimorar sua teoria de mudança)
  • Preparar e conectar com possíveis investidores e players de mercado (não é tão simples acessar investimento e estabelecer relacionamento com grandes empresas)
  • Oferecer rede de mentores (como oferecer suporte técnico e de mercado para o negócio superar limites e potencializar sua solução)
  • Conectar empreendedores entre si – rede de colaboração mútua

Como apoiar uma aceleradora?

Diante de tudo que uma aceleradora realiza, como um instituto ou fundação pode apoiá-la? Por onde começar?

Há muitos caminhos possíveis, mas creio que o primeiro passo seja entender melhor o que uma aceleradora (de impacto) faz. O tópico anterior foi apenas uma síntese deste contexto, estando longe de esgotar o assunto. Há diversas aceleradoras de impacto no mercado e esta aproximação é fundamental. Sair da zona de conforto em que, em geral, institutos e fundações se encontram e aproximar destas organizações é um passo importante. Aqui vão algumas questões provocadoras:

  • Você conhece, de fato, o que faz uma aceleradora de impacto? Como ela funciona? Que tipos de serviço ela oferece? Como ela atua no dia a dia?
  • Sabe qual é o modelo de negócio dela? Como ela sustenta sua estrutura, equipe e projetos? Quais são seus desafios de sustentabilidade econômica? Como diversificar fontes?
  • Qual é sua tese de impacto? Quais as áreas de busca, seleção e aceleração? Qual seu histórico de negócios de impacto acelerados (pipeline)?
  • Se puder, verifique com alguns destes negócios qual a percepção deles com relação ao programa de aceleração. Se eles ainda estiverem por perto da aceleradora, mesmo após o término do programa de aceleração, isso pode ser um bom sinal.
  • Quais são os parceiros da aceleradora? Há outros institutos e fundações? Como cada um deles apoia?
  • Como é a governança da aceleradora? Quem é membro do seu Conselho?
  • Como é a equipe da aceleradora? – perfis, turnover, competências, etc.

Como se vê, são muitas questões para serem percebidas não somente num único contato ou reunião. Requer tempo de aproximação e de construção de relacionamento que, pode ou não, desaguar numa parceria efetiva (com aporte de recursos financeiros e não-financeiros, etc). A ideia aqui não é estimular institutos e fundações a ser tornarem uma aceleradora nem que passem a auditá-las. Visto que metade da sua fonte de financiamento provêm da parceria com institutos e fundações, como ampliar a base de capital filantrópico para suportar aceleradoras já existentes, por exemplo, para ampliar capacidade de atendimento de suas turmas, e para o surgimento de novas aceleradoras de impacto.

 

Superada a etapa de “namoro”, e tendo mais claro qual a estratégia e a abordagem que o Instituto/Fundação pretende seguir, fica mais fácil construir esta aproximação e delinear os passos iniciais de uma parceria. Alguns lembretes importantes que serviram muito para a nossa vivência neste campo:

  • A parceria não pressupõe apenas recursos financeiros. O tão falado “non-financial suport” é também muito importante, como por exemplo: vínculo com a marca, acesso a rede de contatos, aproximação com players da indústria, orientação técnica sobre determinada área temática, inteligência de mercado (nesta área), dicas regulatórias, etc.
  • Sendo possível combinar os dois tipos de suporte – financeiro e não-financeiro – melhor dos mundos. Convém lembrar que suporte não financeiro pressupõe dedicação de tempo e equipes. Apenas assinar o “cheque” para o desembolso financeiro não trará plenamente o que a parceria pode render a ambos. É preciso fazer gestão do processo de parceria, e isso requer energia e tempo.
  • Este tipo de parceria é mais efetiva na medida em que for mais duradoura. Parcerias de curtas duração tendem a frustrar ou gerar sentimento de que algo ficou no ar. Sendo possível construir horizontes mais longos (3 – 5 anos), aumentam-se as chances de o processo ser mais rico (em termos de aprendizado mútuo), gerar resultados mais consistentes e permitir que a equipe da aceleradora dedique em atividades fins ao invés de ficar focada na permanente captação de recursos.
  • Esteja aberto ao novo e a não ter muitas respostas na mão durante a parceria. Por exemplo: é bem provável que se identifiquem boas oportunidades de investimento em alguns negócios de impacto. Mesmo quando não houver um fundo de investimento da empresa mantenedora (corporate venture ou algo afim), não há problemas em prosseguir com a parceria, pois é importante relembrar que há resultados mais coletivos (para o ecossistema) que são igualmente relevantes e necessários.
  • Esteja aberto a assumir riscos, a ousar e a pensar fora da “caixa”, criando algo diferente do que habitualmente o Instituto/Fundação implementa.
  • Além do recorte temático de interesse (ex: saúde, educação, etc), há diversos outros recortes que podem ser trabalhados na parceria (territórios afins à área de atuação do Instituto/Fundação, públicos de interesse (mulheres, LGBT, idosos, etc), modelos de negócio (B2G, B2B, B2C), etc.
  • O programa que for implementado em um ano não necessariamente precisa ser o mesmo para o ano seguinte. Ele pode ser ajustado, aprimorado e alterado.

 

Há muitas maneiras de se construir relacionamento entre institutos/fundações e aceleradoras de impacto. O nome deste texto é justamente uma provocação a pensarmos formas de institutos e fundações contribuírem para acelerar o alcance e a operação das aceleradoras de impacto, aportando não só recursos (financeiros e não-financeiros), mas co-criando soluções relevantes para ambos.

Procurei refletir sobre alguns possíveis caminhos, a partir da experiência recente que temos construído neste campo. Temos presenciado avanços recentes neste campo, sobretudo a partir de um maior engajamento de institutos e fundações. Veremos, portanto, importantes desdobramentos deste relacionamento.

Alguns poderiam questionar se não seria possível que o instituto/fundação incorpore o que uma aceleradora faz, passando a realiza-lo por conta própria. Como vimos, este caminho é possível, mas não é o caminho que defendemos. Para aqueles que quiserem referências internacionais ao estilo “guias” para institutos e fundações neste campo[16], vale apenas realizar as devidas inferências à realidade brasileira. Note que a ênfase maior da maioria delas é na própria fundação “colocando a mão na massa” no investimento de impacto, com exceção da recomendação de Portugal. Há pouca ênfase no suporte “ecossistêmico” que a filantropia pode realizar neste campo, sobretudo na abordagem norte-americana. Para eles, inclusive, este tipo de atuação não seria, em tese, considerado como investimento de impacto. Polêmicas à parte, este assunto fica para uma próxima e oportuna conversa. Preparando o cafezinho por enquanto….

 

[1] Gerente Executivo do Instituto Sabin (www.institutosabin.org.br). Atualmente coordena a Rede Temática de Negócios de Impacto do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). Membro do Conselho do GIFE. É autor do livro “Reflexões contemporâneas sobre Investimento Social Privado”. [email protected]

[2]  Institutos e Fundações e Negócios de Impacto: vamos molhar os pés e A falsa ideia da linha evolutiva da filantropia

[3] https://ssir.org/articles/entry/philanthropic_pioneers_foundations_and_the_rise_of_impact_investing

[4] Down the Rabbit Hole? Impact Investing and Large Foundations  e What exactly do online “impact investing” platforms have to offer?

[5] Ou “open innovation”. A ênfase aqui é demarcar que esta área não busca impacto social ou ambiental, apenas inovação propriamente dita.

[6] Só pra citar dois exemplos, a Wayra (http://wayra.co/sp/br) da Telefonica, e o Cubo (https://cubo.network/) do Itaú.

[7] Nós mesmos temos 2 iniciativas que ilustram este movimento, um na linha da inovação aberta (http://inovasabin.com.br/) e outro na linha do impacto social (http://www.artemisia.org.br/labsaude/)

[8] Disponível em: Landscape Study of Accelerators and Incubators in Brazil

[9] Estudo denominado GALI: Accelerating Startups in Emerging Markets

[10] Os dados do Censo Gife de 2017 ainda não estão disponíveis no momento da finalização deste texto.

[11] Aqui vai muito divulgar o 1º mapeamento de negócios de impacto promovido pela Pipe Social: http://pipe.social/

[12] Por outro lado, é preciso endossar a reflexão sobre se o que realmente importa são poucos cases de sucesso, “unicórnios”, ou se importa mais uma “constelação de estrelas brilhando no céu”, como colocam muito bem nossos colegas aqui

[13] Aqui vale frisar a importância de iniciativas como a que o ICE. Sebrae e Aprotec têm liderado: http://ice.org.br/incubadoras/

[14] No Estudo da ANDE (Brasil) este percentual está abaixo dos 15%.

[15] Super recomendo o estudo da Força Tarefa de Finanças Sociais sobre os intermediários: aqui.

[16] Algumas referências, dentre várias disponíveis:

Community Foundation Field Guide to Impact Investing (aqui), Investing and Social Impact (aqui), Impact investing a primer for family foundations (aqui)  e https://www.missioninvestors.org/essentials-doc .

Outra referência interessante é da Força Tarefa de Finança Sociais de Portugal, que recomenda que fundações deveriam apoiar “intermediários de investimento social” http://grupodetrabalho.investimentosocial.pt/ (pág. 44 do Report).


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