Recém lançado, estudo traz histórico e panorama dos fundos patrimoniais no Brasil
Por: GIFE| Notícias| 28/03/2022Cerca de R$ 78,8 bilhões é o volume alocado em 52 fundos patrimoniais em atividade analisados pelo Panorama dos Fundos Patrimoniais no Brasil, publicação recém lançada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), e Coalização pelos Fundos Filantrópicos, com apoio do GIFE, e criada com o objetivo de reunir um histórico do tema no Brasil e no mundo, análises de especialistas e as dúvidas mais frequentes.
Por definição, os fundos patrimoniais (filantrópicos ou endowments) são estruturas criadas para proporcionar sustentabilidade financeira a instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos e/ou para a execução de programas e projetos de interesse público. As doações recebidas ficam recolhidas em aplicações, e apenas os rendimentos podem ser resgatados e utilizados para financiar causas ou parte do funcionamento de organizações.
“Um fundo patrimonial pode trazer maior segurança no estabelecimento de objetivos sociais de longo prazo, com previsibilidade para a utilização de recursos ao longo do tempo associada à manutenção do patrimônio”, explica Camila Basile, superintendente financeira da Associação Umane, uma das organizações mapeadas pelo estudo.
O tema contou com uma atualização importante em 2019: a aprovação da Lei 13.800/2019, que serviu para embasar o debate e também incentivar a criação e organização de novos fundos: dos 58 ativos e em fase de estruturação analisados pelo estudo do IDIS, 18 foram criados após a sanção da lei (12 considerando apenas estruturas ativas).
A maior parte das organizações concentra-se em São Paulo (38) e Rio de Janeiro (5). Das 52 analisadas, 9 funcionam de acordo com a lei, 2 foram adaptadas e 41 não estão de acordo com a legislação. Além disso, quando o assunto é área temática, os fundos seguem a mesma tendência historicamente observada entre investidores sociais respondentes do Censo GIFE: educação também é causa prioritária dos endowments, com 24 fundos dedicados, seguidos, de longe, de cultura (9) e saúde (8).
Desafios
Apesar de a lei representar um avanço ao determinar um marco jurídico para a criação de organizações gestoras de fundos patrimoniais, ainda existem desafios a serem superados. O documento apresenta três pontos de aprimoramento.
Um deles é a adequação da Lei 13.800 à Lei de Incentivo à Cultura, como cita trecho da publicação. “A Lei 13.800/19 só menciona claramente os incentivos fiscais para fundos patrimoniais voltados às artes e à cultura. Ainda assim, é necessária a criação do procedimento pela Secretaria da Cultura para que as instituições culturais possam captar nesta modalidade muito atraente para os doadores à luz da Lei Rouanet.”
Outro fator importante é a extensão do incentivo fiscal para outras causas, como crianças e adolescentes, idosos, esportes, pessoas com deficiência e combate ao câncer, não incluídas na Lei 13.800. Segundo o documento, isso representa um “desestímulo para que organizações dedicadas a essas causas constituam seus fundos patrimoniais”, além do fato de temáticas como meio ambiente e direitos humanos também terem ficado de fora.
“No Brasil, nós temos uma lógica de benefícios fiscais verticalizada. Tem uma lei para cultura, uma lei para esporte, e assim por diante. Eu prefiro uma lógica horizontal, com o nível de benefício ‘igual’ ou, ao menos, seguindo as mesmas regras para todos os setores. Os fundos patrimoniais poderiam, de certa forma, ser um precursor desse movimento de horizontalização ou transversalidade da lei de benefício fiscal”, explica Leonardo Letelier, fundador e CEO da SITAWI Finanças do Bem.
Camila, da Umane, também cita outras questões. “Apesar de positiva, a Lei foi aprovada com vetos em relação aos incentivos fiscais para doadores e não alcançou os aspectos tributários de imunidade das entidades gestoras. Esses mecanismos são importantes para fomentar uma cultura de fundos patrimoniais no Brasil”, explica.
De forma simplificada, a Lei 13.800 exige a existência de uma organização exclusivamente para gerir o fundo patrimonial, mas não esclarece se ela terá direito à imunidade ou isenção tributária da beneficiada. “A lei não foi totalmente regulamentada em termos de benefício fiscal e, no Brasil, essa questão é muito importante. O ideal seria que os fundos patrimoniais tivessem, pelo menos, o mesmo tratamento fiscal dado aos projetos que vão beneficiar”, afirma Leonardo.
Diminuindo custos e potencializando impacto
Com o objetivo de facilitar e tornar mais acessível a criação dos endowments, considerando a exigência da lei de uma organização gestora e o alto custo para tal, a SITAWI está apoiando a criação de uma Organização Gestora de Fundos Patrimoniais (OGFP) chamada Endowments do Brasil.
“Para que cada doador ou instituição não precise criar uma organização gestora nova, do zero, nós criamos uma organização guarda-chuva – que estamos chamando de coworking de endowments – e, dentro dela, poderemos abrigar todos esses fundos patrimoniais de várias causas e, com isso, será muito mais fácil e mais barato, pois não terá que criar e cuidar da sua própria organização”, explica Leonardo.
O CEO explica que a gestão dos fundos ficará a cargo da Endowments do Brasil, utilizando o know-how, experiência e tempo de atuação da SITAWI, que atuará sob a marca de SITAWI Fundos Patrimoniais. “Acreditamos que essa será uma inovação importante para facilitar o capital fluir para impacto socioambiental positivo dentro de uma lógica de perenidade que são os fundos patrimoniais.”
Pautas de interesse público
Paula Fabiani, CEO do IDIS, afirma, em trecho da publicação, que ainda há um amplo espaço para evolução até o Brasil alcançar o padrão existente em outros países onde a cultura de endowments é mais desenvolvida. Além disso, comenta que o ‘mercado financeiro tem contado com o capital paciente dos fundos patrimoniais para investir em setores cujos retornos só aparecem com o tempo, como os de infraestrutura e negócios de impacto, tão importantes para o Brasil’.
Uma das áreas de interesse público que se beneficia desta lógica, sobretudo em um contexto de pandemia, é a área da saúde. A Umane, uma das entidades mapeadas pelo estudo, teve seu fundo criado em 2020 a partir dos recursos provenientes da venda do Hospital Samaritano, em São Paulo.
“A área da saúde tem, como natureza, seus objetivos finais em ciclos de mais longo prazo, o que necessita de projetos com investimentos sociais plurianuais e compromissos que, muitas vezes, perpassam anos. Poder contar com os rendimentos de um fundo patrimonial em base anual facilita este planejamento dos investimentos sociais com o passar do tempo”, explica Camila.
A superintendente afirma que ter uma visão de futuro e uma regra clara para determinar os limites dos gastos anuais contribui para a preservação do patrimônio da instituição e, consequentemente, do financiamento das atividades sociais, aumento da previsibilidade orçamentária e um plano estratégico que não seja tão impactado por anos de rendimentos menos expressivos, como o caso de 2020 e 2021. No caso da Umane, isso foi possível graças à criação de um Comitê de Finanças e Investimentos e o desenho de regras claras para uso dos recursos.
Novas causas
Na publicação, os fundos patrimoniais pesquisados se dedicam à defesa de uma grande diversidade de causas, que vão desde as mais clássicas, como assistência social e educação, até as mais contemporâneas, como equidade racial e liberdade de expressão.
É o caso do Fundo Baobá, criado formalmente em 2011 com a missão de contribuir para o enfrentamento ao racismo promovendo justiça e equidade racial para a população negra. Em seus 11 anos de história, a organização conseguiu, além da própria construção do endowment, estruturar um sistema de governança e compliance e definir um posicionamento programático centrado em quatro temas: Viver com Dignidade, Educação, Desenvolvimento Econômico e Comunicação e Memória.
“O Fundo Baobá, que atua em todo o território nacional com ênfase na região nordeste, contribuiu para o crescimento da pauta racial no ambiente da filantropia e do investimento social privado no Brasil”, afirma Giovanni Harvey, diretor executivo do Baobá. Atualmente, o principal desafio da instituição é aumentar o patrimônio de R$ 58 milhões para a meta de R$ 250 milhões, com a construção de condições necessárias para que não haja prejuízo de sua atuação programática de curto e médio prazo.
Juntamente com o Fundo Patrimonial Ibirapitanga, apenas os dois fundos têm como foco promover a equidade racial no país. Além do fato de o Brasil contar com mais da metade da população composta por pessoas negras, advogar pela causa da equidade racial ganha ainda mais importância considerando que, durante a pandemia, homens e mulheres negros estiveram mais suscetíveis à contaminação e morte por Covid do que pessoas brancas.
Em abril de 2020, pouco mais de um mês da chegada do novo coronavírus ao Brasil, o Fundo Baobá lançou o edital Doações Emergenciais no Contexto da Pandemia da Covid-19, que contemplou 215 propostas individuais e 135 propostas de organizações. Cada iniciativa recebeu até R$ 2.500 para ações de prevenção em comunidades periféricas, áreas de difícil acesso e com populações vulneráveis.
Para Giovanni, sobretudo nesse contexto, é de fundamental importância a existência de um fundo patrimonial concebido, planejado e gerido por pessoas que têm uma trajetória pública alinhada com a agenda do movimento social negro e com a causa da equidade racial.
“O Fundo Baobá conta, em todas as suas instâncias de governança e nas áreas técnicas, com pessoas que, além da qualificação e da experiência, participaram da construção das propostas e soluções que vêm sendo implementadas e impactando as relações raciais no Brasil ao longo dos últimos 50 anos”, defende.
Fique por dentro
Com 151 páginas, a publicação faz um passeio pelo surgimento dos primeiros fundos patrimoniais da história, como o tema é abordado no mundo, a tradição dos Estados Unidos, as volumosas reservas de universidades tradicionais, os setores mais mobilizados no Brasil, as principais dúvidas no assunto e uma tabela com informações detalhadas sobre os 52 fundos pesquisados.
O Panorama dos Fundos Patrimoniais no Brasil pode ser conferido na íntegra neste link.