Sociedade civil e poder público enfrentam o desafio da implementação do MROSC nos estados

Por: GIFE| Notícias| 21/09/2017

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), instituído pela Lei federal nº 13.019/2014, regula parcerias e repasse de recursos entre a União Federal, Estados e Municípios e as Organizações da sociedade Civil (OSCs), substituindo os convênios existentes até então.

Tema de uma das pesquisas em desenvolvimento pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito) no âmbito do projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil, financiado pela União Europeia, o Marco Regulatório trouxe consigo muitos desafios para sua implementação.

No âmbito federal, a lei foi regulamentada pelo decreto federal (8.726/2016). Os Estados estão também elaborando regulamentações próprias, considerando as diversas realidades e especificidades para novas práticas de gestão pública.

Levantamento feito pela FGV Direito até o momento, sob a coordenação da pesquisadora Carolina Stuchi, já identificou, além do Distrito Federal, 14 estados que editaram decretos de regulamentação da Lei 13.019/2014: Alagoas, Amazonas, Bahia, Minas Gerais, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. “Nosso próximo passo será analisar a qualidade desses decretos e identificar como está o debate para a regulamentação nos estados que ainda não regulamentaram”, indica Carolina Stuchi.

Ao lado desta frente de estudo, haverá também uma pesquisa de percepção dos gestores públicos e privados sobre o novo regime de parcerias. Considerando a importância do tema, a equipe da FGV Direito tem ampliado o debate sobre a construção da pesquisa, de modo a identificar sinergias com outros esforços de produção de informação e potencializar assim as análises e resultados da pesquisa.

“O Marco Regulatório é uma conquista, principalmente quando consideramos o seu histórico de elaboração: iniciativa da Plataforma por um Novo Marco Regulatório das OSCs; participação colaborativa da proposta normativa, com diversos órgãos do governo federal; articulação suprapartidária no Congresso Nacional etc”, avalia Aline Gonçalves, que coordena o projeto no âmbito da Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getulio Vargas.

Dentre os instrumentos jurídicos próprios criados pelo Marco Regulatório, ela destaca a valorização e reconhecimento da autonomia das organizações, o aumento da transparência e a eficácia das parcerias. E aponta também os desafios: “Por estabelecer uma nova lógica de relação entre poder público e OSCs, é comum a ocorrência de resistências de interpretação e tentativas de fuga para manutenção das lógicas anteriores. Some-se a essa dificuldade de transição para uma outra dinâmica de relação, o contexto político e econômico do país. Para lidar com esses desafios, a articulação, capacitação de colaboração entre OSCs, poder público e órgãos de controle são elementos fundamentais para auxiliar na efetiva implementação do novo regime de parcerias”.

 

Desafios da implementação da lei nos estados

Laís de Figueiredo Lopes, advogada e ex-assessora especial do Ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República (2011 a 2016), e Eliana Rolemberg, socióloga, membro da Coordenação Colegiada da Plataforma por um novo Marco Regulatório da Bahia e da Direção Estadual da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), apontam uma série de desafios desse processo de implementação das novas regras pelos estados, destacados a seguir.

Participação social. Um dos desafios do marco regulatório é a própria aplicação pelos estados. Há dúvidas, por exemplo, sobre a auto aplicabilidade da legislação e a necessidade de se aprovar decretos específicos em nível estadual para garantir sua concretização.

De qualquer maneira, a participação social é o grande fundamento do novo regime. É importante que as organizações possam ser ouvidas por meio de consultas ou audiências públicas durante a elaboração dos decretos estaduais e, após sua aprovação, via grupos de trabalho ou de um Conselho Estadual de Fomento e Colaboração (CONFOCO). “Temos reforçado a importância de decretos alinhados à realidade e demanda das organizações da sociedade civil locais”, explica Eliana Rolemberg.

Diagnóstico local. Para implantar o MROSC, Laís aponta a necessidade de o ente federado realizar um diagnóstico da realidade local, que mapeie e traduza as parcerias e práticas existentes, para então decidir quais serão mantidas e quais serão aperfeiçoadas, avaliando o que de novo deve ser implementado, segundo a nova lei. Neste estudo, será possível constatar em quais políticas setoriais as organizações estão mais presentes.

Governança Institucional. A constituição de uma governança institucional que articule atores do poder público e da sociedade civil organizada tem se mostrado eficaz para que o novo modelo de parcerias funcione. “O ente deve designar um ponto focal no Poder Executivo para a implementação do MROSC, que deverá alicerçar a criação do CONFOCO previsto na lei, como espaço de concertação social para pactuação da política de fomento e colaboração e tudo o mais que tiver a ver com a nova lei. Essa centralidade ajuda interna e externamente quem tem a responsabilidade de fazer acontecer”, explica Laís.

Ferramentas. Outro desafio é a estruturação de guias e cartilhas para facilitar a implantação com modelos de minutas de regulamentação, de termo de fomento e de colaboração, manual de prestação de contas, etc.

Capacitação. É fundamental a formação de multiplicadores com conhecimento aprofundado sobre a nova legislação. “A diretriz de priorização do processo formativo conjunto entre servidores públicos, representantes de OSCs e conselheiros de políticas públicas prevista no Decreto federal 8.726/2016 é essencial para a mudança de cultura que a lei pretende, e por isso deve ser observada”, comenta Laís.

Articulação. A própria sociedade civil deve ser protagonista no processo de implementação da legislação. É fundamental aprofundar a articulação das organizações da sociedade civil em nível estadual, garantindo que as OSC tenham voz e voto no processo de regulamentação.

Transparência. As plataformas digitais são tidas como as principais ferramentas de transparência, sobretudo no formato de dados abertos. Atualmente, o Portal de Convênios do Governo Federal (Siconv) tem concentrado os dados sobre parcerias, mas precisa ser adaptado para a nova lei, além de propiciar um ambiente que inclua as especificidades dos Estados.

Segundo Eliana, o Siconv definiu uma diretriz que estabelece que só depois de adequar o sistema ao MROSC poderá colaborar com os estados, mas isso tem se dado a passos lentos. Dessa forma, diversos estados não conseguem desenvolver uma plataforma própria de dados abertos e estão com o processo de transparência paralisado.

Controle de resultados. A mudança de paradigma em relação ao controle de resultados das relações de parceria entre a Administração Pública e as OSCs tem gerado certo receio em quem já estava acostumado a fazer o controle com foco na execução das despesas.

“É preciso entender que a nova lógica não significa descontrole, e sim uma nova sistemática de gestão, que enfatiza a necessidade de monitoramento e avaliação constantes, para chegar a uma adequada prestação de contas de resultados. Os controles prévios também foram valorizados com o chamamento público obrigatório e a exigência de experiência e existência prévia. Não podemos desconsiderar que o MROSC é uma lei nacional robusta e já está provocando mudanças e induzindo boas práticas de diálogo entre a sociedade civil e o poder público, buscando acabar com a desconfiança pública nas relações de parceria”, explica Laís.

 

O caso do Distrito Federal

No Distrito Federal, o esforço de regulamentação foi feito logo após a promulgação do Decreto Federal nº 8726/16, aproveitando ao máximo a experiência já iniciada em nível federal. O decreto do DF se deu logo em seguida, em dezembro de 2016.

O processo de formulação do texto do decreto se iniciou com a criação de um grupo de trabalho, que contou com participação dos órgãos do poder público e da sociedade civil – via rodadas de consulta pública virtual e reuniões técnicas com especialistas. Atualmente, o Governo do Distrito Federal está em processo de criação do CONFOCO.

Clarice Calixto, advogada da União e Chefe da Assessoria Jurídico-Legislativa da Secretaria de Cultura do DF, relata três exemplos de inovação procedimental trazidas pelas novas regras do decreto local:

“A primeira é que deixamos claro já no texto do decreto que as organizações podem prever a questão inflacionária na revisão dos custos das parcerias, o que aumenta a factibilidade dos planos de trabalho e diminui as dificuldades da entrega dos objetos dos projetos em questão. A segunda inovação foi a facilidade para remanejamentos de pequenos valores sem prévia autorização. Já a terceira é a previsão de minutas padronizadas, anexas ao decreto, para que encurtem o caminho de análise jurídica, acelerando os processos de parceria”.

 

O caso da Bahia

 

O Estado da Bahia promulgou o Decreto Estadual nº 17.091/16, que contou com a participação da Plataforma MROSC durante o processo.

Foram realizados encontros multisetoriais com parlamentares, Secretarias do Governo (Secretaria de Relações Institucionais e Secretaria de Administração do Estado da Bahia), além de audiências públicas na Assembleia Legislativa. Segundo Eliana Rolemberg, este foi um momento chave, onde o poder público se comprometeu a formar um grupo de trabalho para elaboração de uma minuta do decreto, junto com a sociedade civil.

Em paralelo, está sendo desenvolvido um projeto de extensão com o Ministério da Educação (MEC) – o Ponto de Gestão MROSC -, baseado em uma coordenação tripartite entre universidade, sociedade civil (cerca de 30 organizações) e governo do estado. “Estamos fazendo um trabalho de capacitação de multiplicadores e de ida aos territórios, com painéis itinerantes de discussão do MROSC, para que os municípios desenvolvam os seus documentos e implantação”, explica Eliana.

E complementa: “Existe ainda a possibilidade de articularmos as iniciativas deste projeto com o CONFOCO, para que este acompanhe o que está acontecendo nos municípios e leve em consideração as demandas locais e específicas dos territórios”.

Neste momento, o CONFOCO já se encontra estruturado com titularidade para cada segmento.

“A atuação do conselho é de extrema importância neste processo de transição, tanto na análise das instruções normativas quanto no monitoramento dos processos de implantação do MROSC”, explica Eliana.

A plataforma MROSC BA elaborou ainda uma cartilha de boas práticas para aplicação da lei. Disponível aqui.

 

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