Debatedores da mesa de abertura do X Congresso GIFE convocam participantes para a construção de um projeto de país voltado ao bem comum

Por: GIFE| Notícias| 09/04/2018

 

Em 2018, lembramos os 30 anos da nossa Constituição, um marco fundamental para a democracia no país e a busca pela garantia de direitos essenciais para todos os cidadãos brasileiros. Ao mesmo tempo, o Brasil vive um dos cenários mais complexos da sua história, com uma crise que vai muito além da ordem econômica ou política, mas social, cultural e, acima de tudo, de valores.

Mais do que apenas fazer diagnósticos, o momento atual exige posicionamento. É preciso agir, de forma urgente, para que conquistas fundamentais não sejam perdidas. É necessário sair da indiferença, do comodismo, da inércia, e ajudar a construir um projeto de país.

Essa foi a convocação e o tom da conversa que norteou a abertura do X Congresso GIFE, que aconteceu de 4 a 6 de abril, em São Paulo. O evento bianual, referência sobre o tema do investimento social privado (ISP), ao longo desses 20 anos de atuação do GIFE, reuniu mais de 5 mil pessoas de todos os estados do Brasil e de fora do país para ouvirem e debaterem sobre temas de relevância do setor.

O congresso do GIFE se consagrou como um importante espaço de aprendizado, diálogo e troca entre as principais lideranças de investidores sociais do país, dirigentes de organizações da sociedade civil, acadêmicos, consultores e representantes de governos.

O tema escolhido para esta 10ª edição -“Brasil, democracia e desenvolvimento sustentável” – não foi por acaso. E isso se tornou ainda mais evidente nas falas que ecoaram na primeira atividade do Congresso.

Neca Setubal, presidente do Conselho de Governança do GIFE, abriu o e evento lembrando que as conquistas nos últimos 30 anos foram inúmeras, porém, desde 2014, o país rompeu um pacto de convivência democrática que, aliada aos riscos trazidos pelas novas tecnologias e as crises instauradas em nível mundial, tem gerado intolerância, ódios e iniciativas autoritárias de segmentos diversos. Com isso, diversos muros – reais e simbólicos – que encobrem as desigualdades, negam a existência da diferença e do outro, se estabeleceram. Diante das desigualdades agudas e da falta de políticas públicas eficientes para mudar esse quadro, o sentimento, muitas vezes, é de impotência.

Porém, é preciso romper com este ciclo, ressaltou Neca, reconhecendo os avanços e os limites da nossa atuação para reafirmar compromissos a serviço de um ambiente coletivo, que busca novas respostas às questões relativas às diversidades.

“O momento é de lutar por causas. É de advocacy. É de reafirmar a democracia de forma forte e eficiente. Devemos manter as nossas singularidades, mas precisamos erguer bases para uma agenda comum, do bem público, articulando vozes de modo a potencializar a nossa pluralidade. Mas qual é o nosso papel enquanto cidadãos? Como o setor do ISP tem atuação neste momento do país? O cenário atual nos convoca, a cada um e a todos, a nos mover para a preservação e desenvolvimento da democracia e a lutar para uma sociedade mais justa e sustentável”, enfatizou a socióloga.

Frente a este quadro, destacou a conselheira do GIFE, se torna ainda mais relevante que as iniciativas do ISP se articulem às demais ações, renovando as formas de agir coletivamente para a construção de diálogos na busca de convergências mais amplas a partir de diferentes vozes – empresas, academia, governos, sociedade civil etc.

“Precisamos ter coragem de arriscar, de apoiar novas organizações que podem trazer diferentes contribuições, e fazer perguntas mais difíceis: Por que apesar de todo o investimento em educação os resultados não condizem com estes esforços? Por que o homicídio da juventude negra não parece ter se tornado tão urgente? Como estamos conversando com as diversidades em nossos projetos? O GIFE – que iniciou suas ações nos anos 90, neste processo de redemocratização do país – agora quer discutir o investimento social num novo ciclo de desenvolvimento. Qual será a nossa agenda?”, questionou aos presentes Neca Setubal.

Qual Brasil? Olhares para além do agora

Dando continuidade à fala da presidente do Conselho do GIFE, diversos especialistas trouxeram suas contribuições ao debate inicial do Congresso, na perspectiva de ampliar vozes e olhares, em diferentes perspectivas, para o momento atual e as oportunidades de ação: mas, afinal, o que queremos realmente do nosso país? O que buscamos enquanto nação?

Ao fazer uma análise do cenário atual, o economista Eduardo Giannetti ressaltou como um dos principais marcos da vida pública brasileira a Operação Lava Jato, pois esta escancarou a deformação patrimonialista do Estado brasileiro, algo que, segundo o especialista, acompanha o Brasil desde o início de sua formação enquanto nação.

Essa deformação – que atravessa diferentes governos – se dá na inversão do modelo de relação sociedade e Estado, na qual os governantes brasileiros atuam como se a sociedade o servisse e não o contrário. Ou seja, as autoridades usam o poder não para atender às demandas dos cidadãos, mas para se perpetuarem no poder, atuando dentro ou fora da lei para tal. Ao mesmo tempo, temos segmentos privados que encontram acesso privilegiado a estes governantes para fazer crescer o seu negócio. “A Lava Jato revelou de forma irreversível o ponto a que chegou essa deformação patrimonialista: o encontro dos donos do poder e os donos do dinheiro”, apontou Giannetti.

Para reverter esse cenário instaurado, acredita o economista, será preciso encontrar novos caminhos, sendo as eleições de outubro um momento crucial para tal. Caso isso não seja possível de acontecer por meio das regras do processo democrático, talvez o país caminhe para alguma ruptura mais drástica, analisou.

“Mas temos uma chance de virar esse jogo a favor da sociedade. Não vamos perder a oportunidade. O risco da indiferença é concreto. Se for assim, esse modelo vai sobreviver. Depende da sociedade usar de maneira eficaz, corajosa e com engajamento todas as informações que hoje temos em mãos sobre o funcionamento do Estado brasileiro”, acredita.

Joaquim Falcão, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça – lembrou que a crise da democracia no Brasil não é única, mas sim um fenômeno mundial. Se o século XX foi marcado pela opção por este sistema em grande parte dos países, o século atual é de implementação de fato, o que acarreta pensar nos limites e possibilidade desta democracia. “Não temos mais um modelo único. O mundo todo vai ter que recriar a sua democracia, encontrar a sua identidade”, pontuou.

Para o jurista, o Brasil precisa de atitude, colocar em prática e vivenciar de fato a justiça. “Precisamos recuperar o sentimento de justiça que nos une e permite conviver. Se temos uma obra em licitação fraudada, não temos problema econômico, mas sim uma prática da justiça. Se dou privilégios a um determinado grupo, não tenho problema orçamentário, mas tenho problema de justiça. Precisamos fazer uma ressonância nas relações sociais para identificar onde temos patologia da ausência da justiça. Esse processo avançou nos últimos anos, mas precisamos ir além. Não há mais tempo para diagnósticos. Todos já foram feitos. Vai depender do que vamos fazer com eles”, questionou o professor da FGV.

Diversidade e ação

Mas, se as análises já foram feitas, porque os avanços reais, em várias frentes, não ocorrem? Djamila Ribeiro, pesquisadora na área de filosofia política e feminista, lembrou que, para apontar respostas a esse questionamento, é preciso trazer à tona e relembrar mais um marco de 2018: os 130 anos da abolição da escravatura.

O racismo é um elemento estrutural e estruturante da sociedade brasileira que precisa ser discutido, pois traz impactos fundamentais para a vida dos cidadãos no Brasil e, consequentemente, na construção e busca desse país mais justo e sustentável. “Precisamos lembrar que esse país foi construído na base da exploração de determinados grupos – negros e indígenas – que não tiveram acesso à riqueza distribuída. Na formação do estado brasileiro, eles foram apartados, inclusive na sua contribuição. Tanto é que, quando falamos sobre a história do Brasil, precisamos ficar lembrando e combatendo a história única construída a partir da visão e da fala do homem branco”, ressaltou.

Portanto, em sua opinião, mais do que discutir um tema – como se fosse algo específico falar sobre raça ou gênero, por exemplo, – o assunto precisa ser debatido e encarado de frente, e ser incorporado como algo transversal a todas as políticas e projetos desenvolvidos, seja no âmbito privado ou público. Assim, é preciso nomear, demarcar sobre qual grupo se está falando, a fim de tirar da invisibilidade. Isso significa, destacou a filósofa, fazer questionamentos como: ‘quando falamos de mulheres, de quais estamos falando exatamente? De uma branca que mora no grande centro ou de uma mulher negra da periferia, tendo em vista que as realidades são muito diversas’.

“O ponto é que precisamos mudar o olhar sobre essa realidade e entender a sua magnitude. Não é algo a ser discutido apenas por mulheres ou negros. Vivemos o mito da democracia racial no Brasil, quando sabemos que podemos não ter tido segregação legal, mas ela se dá várias maneiras nas instituições, nas relações, nas definições das políticas públicas etc. O racismo é sim um problema de todos e precisa ser enfrentado por todos. A nossa luta é para que as nossas diferenças não signifiquem desigualdades. Precisamos sair da defensiva e nos incomodar com esse debate. Afinal, estas narrativas do incômodo são importantes para refletirmos sobre que tipo de sociedade queremos ser”, analisou a pesquisadora.

Se a pauta do racismo gera incômodo, como lembrou Djamila, a questão de gênero também. Porém, a atitude perante o assunto precisa, mais uma vez, ser enfrentada com muita atenção, acredita Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza e do Grupo Mulheres do Brasil. Isso porque ainda no país uma mulher é morta a cada hora por conta da violência ou o fato de persistirem diferenças salariais entre homens e mulheres e tantas outras discrepâncias sociais.

“Não podemos aceitar isso agora, e é já que devemos fazer algo. Precisamos dar um basta e rápido. Temos coisas muito lindas sendo feitas no Brasil, mas precisamos gerar mais oportunidades para todos. Precisamos é olhar para diversas iniciativas que vêm conquistando resultados nas várias áreas e juntar esforços. Temos que parar de reclamar, assumir as questões e desafios e nos unir com o propósito de construir um plano para qual país queremos ser em 10 anos. Só acredito que o Brasil vai dar certo quando pararmos de dividir – rico/pobre, negro/branco. A sociedade civil precisa assumir o Brasil”, convocou a empresária.

Para isso, é preciso que o país assuma também outros debates que perpassam a discussão sobre diversidade, como a questão dos povos indígenas. André Baniwa, da Organização Indígena da Bacia do Içana, esteve presente na mesa de abertura e compartilhou com os presentes a atual situação e desafios enfrentados pelos indígenas em diversas partes do país.

André lembrou que, desde a Constituição, os povos indígenas conquistaram direitos e oportunidades para refazer sua memória e cultura e garantir a demarcação de suas terras, mas, ainda, ela não é realidade para todos, tendo em vista que uma parcela da população brasileira encara essas ações como se fossem impedimentos ao crescimento do país e não como oportunidade para a promoção do desenvolvimento sustentável.

“O povo Guarani Kaioá, por exemplo, até agora conseguiu a demarcação de suas terras. É uma situação triste, pois querem se colocar como extintos. Quem está por trás disso? São governantes, religiões, ruralistas? É algo sistêmico contra os povos indígenas. Desde a origem do Brasil, os indígenas tiveram seus direitos omitidos. É preciso que estes problemas venham à tona para que o povo brasileiro saiba e conheça. É uma agenda importante de ser debatida. O preconceito existe pelo desconhecimento. Precisamos divulgar a nossa cultura e tradição”, ressaltou.

O próprio povo Baniwa também tem enfrentando questões, como garantir o funcionamento da escola local, que traz um modelo educacional inovador, já reconhecido pelo MEC, mas que, por falta de recursos, não tem conseguido atender às crianças e jovens indígenas.

Caminhos possíveis

Diante destes vários desafios colocados pelos especialistas no momento atual de país, o que é possível fazer? Quem deve e pode se envolver nesta empreitada? Os debatedores foram incentivados a refletir e compartilhar suas percepções sobre possíveis caminhos a serem traçados.

No âmbito empresarial, por exemplo, Luiza Trajano acredita que hoje já não é mais possível separar negócios e atuação socioambiental. A responsabilidade social é transversal e deve ser incorporada pelas empresas, principalmente diante de um consumidor cada vez mais exigente desta postura ética, transparente e responsável por parte do setor privado.

Já em relação às questões políticas do Brasil, Giannetti acredita que será preciso, mais do que nunca, discutir o sistema de poder atual – que é do presidencialismo de coalisão -, e propor uma reforma política que mude as regras do jogo. “Hoje, neste presidencialismo, quem se elege tem governado com partidos parasitas. Enquanto o executivo é forte, os outros ficam tranquilos. Mas, quando percebe que há uma crise e fragilizou-se, o parasita começa a demandar ministros, verbas etc. O executivo passa a ser chantageado. Um país em que temos 28 partidos com acento no Congresso é ingovernável. É preciso mudar o sistema de governo”, apontou.

Por fim, na visão dos especialistas, é preciso que todos assumam posições e promovam mudanças em suas áreas de atuação. Apostar na experimentação e arriscar mais, segundo Joaquim, é necessário e urgente no Brasil.

“Precisamos correr o risco em todas as áreas. O método de atuar é tão importante quanto a área de atuação. Acabou o tempo de buscarmos o tipo de democracia que queremos. Temos é que recuperar a nós mesmos, o nosso jeito brasileiro, quem somos, e fazer. Acredito que é experimentar no limite e aí tentar multiplicar estas experimentações”.

Ao final do debate, José Marcelo Zacchi, secretário-geral do GIFE, ressaltou que o desafio colocado hoje não é apenas o de produzir respostas às demandas, mas de reafirmar o que é comum, o que nos unifica e nos fazer caminhar. Frente a isso, o ISP pode contribuir em diversas dimensões, como a gestão eficiente de recursos, expansão de espaços de ação coletiva, mobilização de energias em temas diversos e construção de metodologias inovadoras. “Estamos falando de uma trajetória do investimento social privado que certamente pode colaborar muito para acabar com impasses e propor avanços”.

Acesse o vídeo completo da mesa de abertura no canal do youtube.


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