Mobilização de recursos para organizações da sociedade civil é tema do Festival ABCR

Por: GIFE| Notícias| 22/05/2017

Aconteceu na última semana, em São Paulo, o Festival ABCR, um evento da Associação Brasileira de Captadores de Recursos totalmente dedicado a discutir a captação para organizações da sociedade civil. Foram três dias de programação, com mais de 100 horas de conteúdo no total e 500 participantes de todo o país.

Em sua nona edição, o evento reuniu profissionais da área de captação e mobilização de recursos de organizações da sociedade civil; gestores de associações e fundações em busca da sustentabilidade financeira das suas organizações; além de acadêmicos, estudantes, pesquisadores e demais interessados em compreender a situação atual e as tendências de mobilização de recursos no Brasil.

O redeGIFE conversou com quem esteve no Festival – incluindo dois associados – para entender quais são as tendências para o campo social, em especial no que diz respeito às estratégias de mobilização de recursos.

Já na abertura, a ABCR propôs uma reflexão sobre a criação de vínculos em um mundo pautado pela desconfiança com relação às organizações – sejam elas públicas, privadas ou sem fins lucrativos.

De acordo com a conferência, trata-se de uma questão global. Vivemos a constante queda da confiança nas instituições como um todo – e isso afeta fortemente as ONGS. Uma das razões, ao menos no caso do Brasil, é o cenário político marcado por recorrentes casos de corrupção.

A elaboração se comprova com a pesquisa Doação Brasil, realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS). O estudo aponta que 40% dos entrevistados concorda com a afirmação “Não tenho confiança no que vão fazer com o meu dinheiro se eu doar”. A pesquisa ouviu 2.230 pessoas, de todas as regiões do país, com mais de 18 anos e renda familiar a partir de um salário mínimo.

“O grande tema este ano foi a confiança. Em uma sociedade na qual as pessoas não têm vínculo com as organizações e não são seguras quanto a doar para elas, debater a confiança é fundamental para a captação de recursos e para promover a sustentabilidade do setor”, avalia João Paulo Vergueiro, diretor executivo da ABCR

Ele entende que a situação fica ainda mais urgente em um cenário de crise econômica, no qual as organizações estão contando cada vez mais com seus doadores tradicionais, como governo e empresas, e precisando investir na captação com indivíduos, que é o modelo mais disseminado em todo o mundo.

O evento reuniu 580 participantes de 23 estados, em um total de 49 palestras com 88 especialistas e profissionais do campo se dividindo em diversas mesas e painéis.

 

Relacionamento entre investidores sociais privados e ONGs

Pauta clássica do campo social, as relações entre investidores e executores ganhou espaço no evento. Com vistas em melhores resultados, empresas e organizações da sociedade civil têm investido em novas formas de parceria, mais próximas, colaborativas e eficazes.

Fabio Deboni, gerente executivo do Instituto Sabin e um dos palestrantes do evento, chama a atenção para a evolução na relação entre doadores e executores. Para ele, hoje, o diálogo vai muito além das questões financeiras.  “Buscamos refletir sobre como as organizações da sociedade civil que captam recursos com institutos, fundações e empresas podem perceber este relacionamento de forma mais ampla, para além da dimensão financeira.”

Para o gestor, as organizações precisam simplificar rotinas, concentrar esforços no que causa maior impacto, adaptar-se ao novo contexto digital e tecnológico e considerar modelos mais contemporâneos de mobilização de recursos, que agreguem diferentes fontes para garantir sua sustentabilidade financeira.

“Uma das tendências do campo social é o fortalecimento do relacionamento entre as diferentes organizações – sejam captadores, investidores ou consultores – de modo a refletirmos em conjunto sobre os grandes desafios, tendências e oportunidades do setor.”

Fabio lembrou a importância do accountability, ou seja, das práticas de prestação de contas em programas e projetos sociais. Para ele, investidores e executores precisam pensar juntos formas de controlar e medir resultados. A partir das informações, segundo Fabio, é possível comunicar acionistas e outros públicos estratégicos, corrigir rotas, valorizar conquistas e aprimorar boas práticas.

 

Cultura da doação em transformação

Um dos temas centrais do evento foi a transformação no cenário de mobilização de recursos no Brasil. Ponto comum entre a maioria dos painelistas e palestrantes é que a filantropia individual, praticada por meio de doações em diversas modalidades, tem se fortalecido.

Um bom exemplo dessa tendência é o #diadedoar, uma campanha global de incentivo à doação que acontece no país há seis anos. De acordo com João Paulo Vergueiro, um dos organizadores da iniciativa, para as organizações é uma excelente oportunidade de chamar a atenção dos seus apoiadores, e da comunidade, para a sua causa.

As estratégias de crowdfunding, ou captação coletiva, também mereceram destaque no Festival.  O evento contou com Lucas Harada, da plataforma Juntos.com.vc, referência no campo. Segundo ele, a metodologia trabalha, já há cinco anos, com projetos que investem em conceitos de comunicação para mobilização, construção e animação de redes, análises de performance e monitoramento de resultados em tempo real. O resultado não poderia ser diferente: taxa de 80% de sucesso na captação de projetos lançados na plataforma.

 

Varejo alavancando doações com pessoa física

O tema da mobilização de recursos no varejo – que também foi destaque nesta matéria do GIFE – ganhou espaço na programação e juntou especialistas de organizações sociais e da academia para discutir tendências e desafios.

Nina Valentini, presidente do Movimento Arredondar, contou que existe um grande esforço para aprimorar a operação da plataforma. Segundo a gestora, a intenção é entender melhor o cliente que tem potencial de doar no momento da compra e, por outro lado, alinhar estratégias com varejistas parceiros.

“No ano passado, com a pesquisa da FGV tivemos importantes aprendizados sobre o comportamento do doador em nossa operação. Hoje pensamos o que faz um projeto com um varejista ser bem sucedido, as etapas de implementação. Estamos adotando estratégias para também melhorar nossa operação com os consumidores”, explica.

Edgard Barki, professor-doutor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Eaesp), o Brasil ainda precisa evoluir muito na consolidação de sua cultura de doação entre pessoas físicas. Ele explica que, comparado a outros países, o brasileiro tende a doar menos. “Precisamos apresentar alternativas para a doação, por meio das microdoações, em que as pessoas têm a oportunidade de doar centavos de troco de suas compras.”

O pesquisador avalia que vivemos um momento de muita inovação e boas alternativas estão surgindo no campo social – como, por exemplo, os negócios de impacto. Para ele, é preciso que diferentes forças da sociedade se integrem para pesquisar questões emergentes e promover boas práticas.

“O ecossistema de negócios de impacto vem crescendo muito nos últimos anos no Brasil e no mundo e a interação entre diferentes atores é extremamente relevante. As parcerias entre academia, empreendedores sociais e organizações de apoio são formas de alavancar o setor e produzir sinergias e maior impacto social”, conclui.

 

Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC)

A mesa trouxe para o evento a discussão sobre os desafios de adequação das parcerias entre organizações da sociedade civil e governos, nos âmbitos federal, estadual e municipal,  à luz do MROSC. Em pauta, questões de regulamentação, padronização de instrumentos, capacitação e formas de prestação de contas.

Participaram a advogada Laís Lopes, Gisele Karina Santana, coordenadora do Controle Interno na Prefeitura do Município de Osasco, Nailton Cazumbá, representante do Grupo de Trabalho responsável pela elaboração do Decreto MROSC Bahia, e Rosana Pereira, multiplicadora do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal (SICONV).

Laís contou que o grande desafio atual é a implementação e a mudança de cultura no universo das organizações que atuam em parcerias com o poder público.

Gisele Karina Santana, uma das debatedoras, contou ao GIFE, em uma matéria especial, como se deu este processo no município de Osasco. Segundo ela, todo o esforço se deu no sentido de construir diálogos para buscar uma solução local, porém intrinsecamente ligada à política nacional.

 

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