Povos indígenas no sul da Bahia vivem sob constantes ataques por seus territórios

Por: GIFE| Notícias| 15/04/2024

Acampamento Terra Livre reuniu indígenas de centenas de etnias de todas as regiões do país em 2023. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Em um mês foram registrados pelo menos oito ataques contra povos indígenas na região. Tema terá atenção especial na 20ª edição do Acampamento Terra Livre, que acontece entre os dias 22 e 26 de abril, em Brasília

A Relatora Especial da Organização das Nações Unidas para a situação dos defensores dos direitos humanos, Mary Lawlor, visitou na última semana os povos indígenas no sul e extremo sul da Bahia. A mandatária está no Brasil desde a última segunda-feira (08), e entre os objetivos da visita, está avaliar o ambiente para os defensores dos direitos humanos. 

A região vive sob constante violência. De 14 de dezembro de 2023 a 21 de janeiro deste ano, foram registrados pelo menos oito ataques “de supostos fazendeiros” contra povos indígenas, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário – Cimi. Uma das vítimas foi a pajé Maria de Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, assassinada durante a ocupação de uma fazenda. O nome da pajé se junta ao de Gustavo Pataxó, Vitor Pataxó, Irís Pataxó, Samuel Pataxó, Inauí Pataxó, Lucas Pataxó/Kariri Sapuyá. 

O conflito é potencializado pelos interesses da agroindústria de celulose, da pecuária, e do setor turístico.

“Nada mudou”

Diante da grande repercussão da crise, foi criada em 2023 uma Força Integrada de Combate a Crimes Comuns que envolve Povos e Comunidades Tradicionais pela Secretaria da Segurança Pública do estado, com prioridade para o extremo sul.

Um ano depois, no entanto, o fundador da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), José Augusto Sampaio, o Guga, observa que nada mudou.

“A situação de insegurança permanece, porque a indefinição com relação à demarcação da terra permanece. Tem terra indígena pronta para ser demarcada, que não é feita por decisão política”. O indigenista afirma que é improvável que haja alguma demarcação ainda esse ano, devido às eleições municipais. 

Já o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) anunciou a elaboração de um plano de proteção territorial, além da criação de um Gabinete de Crise para monitorar conflitos. “O MPI faz aquilo que dá pra fazer, já que não pode demarcar”, completa.

Diante dessa inação, os Pataxó iniciaram uma série de retomadas de territórios. Através de imagens de satélite, a Anaí identificou que grande parte dos territórios já está nas mãos dos Pataxó, apesar das ações de reintegração de posse pendentes de decisão judicial.

Uma das áreas não demarcadas na região hoje é a Aldeia Pataxó Novos Guerreiros, no território Ponta Grande, terra da estudante de Direito Thyara Pataxó. Presidente da Associação de Jovens Indígenas Pataxó, ela conta que o território ainda está em processo de estudo antropológico. “Sempre convivemos com a violência, por conta da não demarcação. Os ataques não são apenas de ruralistas. Os processos de reintegração de posse são muito violentos.” 

Acampamento Terra Livre

Esse ano, a 20ª edição do Acampamento Terra Livre acontece entre os dias 22 e 26 de abril, em Brasília. O tema escolhido é “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui”.

Para José Augusto, a expectativa é de que o ATL continue como um importante espaço de denúncia. “O cenário político atual é desfavorável. O governo é um espaço de disputas, e o lado pró-indígena tem se fragilizado.”

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, declarou em um evento na última semana na Inglaterra que planeja homologar mais seis TI’s até o final de abril. Em um ano de governo, foram homologadas oito das 14 áreas apresentadas pelo MPI.

Thyara Pataxó ressalta que, quando o Estado se omite de cumprir com as demarcações, casos de violência se tornam frequentes. “As pessoas ainda tentam atrelar o genocídio indígena a 1.500, não sabendo que ele vem acontecendo todos os dias.”

Diante desse quadro, Thyara acredita que o investimento social privado tem desempenhado um papel crucial, “que deveria ser feito pelo Estado”. Em sua comunidade, por exemplo, só foi possível a construção de uma escola indígena através de parceria com empresas.

“Era um sonho das lideranças mais velhas. Através de editais dessas organizações, conseguimos fazer por nossas comunidades o que o governo não faz. Muitos povos não falam português, não conseguem se articular internamente para buscar recursos. Quando somos contemplados, ficamos muito felizes”. A ativista também destaca o papel das organizações da sociedade civil no advocacy pela demarcação.


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