Brasil entra para a Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes liderada pela ONU

Por: GIFE| Notícias| 18/06/2018

Desde o começo de junho o Brasil faz parte da Parceria Global pelo fim da violência contra crianças e adolescentes (Global Partnership to End Violence Against Children) que reúne governos, agências da Organização das Nações Unidas (ONU), organizações internacionais, sociedade civil, grupos religiosos, setor privado, fundações filantrópicas, pesquisadores, acadêmicos e crianças. Criada em 2016 com o objetivo de erradicar a violência contra crianças e adolescentes em todos os países, comunidades e famílias do mundo, a Parceria Global conta hoje com 21 países, incluindo agora o Brasil. Os demais são: Armênia, Canadá, El Salvador, Emirados Árabes, Geórgia, Indonésia, Jamaica, Japão, México, Mongólia, Montenegro, Nigéria, Paraguai, Filipinas, Romênia, África do Sul, Sri Lanka, Suécia, Tanzânia e Uganda.

Três das 17 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) compõem a lista prioritária de desafios aos quais a Parceria Global busca enfrentar: 16.2 – que propõe “acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças”, 16.1 “reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares”, 5.2 “eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos”. Outras metas também estão alinhadas a seus objetivos, e todas podem ser lidas aqui.

Inspiração

Para direcionar as ações, a Parceria Global publicou em 2017 o INSPIRE, um pacote de estratégias dirigido a governos, instituições da sociedade civil e cidadãos comuns e grupos empenhados em enfrentar esse problema, que é mundial.

Sete estratégias compõem o material que pode ser encontrado em português no site do grupo. Cada uma vem acompanhada de possíveis medidas a serem tomadas, quais setores da sociedade estão relacionados, atividades transversais e resultados esperados. São elas: 1) Implementação e vigilância do cumprimento das leis; 2) Normas e valores; 3) Segurança do ambiente; 4) Pais, mães e cuidadores recebem apoio; 5) Incremento de renda e fortalecimento econômico; 6) Resposta de serviços de atenção e apoio e 7) Educação e habilidades para a vida.

Pressão nacional

No final de janeiro de 2018, 45 organizações da sociedade civil, redes e fóruns que atuam na defesa, promoção e controle social dos direitos de crianças e adolescentes entregaram uma carta a representantes dos ministérios dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Social. Os objetivos da coalizão eram solicitar que o Estado Brasileiro implementasse estratégias sistemáticas, integradas e multissetoriais com absoluta prioridade para pôr fim à violência contra esse público no Brasil; e estabelecesse mecanismos de avaliação e monitoramento dessas políticas. Para isso, o pedido era que o Brasil se engajasse na Parceria Global, tornando-se um país pioneiro (pathfinding country) na iniciativa.

“Foi fundamental colocar o país nesse grupo que vai discutir, trocar informações e estratégias baseadas em evidências de como desenvolver políticas públicas e regulatórias. Algumas dessas estratégias estão no INSPIRE, que traz exemplos do mundo inteiro em como construir caminhos, baseados em metodologias de pesquisas qualificadas, para a redução da violência contra crianças e adolescentes. Uma delas vem do Brasil, com o Bolsa Família, visto que programas de transferências de renda têm impacto significativo na redução de violência contra esses públicos”, conta Pedro Hartung, coordenador do Programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. Pedro representou a coalizão na Cúpula Agenda 2030, em fevereiro, evento que reuniu representantes de mais de 20 países em Estocolmo, na Suécia, para debater ações de proteção às crianças e aos adolescentes. O ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, também participou.

Entre as demais solicitações descritas na carta do grupo das organizações da sociedade civil, estão: 1) A elaboração de um plano nacional de estratégias sistêmicas, intersetoriais e interministeriais para redução de taxas de letalidade e todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes; 2) A criação de um banco nacional e unificado de dados sobre esse tipo de violência no Brasil; 3) O monitoramento e a avaliação constantes dos planos nacionais e políticas de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes; 4) A destinação prioritária de recursos orçamentários para a prevenção, a promoção e proteção dos direitos da criança, em especial para políticas de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes.

Mobilização e participação

Para Cláudia Sintoni, especialista em mobilização do Itaú Social, uma das entidades da coalizão, a entrada do Brasil na Parceria Global encontrou ressonância nas organizações sociais. “Nosso primeiro movimento foi reunir todas as informações das violências contra crianças e adolescentes. Elaboramos uma carta com muita consistência de dados, incluindo também ações que o Brasil já tem, como o programa de combate ao trabalho infantil. Ter esse registro organizado, atualizado e o entregar para o governo já foi um passo muito importante porque mostrou que há muitas instituições olhando e trabalhando por essa causa. Esse esforço de organização de dados sempre é relevante”, pontua.

De acordo com a carta da coalizão, “o poder desta Parceria Global é mobilizar e engajar governos e líderes mundiais, de diferentes áreas como desenvolvimento, resposta humanitária e de financiamento para uma ação global coletiva, comprometidos no uso de sua atuação e voz, juntamente com o capital político e financeiro para: 1) mudar leis e políticas, 2) implementar planos de ação baseados em evidências multissetoriais e multi-stakeholder, 3) compartilhar lições aprendidas e 4) compartilhar responsabilidades.”

“A Coalizão nasceu com esse intuito: mobilizar a agenda nacional para garantir que políticas públicas sejam elaboradas e efetivamente cumpridas com urgência. Outras estratégias estão sendo a mobilização e participação de debates tocando na urgência da temática”, lembra Pedro Hartung.

A movimentação, entretanto, fortaleceu ainda mais as organizações da sociedade civil e vem permitindo atuações complementares à adesão à Parceria. “Acabamos de assinar em conjunto outras cartas que dizem respeito aos direitos da criança e do adolescente. Uma delas foi um documento que chancelamos junto com o Fórum Nacional DCA reforçando o veto presidencial para que o Sistema Nacional Socioeducativo (Sinase) não integre o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). As medidas socioeducativas precisam ser garantidas e o Sinase mantido. Estamos nos fortalecendo e fortalecendo várias pautas correlatas. Continuamos em movimento. O significado mais importante é que o Brasil assume um compromisso público e internacional de elaborar políticas públicas pelo fim da violência contra crianças e adolescentes. O fato de estarmos nessa parceria faz com que o país seja acompanhado pelos atores internacionais”, completa Cláudia Sintoni.

Violências diárias

As estatísticas brasileiras em relação aos cuidados com crianças e adolescentes são alarmantes. Denúncias de violências contra crianças corresponderam a 58% das ligações recebidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (Disque 100) em 2016. As três modalidades de violência mais denunciadas são formas de violência doméstica: negligência (com 37,6%), violência psicológica (23,4%), violência física (22,2%) e violência sexual (10,9%). E, segundo as informações reunidas na carta pela coalizão, 68% das crianças no Brasil disseram sofrer punição corporal em casa, o que leva ao número de 30.311.950 vítimas de violência doméstica com até 14 anos de idade.

Outros dados constroem um cenário desafiador. O Brasil é 3o  no ranking mundial de mortes de adolescentes: 46% dos jovens entre 15 e 17 anos, que morreram em 2013, foram por homicídio. Foram assassinadas 29 crianças e adolescentes por dia nesse mesmo ano, sendo que as armas de fogo estiveram presentes em 78,2% dos homicídios desses grupos de até 17 anos. Os dados são do estudo Violência Letal contra Crianças e Adolescentes do Brasil, realizado em 2013, pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil). Meninos de 10 a 19 anos são as principais vítimas: o Brasil tem a sétima maior taxa de homicídios nessa faixa, segundo o levantamento Um Rosto Familiar: A violência na vida de crianças e adolescentes, de 2017, pelo Unicef.

Organizações da coalizão acreditam que muitos avanços foram alcançados pelo Brasil nos últimos anos quando o assunto é criação de leis, políticas públicas e programas sociais que buscam erradicar a violência contra crianças e adolescentes. Porém, “essas ações devem ser sistemáticas, integradas e multissetoriais, para que sejam efetivas e capazes de proteger crianças e adolescentes que sofrem com a violência em todas as suas formas”, concluem no documento.

“Infelizmente somos um dos países que mais permite violências contra crianças e adolescentes como a doméstica e o homicídio da população jovem e negra. O Estado brasileiro tem o dever de encontrar mecanismos e estratégias para lidar com este problema grave e complexo ao mesmo tempo”, declara Hartung, do Instituto Alana.

Próximos passos

A coalizão agora vai acompanhar e monitorar o cumprimento desse compromisso do Estado, principalmente no que se refere à criação de estratégias para avançar em temas como homicídio da população jovem e negra, a violência doméstica, exploração e abuso sexual e trabalho infantil. Segundo Hartung, o diálogo sobre dados do panorama global da violência contra crianças e adolescentes no Brasil é crucial para a aplicação de políticas públicas na garantia de um desenvolvimento social, econômico, sustentável e digno, assegurando os direitos de crianças e adolescentes já previstos na Constituição Federal, especialmente no artigo 227 que diz que crianças e adolescentes devem ser prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado. “Queremos garantias de que essas políticas públicas sejam executadas com financiamento e com uma produção contundente de dados para que possamos juntos desenvolver ações baseadas em evidências e com efetividade”, diz.

Edital da infância e da adolescência

Tocando na temática de financiamento, até 3 de agosto, Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de todo o país, gestores dos Fundos, podem inscrever suas propostas no Edital de apoio ao Fundo da Infância e da Adolescência (FIA), criado pelo Itaú Social. Os objetivos do edital são fortalecer, ampliar e contribuir para a continuidade ou criação de ações, serviços, programas ou projetos bem fundamentados e que reduzam e previnam violências e violações de direitos contra crianças e adolescentes e promovam o desenvolvimento integral desse público; além de contribuir para o fortalecimento institucional dos Conselhos na formulação de planos de ação e mobilização de recursos.

“Os Conselhos de Direitos são órgãos privilegiados para pensar a questão dos direitos da criança e do adolescente em seus municípios. Estamos vivendo um momento crucial no país em que não podemos deixar que conquistas importantes de direitos, e quando falamos em crianças e adolescentes que são mais vulneráveis ainda, se percam. Acredito que o edital vem para fortalecer e dizer que estamos apoiando os conselhos nessa batalha do dia a dia”, pondera Cláudia.

Em 2016, foram destinados R$ 11 milhões para 41 municípios, beneficiando mais de 17 mil crianças e adolescentes. O total em 2017 foi mais de R$ 10 milhões para 39 municípios.

Informações estão disponíveis no site do Itaú Social e as inscrições podem ser feitas pelo site www.prosas.com.br. O anúncio dos projetos selecionados está previsto para o último bimestre do ano.

Rede Temática de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente

Para discutir sobre as possíveis contribuições do investimento social privado para a garantia de direitos da criança e do adolescente, a Rede Temática de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente do GIFE reúne aproximadamente 13 organizações que atuam em conjunto para promover melhores práticas nessa agenda. O grupo promoveu uma mesa de debate sobre o tema no X Congresso GIFE – assista na íntegra aqui.


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