Como a filantropia pode ampliar seu compromisso com a agenda de mudanças climáticas
Por: GIFE| GIFEnaCOP| 13/09/2021A não ser que haja reduções imediatas, rápidas e em larga escala das emissões de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa, é muito provável que, nas próximas décadas, a temperatura global da superfície terrestre ultrapasse o aquecimento de 1,5 a 2ºC. Essa é a principal mensagem do novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no início de agosto.
O estudo aponta a grande influência da ação humana no aquecimento do planeta. Entre 1850 e 1900, por exemplo, a emissão de gases foi responsável por um aquecimento aproximado de 1,1º C, efeito das indústrias e desmatamento.
De acordo com dados do ClimaInfo, para manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC – nível estabelecido pelo Acordo de Paris, tratado universal assinado por 195 países em 2015 -, as emissões de dióxido de carbono teriam que diminuir em cerca de 45% entre 2010 e 2030, com emissões líquidas de gases de efeito estufa zeradas até 2050.
Além dos dados de estudos e pesquisas, o noticiário traz ainda mais concretude para a emergência climática, retratando incêndios em diversas regiões do Brasil e do mundo, e furacões como o Ida, que atingiu os Estados Unidos no início de setembro. É diante desse cenário que está programada a realização da COP 26 (Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), em novembro, na Escócia.
O papel do investimento social
Segundo Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), se a crise climática não for controlada, ganhos sociais conquistados nas últimas décadas estarão comprometidos. “É aí que reside a importância fundamental da filantropia, cujo maior objetivo é colaborar para uma sociedade melhor, contribuindo para tal com maiores recursos a fim de garantir um futuro próspero. Hoje, no entanto, a filantropia ainda representa pequena parcela dos montantes doados para a mitigação e adaptação das mudanças climáticas”, afirma.
De acordo com o Censo GIFE 2018, nas subáreas relacionadas ao ambiente natural e à sustentabilidade, 9% dos respondentes mencionaram mudanças climáticas como tema frequente, sendo que 82% não têm foco em ambiente natural e sustentabilidade em nenhum projeto/programa mais representativo. Mudanças climáticas é, inclusive, um dos oito temas da série O que o Investimento Social Privado pode fazer por Mudanças Climáticas?, que reúne agendas nas quais a atuação do ISP ainda é insuficiente.
Segundo Benjamin Bellegy, diretor executivo da Worldwide Initiative Grantmaker Support (WINGS), há oportunidade para que institutos, fundações e demais organizações que compõem o setor filantrópico e do investimento social possam avançar na compreensão sobre a atuação das organizações frente ao tema. Para Benjamin, é urgente que as organizações do setor incluam as mudanças climáticas em suas agendas.
“A questão climática está muito relacionada às desigualdades sociais, às questões de saúde, de novos modelos econômicos, entre outras. O clima não é uma causa separada. Precisamos ter um entendimento mais amplo das missões das organizações e considerar que, para atuar em educação, por exemplo, ou alguma outra área, é preciso que a humanidade sobreviva a essa urgência. Estamos falando de uma crise existencial, então precisamos adaptar nosso pensamento a essa realidade.”
Agenda transversal
Para Ana Toni, uma parte do investimento social privado já tem incorporado a atuação climática às suas causas. A especialista segue a mesma linha de Benjamin ao reforçar que um possível caminho é promover ainda mais conexões entre clima, saúde e educação. Isso porque crianças e jovens que representam as futuras gerações devem aprender, ainda na escola, a lidar com o desafio do clima.
“Não estamos priorizando esse tema nas escolas. A nossa geração não só é responsável por criar o problema do clima, mas seremos também culpados por não propiciar as condições educacionais para capacitar a nova geração em como terão que lidar com isto. É uma injustiça intergeracional, e o ISP que trabalha com educação poderia ser uma importante alavanca para lidar com esta questão.”
Segundo a diretora, a necessidade de trabalhar de forma mais integrada pode abrir caminhos para a realização de projetos colaborativos e em parcerias. O iCS, por exemplo, enquanto organização especializada no tema, busca empregar esforços e recursos para reverter o cenário brasileiro adverso à pauta climática global.
“Apoiamos uma rede de instituições e de projetos com pautas diversificadas, mas sempre aderentes ao objetivo de promover mudanças reais e capazes de gerar impactos positivos pró-agenda do clima. Assim, com uma produção diversificada de pesquisas, estudos e debates, conseguimos contribuir para um ambiente que favoreça positivamente a tomada de decisão orientada à mudança que queremos na agenda climática e no desenvolvimento sustentável no Brasil”, ressalta Ana.
Compromisso filantrópico sobre mudanças climáticas
Considerando o cenário de emergência climática e a importância da união de esforços de diferentes setores da sociedade, a WINGS lançou o Compromisso Internacional da Filantropia sobre Mudanças Climáticas (do inglês International Philanthropy Commitment on Climate Change). Inspirado em iniciativas internacionais da Inglaterra, França e Espanha, o movimento representa um chamado para que organizações filantrópicas do mundo todo – independente de sua localização ou área/campo de atuação – assinem a carta aberta como forma de manifestar seu compromisso com a agenda climática.
Elaborada por mais de 40 organizações, entre elas o GIFE, a carta compromisso elenca sete formas de agir. A ideia é que as organizações signatárias se comprometam com a instrução de seus conselhos, com a alocação de recursos para as mudanças climáticas, a integração do tema em outras agendas, minimizem o impacto de suas operações, incentivem que outros atores atuem da mesma forma e sejam transparentes sobre as ações realizadas.
Benjamin explica que, nesse momento, o foco é coletar o máximo de assinaturas até novembro, com o objetivo de mostrar, durante a COP26, que o setor filantrópico está atento, comprometido e se mobilizando diante da emergência climática. Apesar do objetivo de mobilizar novas organizações, a carta representa apenas o início das ações.
“Esse é só o primeiro passo de um processo de troca de práticas e ideias. Para uma organização que não atua no tema do clima, pode parecer complicado ou difícil pensar nessas questões. Como partir para a ação? Quais são as possibilidades e os obstáculos? Por isso, criar um movimento de articulação global, com repercussões locais, pode nos ajudar a sair desse sentimento de impotência e de não saber por onde começar. Juntos temos mais energia, recursos e ferramentas para começar a atuar”, defende.
Mudando a filantropia
Um dos compromissos sinalizados pela carta é tomar medidas ambiciosas para minimizar o impacto climático das operações das próprias organizações.
Nesse sentido, a pandemia de Covid-19 reforçou conceitos como a interdependência e, portanto, a importância de uma articulação global, e a interconexão da questão do clima com outras pautas, deixando claro que é possível e, em muitos casos mais produtivo e econômico, investir mais em reuniões online do que um deslocamento, seja de carro ou avião.
Saiba mais
O texto do Compromisso Internacional da Filantropia sobre Mudanças Climáticas está disponível em oito idiomas e pode ser acessado no site da iniciativa. Eventuais dúvidas podem ser esclarecidas com o GIFE, representante do Compromisso no Brasil.