A filantropia negra e os caminhos ancestrais rumo à justiça ambiental
Por: GIFE| Notícias| 15/07/2024A agricultora Sueli de Oliveira no Quilombo Dona Bilina durante colheita dos insumos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A combinação das mudanças climáticas com os efeitos das desigualdades sociais no Brasil tem impactado severamente a vida das populações negras. De acordo com a avaliação de lideranças de organizações que atuam na pauta, esse é o retrato de um país cujas heranças coloniais atravessaram o tempo.
Calor extremo, inundações, deslizamentos, secas, incêndios. Eventos como esses têm se tornado cada vez mais comuns devido às consequências do desequilíbrio ambiental provocado pelo ser humano. No entanto, os impactos disso são sentidos de formas desproporcionais de acordo com os territórios.
Um estudo realizado pela empresa WayCarbon em parceria com a organização Redes da Maré, divulgado em 2023, mostrou, por exemplo, que o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, está suscetível a reiterados episódios de calor intenso e inundações fluviais. Realidade que dialoga com a falta de infraestrutura adequada nas periferias do Brasil.
“A falta de acesso a políticas públicas ambientais e sociais, como o acesso a saneamento básico, moradia, alimentação de qualidade, direito à terra, transporte público, emprego e renda, combinada aos efeitos das mudanças climáticas gera uma crise humanitária sem precedentes”, avalia Lidia Lins, liderança da Rede Vozes Negras pelo Clima. A ativista ressalta que isso aponta para a necessidade do desenvolvimento cada vez maior de projetos socioambientais.
Para Naira Santa Rita Wayand, fundadora e diretora executiva do Instituto DuClima, esse desenvolvimento pode acontecer através da filantropia negra, que possui munição para mitigar os impactos das desigualdades sociais. “A história da filantropia negra é marcada pela sua capacidade de direcionar recursos e apoio para iniciativas que fortalecem economicamente, socialmente e culturalmente as comunidades negras”, destaca. “Então essa filantropia desempenha um papel crucial na promoção da justiça ambiental ao direcionar atenção, escuta e investimento para iniciativas que abordam desigualdades estruturais e impactos ambientais desproporcionais enfrentados pelas comunidades negras, como o racismo ambiental”, completa.
A importância das doações também se revelam a partir dos números que confirmam o baixo investimento em ações que podem promover mudanças positivas nos territórios negros. Dados do Censo GIFE 22-23 mostraram que áreas como as remanescentes de quilombo tiveram atuação direta de apenas 10% das organizações respondentes. Tudo isso em um cenário onde 98,2% dos territórios quilombolas estão ameaçados no Brasil, de acordo com dados de um levantamento inédito, lançado em maio deste ano, pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
“O empoderamento das comunidades negras, dentro do modelo político, cultural e econômico que vivemos, passa diretamente pelo acesso a recursos financeiros para combater o empobrecimento, promover o acesso a tecnologias e possibilitar o desenvolvimento dessas comunidades que sofrem sistematicamente com as mazelas impostas pelo racismo”, frisou Lídia Lins.
BPM 2024
A justiça ambiental é justamente um dos temas do BPM 2024 – Mês da Filantropia Negra, que acontece no próximo dia 8 de agosto, em Salvador (BA). Através de diálogos alicerçados no afrofuturismo e nas influências deixadas pelos saudosos Nêgo Bispo e Martin Luther King, o evento abordará questões acerca do futuro da filantropia negra.
“O BPM serve como um momento crucial para educar e sensibilizar tanto doadores individuais quanto institucionais sobre a importância de direcionar recursos para organizações negras”, comenta Naira Santa Rita Wayand.
Ponto de vista partilhado por Lídia Lins, que alerta que os atuais tempos de crise exigem tomadas enérgicas de decisão. “Dessa forma, as práticas filantrópicas devem estar cada vez mais atentas. Não há tempo a perder”, finalizou.
Com o tema “Futuros da Filantropia Negra”, o BPM 2024 acontece no próximo dia 8 de agosto em Salvador. As inscrições são gratuitas e há limites de vagas para o presencial. O evento também será transmitido pelo Youtube. Inscreva-se aqui.
O Mês da Filantropia Negra 2024 tem realização do The WISE Fund e do GIFE, com apoio da Fundação Grupo Volkswagen, Aegea Saneamento, Imaginable Futures, Instituto C&A, B3 Social e Fundação Maria Emília.