Articulação intersetorial e combate à desinformação: as possibilidades de atuação do investimento social em Saúde

Por: GIFE| Notícias| 24/01/2022
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De acordo com dados do Censo GIFE 2018, 42% dos institutos, fundações e empresas respondentes desenvolviam ou apoiavam projetos e programas em saúde e bem-estar. A nova edição da pesquisa, o Censo GIFE 2020, mostra que houve um aumento de cerca de 21 pontos percentuais, com 63% de organizações atuando na agenda. Dessas, 15% passaram a fazê-lo durante a crise e não devem dar continuidade às ações, ao passo que 8% não atuavam, mas pretendem dar continuidade. 

Nestes quase dois anos de crise sanitária global, muitas medidas foram tomadas para evitar um número ainda maior de vítimas da Covid-19, como debates sobre a importância da prática de exercícios físicos e boa alimentação até a atenção para o bem-estar emocional e saúde mental, agendas em destaque diante do estresse e incertezas provocados pela pandemia e sobrecarga ocasionada pelas longas horas de trabalho remoto. 

Para entender quais são as perspectivas para a Saúde em 2022, os temas que devem ser olhados com atenção por institutos, fundações e empresas e as oportunidades de atuação para o investimento social, o redeGIFE conversou com Evelyn Santos, coordenadora de projetos da Umane – uma das organizações coordenadoras da Rede Temática de Saúde do GIFE. 

 

redeGIFE: Há mais conscientização sobre a importância da sociedade apoiar iniciativas de saúde, independente de uma emergência sanitária? 

Evelyn: Acredito que sim, mas não podemos perder de vista o próximo desafio. Uma grande parte das instituições da área da educação vem trabalhando há décadas em parceria com o setor público. No setor de saúde, por sua vez, apesar do cenário bastante complexo e ritmo de mudanças cada vez mais acelerado, as instituições orientadas estrategicamente ao trabalho de parceria com o setor público costumam ser poucas ou bem recentes. Dessa forma, nosso próximo passo é a conscientização sobre a necessidade de apoiar iniciativas mais amplas, que aprendam a trabalhar em conjunto para potencializar o Sistema Único de Saúde [SUS], e não apenas ações e iniciativas pontuais da pandemia ou da vacinação.

 

redeGIFE: O distanciamento social mostrou que saúde vai além de estar fisicamente saudável e envolve também a saúde mental, tema muito debatido atualmente. Na sua análise, por que foi necessário um evento da magnitude da pandemia de Covid-19 para que mais pessoas passassem a se preocupar com o bem-estar emocional? 

Evelyn: A pandemia escancarou e, infelizmente, exacerbou questões de saúde mental de forma muito rápida. Com o cenário de incertezas e distanciamento, ficou óbvia não só a importância, mas também o impacto que a saúde mental pode ter no nosso dia a dia. Algumas melhorias aconteceram com certeza, mas esse ainda é um tema muito negligenciado no Brasil em diferentes contextos. Em países como os Estados Unidos, o volume de instituições e alocação de recursos na área é incomparável ao cenário brasileiro, especialmente aquelas orientadas a melhorar políticas públicas ou a prover acesso ao cuidado em saúde mental entre aqueles que mais precisam. 

 

redeGIFE: Quais são algumas oportunidades para promoção do bem-estar considerando tudo o que as pessoas viveram nos últimos dois anos, como isolamento social e menos vivência em espaços abertos e verdes? 

Evelyn: Uma grande oportunidade está justamente em valorizar a prática de atividades físicas e a realização de reuniões e eventos em espaços mais abertos e verdes, uma vez que locais fechados são os mais propícios à disseminação de doenças infectocontagiosas em geral. Há uma relação entre essas duas ações, e a grande questão é como tornar esses espaços verdes acessíveis a todos os cidadãos, e não apenas aos privilegiados. Uma possibilidade é usar a atividade física enquanto meio de transporte, o que gera questionamentos, como de que forma alguém que não mora em uma área nobre pode chegar de bicicleta ao seu trabalho? Que estruturas precisamos criar ou incentivar para que isso aconteça de forma mais sistemática?

 

redeGIFE: Saúde é uma pauta intersetorial. Assim, como você vê a possibilidade de união de esforços de diferentes frentes – poder público, iniciativa privada, organizações da sociedade civil – para promover múltiplas iniciativas que, direta ou indiretamente, beneficiem a saúde? 

Evelyn: Existem muitas possibilidades, mas é necessário cautela. A promoção da saúde e prevenção de fatores de risco é repleta de exemplos de conflitos de interesses e de socialwashing [apelo de marketing a partir de ações aparentemente alinhadas a causas sociais com o objetivo de autopromoção]. Para além disso, quando alguns atores dessas parcerias, principalmente os investidores sociais, estão muito distantes do problema real dos territórios e das demandas mais importantes para o cidadão, é enorme a possibilidade de que os projetos e propostas não ataquem os desafios mais relevantes daquela comunidade e não obtenham os resultados esperados. 

 

redeGIFE: Qual seria, então, uma forma de promover articulações mais benéficas para todos, tanto para quem realiza a ação, quanto para os beneficiários? 

Evelyn: Pensando no público do GIFE, um bom primeiro passo seria trabalhar diretamente no território e aprender mais sobre potenciais conflitos de interesse e em como restringir parcerias conflituosas. Em alguns casos, esses possíveis conflitos de interesses ficam bastante óbvios, como uma cadeia de fast food ou ultraprocessados que cria um instituto que trabalha com alimentação saudável ou uma indústria de bebidas alcoólicas cujo instituto trabalha o tema do consumo responsável. Apesar desses exemplos, na maioria dos temas, as questões não são tão óbvias. Por isso, realizar encontros e elaborar um guia de boas práticas com as organizações que compõem o GIFE pode ser uma ótima forma de começar. 

 

redeGIFE: Quais são as oportunidades para organizações que, mesmo que não atuem diretamente na pauta da saúde, promovam ações com efeitos positivos na agenda?

Evelyn: Realizar ações simples, mas efetivas, dentro das suas próprias instituições já traria efeitos muito positivos. Falo isso, pois, atualmente, temos um amplo referencial, desde publicações como o Guia Alimentar para a População Brasileira, os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema Único de Saúde – que abrangem diversas doenças crônicas -, as recomendações da Organização Mundial da Saúde para promoção da atividade física em todos os ciclos da vida, incluindo os menores de 5 anos de idade, que foram endossadas pelo Ministério da Saúde Brasileiro [Guia de Atividade Física para a População Brasileira], recomendações para prevenção do câncer, entre outras. Criar uma comissão ou posição focada em engajar seus funcionários e tentar tirar essas diretrizes do papel e colocá-las em prática teria efeitos muito positivos a nível local. Além disso, ajudaria a combater o grande problema da desinformação em saúde, que, muitas vezes, ocorre nas redes sociais, deixando os cidadãos cada vez mais confusos sobre qual orientação seguir. 

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