Os caminhos para romper com o pacto narcísico da branquitude
Por: GIFE| Notícias| 20/03/2023A próxima terça-feira (21) marca o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao Massacre de Sharpeville, que ocorreu na África do Sul em 1960. Combater a discriminação racial não é possível sem a contribuição de quem herdou os privilégios dela decorrentes.
Para Suzana Maia, professora de Antropologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a posição que cada um ocupa na sociedade está definida pelo contexto socioeconômico em que cada um nasce. “No entanto, é necessário entender que a posição que herdamos pode ou não ser perpetuada a partir de como agimos frente a um contexto dado. A branquitude deve se responsabilizar pela continuação ou ruptura com o privilégio estrutural herdado.”
Pesquisadora do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), Suzana Maia acredita que o lugar de fala deve se remeter ao direito das pessoas negras serem ouvidas, e ao lugar de escuta que as pessoas brancas deveriam assumir ao se engajarem na luta antirracista.
André Degenszajn é diretor-presidente do Instituto Ibirapitanga e para ele, falar em “branquitude antirracista” é um paradoxo. Isso porque, defende, branquitude é uma ideologia que percebe os negros como inferiores. “Pessoas brancas podem assumir posturas racistas ou antirracistas. A branquitude, como diz a professora Lia Schucman, é o próprio racismo”, pontua. Já as distorções de conceitos como lugar de fala e racismo estrutural, atribui à preguiça intelectual.
“A apropriação de conceitos e compreensões por parte dos grupos hegemônicos não é um fenômeno novo”, afirma Giovanni Harvey, diretor-executivo do Fundo Baobá. Ele ressalta o papel fundamental das pessoas negras na construção de políticas públicas de enfrentamento ao racismo. “Chegamos até aqui em franca oposição à branquitude. Foram as pessoas negras que contestaram a narrativa dominante e suplantaram os argumentos desse grupo. Não esperamos que o avanço da nossa luta esteja vinculado à tomada de consciência da branquitude.”
Pacto narcísico da branquitude
O termo “pacto narcísico da branquitude” foi cunhado pela psicóloga e ativista Cida Bento para desvelar o compromisso da branquitude em manter a estrutura racial que os privilegia. Suzana Maia observa que, neste pacto, processos como a exploração de trabalho para acumulação de riqueza da branquitude, são sistematicamente ocultados e substituídos pelo discurso da meritocracia.
“Desconstruir este discurso provoca um intenso desconforto nas pessoas brancas, que preferem estar perto dos que consideram seus iguais”. Assim, na escolha de postos de trabalho ou de posições de poder, essas pessoas optam apenas por aqueles que reforçam seus próprios valores, e não questionam seu privilégio.
Para romper com esse ciclo, destaca Giovanni Harvey, é preciso construir pólos contra hegemônicos, estabelecer novas referências e fazer o enfrentamento direto a essas formulações.
Protagonismo do movimento negro
Diante desses desafios, aponta André Degenszajn, entre os caminhos possíveis estão a ocupação de espaços de poder por pessoas negras e a reconstrução de um olhar sobre a história e cultura negras a partir de perspectivas que não sejam informadas pelo olhar branco. “O investimento social privado com frequência reconhece a centralidade do combate às desigualdades nas suas estratégias. Mas, com menos frequência reconhece a centralidade do racismo na produção de desigualdades.”
Para Giovanni Harvey, a filantropia pode ser uma ferramenta poderosa. Mas chama atenção para que não se subestime a história de resistência do movimento social negro. “Devemos resistir à tentação de acreditar que o modus operandi hegemônico, cujo poder reside na concentração de renda, é capaz de liderar grandes transformações em relação a esse tema.”
Para André Degenszajn é preciso uma tomada de responsabilidade das pessoas brancas. “Muitas vezes se confunde o reconhecimento do protagonismo dos movimentos negros na luta antirracista com a responsabilidade pelo fim do racismo. Como Sueli Carneiro costuma nos lembrar, o racismo é uma invenção dos brancos.”