Brasil ainda não tem tradição na pesquisa acadêmica sobre filantropia

Por: GIFE| Notícias| 21/08/2023

Se os recentes dados sobre a queda recorde na produção científica brasileira preocupam, a produção científica no campo da filantropia nem mesmo têm o que cair, de tão baixa. É a avaliação do coordenador do Núcleo de Pesquisa em Filantropia da Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLES), Marcos Paulo de Lucca Silveira.

“O Brasil é incipiente na produção de conhecimento sobre filantropia na academia. Sobre institutos familiares a produção é próxima de zero”, destaca o pesquisador. Ele explica que alguns temas do investimento social privado (ISP), quando se aproximam de áreas como administração e economia, alcançam produções de mais qualidade. Mas, ainda incomparável com a produção norte-americana, por exemplo.

Esse diagnóstico, afirma, parte do Núcleo de Pesquisa em Filantropia, criado em 2020 pela FJLES para realizar pesquisas acadêmicas, produção e disseminação de conhecimento de excelência internacional sobre filantropia. Além das atividades de pesquisa, o grupo atua na formação de cientistas sociais em programação e análise de dados.

Um ponto destacado por Marcos Silveira é a falta de dados e microdados públicos de qualidade. “Isso limita drasticamente a pesquisa científica de qualidade sobre o tema. Porque sem dado disponível, não se consegue publicar em revistas de excelência.”

Apesar da percepção sobre o cenário brasileiro, não existem levantamentos que demonstrem o quadro com precisão. Ana Carolina Velasco, gerente de relacionamento institucional do Insper, tem 17 anos de atuação no campo do investimento social, e relata que já pôde acompanhar a publicação de vários estudos voltados ao entendimento dos impactos gerados pelo setor no Brasil. No entanto, observa que poucas pesquisas produzidas sobre a temática tornaram-se influenciadoras dos principais players

“Apesar de subjetiva, minha leitura baseia-se na constatação de uma carência de estudos que se tornaram benchmarks para que o setor pudesse tomar decisões sobre eficiência do ISP com base em evidências”, completa. 

Para Marcos Silveira, é possível observar essa percepção na busca por palavras-chaves ao fazer uma pesquisa acadêmica. “Ao buscar por ‘filantropia’ ou ‘investimento social privado’, você não encontra quase nada”. De acordo com ele, um dos fatores que provoca esse panorama é a ausência da tradição no Brasil de se ter um instituto de pesquisa em filantropia dentro das universidades. 

Segundo o coordenador, o Núcleo da FJLES é composto por um grupo de pesquisadores especializados em conectar o conhecimento acadêmico a problemas sociais e questões do campo da filantropia. Entre as principais linhas de pesquisa estão: filantropia familiar; fundações e institutos; mapeamento e perfil dos doadores e filantropia corporativa.

Há uma tendência, mesmo que lenta, de mudança

Por outro lado, desde a pandemia de Covid-19 e com o papel de destaque da filantropia e do ISP durante a crise, Marcos Silveira têm observado uma tendência à mudança desse cenário. Ainda que lenta.

Apesar de o Núcleo da FJLES também estimular o aumento do interesse e da adesão no estudo sobre o tema, por meio de bolsas para jovens pesquisadores, por exemplo, os efeitos ainda são pontuais. “Pra ter um impacto maior leva tempo”, pondera. 

Ana Carolina ressalta que há um significativo espaço nas instituições de ensino para ampliação de cursos que aprofundem o entendimento e a reflexão sobre os dados e evidências disponibilizadas pelas pesquisas no campo do ISP. “O Insper já dispõem de várias iniciativas nessa linha e pretende expandi-las com foco em tomadores de decisão.” 

Para Marcos Silveira, não é possível medir o impacto social das ações filantrópicas e de todo recurso alocado no setor, sem estudos científicos rigorosos e validados na academia, com dados que sejam públicos e com análises feitas dentro dos critérios científicos. 

“É preciso entender qual posição o ISP precisa ocupar numa sociedade democrática. E a pesquisa é o critério para entender os erros, acertos, e como melhorar para maximizar o bem social. Precisamos adquirir cultura nesse ponto e estamos adquirindo”, finaliza. 

A produção de conhecimento no GIFE

A área de Conhecimento do GIFE é responsável por monitorar, mapear, produzir e disseminar conhecimento qualificado sobre o campo da filantropia, do investimento social privado (ISP) e da sociedade civil no Brasil. Essa produção, que inclui sistematização de dados, pesquisas e publicações, é fonte de conhecimento que qualifica os debates sobre o setor e que contribui para a tomada de decisão das instituições associadas e parceiras. Acesse nossas plataformas.


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