“Estão sendo criadas mais fundações familiares, pode não ser muito ainda, mas é um sinal de maior responsabilização das elites”, afirma Neca Setubal

Por: GIFE| Notícias| 07/10/2024

Neca Setúbal, presidente do Conselho Curador da Fundação Tide Setubal.

Na segunda entrevista da série Caminhos para Justiça Social, produzida pelo redeGIFE, conversamos com Maria Alice “Neca” Setúbal sobre temas como a taxação de fortunas e doação no Brasil

A sequência da série Caminhos para Justiça Social, traz temas como Reforma Tributária, desigualdades de raça e gênero e aumento nas doações entre famílias ricas. A segunda convidada é Maria Alice “Neca” Setubal, presidente do Conselho Curador da Fundação Tide Setubal

A filantropa e acionista do Banco Itaú, é socióloga, doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Neca também é autora do recém-publicado livro “Minha escolha pela ação social: Sobre legados, territórios e democracia”.

De acordo com ranking anual da Forbes, o Brasil ocupa o 7º lugar entre os países com maior número de bilionários no mundo. Dados do relatório da Oxfam, lançado em janeiro de 2024, também mostram que 63% da riqueza brasileira está concentrada em 1% da população. Considerando este cenário, por que os super ricos do Brasil doam tão pouco em relação a sua riqueza?

Para dizer a verdade, eu atuo nessa área há mais de 40 anos, e sempre me faço essa pergunta. Mas não podemos generalizar. Ao longo dos últimos anos, estão sendo criadas mais fundações familiares. Isso é um sinal de maior responsabilização das elites, das famílias mais ricas em direção a uma maior doação. Pode não ser muito ainda, nem proporcional à riqueza, mas tem um movimento maior nessa direção. Outro fator é que muitas vezes as famílias têm suas fundações empresariais, então elas fazem algumas doações paralelas na pessoa física, mas veem como se o seu papel já estivesse sendo cumprido através das suas empresas. Mas concordo que é pouco e não sei responder porque não é mais. Por outro lado, as pessoas sempre falam “mas nos Estados Unidos é muito maior”. Eu rebato que não é bem assim, nos EUA as famílias têm fundações enormes, mas deixam de pagar o imposto de renda para isso. Então esse recurso é subsidiado. Aqui não tem esse recurso, o que tem é a Lei Rouanet, que é um percentual pequeno. Então não dá para comparar. 

Nesse momento, a Reforma Tributária sobre o consumo segue em processo de regulamentação no Parlamento. Já para sua segunda etapa, existe uma grande, porém incerta, expectativa para a taxação sobre grandes fortunas. Qual a sua expectativa em relação ao avanço dessa agenda nesse momento?

Eu assinei um artigo [“Sim, taxem os bilionário”] junto com a Luísa Trajano, o ministro Alexandre Padilha e o Paulo Pereira, me posicionando a favor da taxação das grandes fortunas e de uma reforma progressiva do imposto de renda. Eu acredito que algum avanço nós vamos ter em relação a essa segunda parte de uma reforma mais progressiva, mas acho difícil avançar muito no Congresso tão conservador que nós temos. Então, não tenho expectativa de uma grande mudança. 

Em janeiro deste ano, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, uma carta da iniciativa Proud To Pay More assinada por 250 super ricos de todo o mundo questionou as autoridades sobre quando serão taxados. Apenas um brasileiro integra os signatários. Como você avalia o papel que o Brasil tem ocupado no debate sobre a taxação das grandes fortunas? Como contornar essa resistência dos multimilionários brasileiros?

Eu não sei responder se existe essa resistência. Mas não existe esse movimento afirmativo, como nos Estados Unidos, de que [os super ricos] deveriam ser mais taxados.

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, em 2021, mostra que 1% dos homens brancos que ocupam o topo dos mais ricos do país, um total de 705 mil pessoas que corresponde a 0,57% da população brasileira, recebem mais que todas as 32,7 milhões de mulheres negras no país, que representam 26% dos adultos. Como a taxação das grandes fortunas poderia ajudar a combater a desigualdade racial e de gênero? 

Não há dúvidas de que poderia. Mas eu pessoalmente estou muito mais engajada em pensar o modelo da Esther Duflo, Prêmio Nobel de Economia, que veio ao Brasil em junho desse ano: a taxação dos super ricos deveria ser uma fonte de financiamento para a criação de um fundo climático global [destinado especialmente a países mais vulneráveis]. Esse fundo, logicamente, vai para as pessoas que são mais atingidas pelas questões climáticas, vai atingir as populações mais vulneráveis, e por tabela irá para as mulheres negras. Mas eu não faço essa ligação de taxação de super ricos diretamente para as mulheres negras porque acho que acho isso teria uma resistência enorme. Eu prefiro pensar numa coisa mais viável, sou muito mais estratégica. 

Você acredita que a realização do G20 no país e o protagonismo no debate vão impulsionar mudanças nesse cenário?

Eu acredito que sim. Esse modelo da Esther Duflo poderá ser discutido, por exemplo. Eu acho que ganha relevância e é um debate importante. 


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