Caminhos possíveis para a criação de endowments no Brasil
Por: GIFE| Notícias| 04/10/2017Mecanismo muito difundido no exterior, a criação de endowments, ou fundos patrimoniais permanentes, enfrenta desafios no Brasil.
Os fundos patrimoniais (endowments) são estruturas que abrigam recursos financeiros provenientes de doações de pessoas físicas e jurídicas, e podem ser considerados como instrumento de garantia da sustentabilidade financeira de longo prazo de instituições como museus, universidades, teatros, organizações da sociedade civil, dentre outras.
Na prática, a organização segrega o montante do fundo (que deve ser mantido intacto) de sua movimentação e aplica no mercado financeiro, de forma que somente o rendimento seja destinado a financiar as atividades da organização de forma sustentável e perene. As regras de resgate e gestão de cada fundo são estabelecidas e descritas previamente, promovendo transparência e governança.
É importante ressaltar que o capital doado — dinheiro ou bens — se torna propriedade da instituição de forma perpétua.
Segundo Paula Fabiani, diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), no Brasil, em particular, por não possuir uma legislação própria, os fundos patrimoniais são mais um conceito do que um mecanismo financeiro e legal. Nos EUA, eles são responsáveis por grande parte do financiamento das maiores instituições de ensino superior do país, como Harvard e Yale, por exemplo.
O pesquisador da Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getulio Vargas, Eduardo Pannunzio, complementa que, apesar de poucas instituições utilizarem tal mecanismo no Brasil, a agenda dos endowments surge com força, sobretudo, pelos dilemas de financiamento que as organizações têm tido no âmbito do investimento internacional e público, e pela tentativa de desatrelar suas atividades da lógica de projetos com começo, meio e fim.
Para Pannunzio, o sucesso de tais fundos se deve aos arranjos institucionais feitos pelas organizações gestoras. “Podemos dizer que o principal medo do investidor é o desvio de finalidade. Quem investe quer a garantia de que o endowment seja utilizado para a finalidade para a qual se propôs. Daí a importância de regras de boa governança, com a criação de processos claros, diferenciação de atribuições, política de transparência, instituição de comitê de investimentos (ou órgãos análogos), conselhos deliberativos etc. Organizações que constroem arranjos institucionais para dar segurança ao investidor têm mais chances de captar e construir fundos patrimoniais sólidos”.
Regular ou não regular?
Os desafios iniciais – como reunir o volume de capital inicial necessário para viabilizar a sustentabilidade econômica de uma organização – são acompanhados de entraves jurídicos e culturais.
Para Paula Fabiani, o fato de o Brasil não ter uma previsão legal, com um instituto jurídico específico, confere insegurança ao doador, já que não garante que o capital doado seja utilizado para a finalidade fim e de forma perpétua. “Primeiramente, precisamos nos atentar para o contexto atual: a crise de desconfiança nas instituições. Aliado a isso, não temos incentivos fiscais para os doadores estabelecerem suas contribuições, o que acaba sendo um desincentivo. Outro grande desafio se encontra na própria cultura de doação. Por exemplo, todos os nossos mecanismos para incentivos são construídos a partir da lógica de projetos, ou seja, pautados no curto prazo – caminho contrário ao proposto pelos endowments”.
Do ponto de vista jurídico, Pannunzio afirma que um dos grandes entraves identificados é a legislação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Diversos estados elevam suas alíquotas do imposto e não reconhecem a imunidade e isenção tributárias para as organizações da sociedade civil, o que acaba por desestimular as doações filantrópicas no país.
Diante de tais desafios, especialistas não divergem ao apontar o fortalecimento da cultura de doação de longo prazo como o principal caminho para se fomentar a criação de fundos patrimoniais. Porém, resta a dúvida: precisamos ter uma legislação específica?
“Uma legislação que blinde e proteja as doações é muito importante para a comunidade filantrópica. Precisamos garantir um projeto de lei abrangente o suficiente para abarcar todas as Organizações da Sociedade Civil – diferentemente do PL que tramita no Senado, que foca a gestão dos fundos somente para fundações – e criar isenções fiscais, sobretudo, para pessoas físicas”, analisa Paula.
Já para Pannunzio, o debate sobre regular ou não os endowments ainda se encontra bastante aberto e com divergências. “Precisamos levar em conta que hoje a legislação não impede a estruturação de endowments. Temos uma liberdade muito grande de estruturar arranjos diversos. A preocupação que devemos ter nesta discussão é não nos amarrarmos demais numa legislação e criar um modelo rígido. Este seria um aspecto negativo. Portanto, temos que levar em conta que a regulação oficial no campo do terceiro setor tem que ser feita com muita cautela. É um campo em que vigora a liberdade no funcionamento das associações. Tomar cuidado para não trocar esta liberdade que é vital para o campo da sociedade civil por arranjos burocratizados, rígidos e controlados por estruturas públicas. Precisamos ser minimalistas na legislação”.
De olho na tramitação
Atualmente, há vários projetos de lei voltados para a criação de fundos patrimoniais nas universidades, instituições culturais e unidades de conservação tramitando na Câmara e no Senado. Acompanhe aqui!
- PL 4.643/2012: Autoriza a criação de Fundo Patrimonial (endowment fund) nas instituições federais de ensino superior. Autoria: Deputada Bruna Furlan – PSDB/SP
- PL 8694/2017 (PLS 16/2015): Dispõe sobre fundações privadas que têm por propósito único captar e gerir doações de pessoas físicas e jurídicas e destiná-las às instituições que especifica. Autoria: Senadora Ana Amélia – PP/RS.
- PLS 160/2017: Dispõe sobre a criação e o funcionamento de fundos patrimoniais vinculados ao financiamento de unidades de conservação federais. Autoria: Senador Elmano Ferrer – PMDB/PI.
- PL 6.345/2016: Regulamenta a criação de Fundos Patrimoniais destinados a formação de poupança de longo prazo para apoiar as entidades sem fins lucrativos que atuam na atividade desportiva. Autora: Professora Dorinha Seabra Rezende – DEM/TO.
- PL 8512/2017 (apensado ao PL 6.345/2016): Regulamenta a criação de Fundos Patrimoniais destinados a formação de poupança de longo prazo para apoiar as entidades que atuam nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, esportes, ciência e tecnologia. Autoria: Deputada Professora Dorinha Seabra Rezende – DEM/TO.
- PL 7.641/2017: Dispõe sobre fundos patrimoniais vinculados (endowments funds) no setor cultural, para as entidades privadas de natureza cultural, sem fins lucrativos. Autoria: Deputado Paulo Abi-Ackel – PSDB/MG.
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