Cidadãos são convocados a opinar sobre políticas públicas

Por: GIFE| Notícias| 05/02/2018

Foto: @paulopereiraox

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Se alguém ainda tem dúvida que os cidadãos querem participar do processo decisório das políticas que lhes afetam, precisa olhar estes números: cerca de 3 mil paulistanos – em apenas 10 dias – de 15 a 25 de janeiro – deram mais de 27 mil contribuições a uma consulta realizada pelo movimento Cidade dos Sonhos . Ela reúne diversas organizações a fim de discutir e promover melhorias em São Paulo – sobre o novo processo de licitação para a contratação das empresas que irão operar a frota de ônibus em São Paulo, uma das maiores do mundo: mais de 100 mil carros.

Isso sem falar dos outros 2 mil cidadãos que opinaram via aplicativo. O número de interessados em participar surpreendeu até mesmo os organizadores. E a ação deve envolver ainda mais pessoas, já que a participação continua aberta via redes sociais (clique aqui para saber mais).

“Isso mostra o desejo latente das pessoas em participarem das políticas. Na ação que fizemos na Praça da República, por exemplo, no centro da cidade, não conseguíamos encerrar os trabalhos, pois as pessoas queriam continuar dando sua opinião. Precisamos ter em mente que para que a política pública seja efetiva de fato é preciso o envolvimento dos cidadãos, senão, corre o risco de ser feita no gabinete, ser ineficiente e não atender os anseios de todos”, comenta Flavio Siqueira, representante do Cidade dos Sonhos.

Segundo o mobilizador, o grupo foi motivado a lançar essa consulta específica, justamente por avaliar que o processo construído pela Secretaria de Transportes não iria garantir de fato uma participação ativa da população para um tema tão importante, tendo em vista que irá definir de que forma será a operação do sistema de ônibus na cidade pelos próximos 15 anos.

A consulta da prefeitura – continua aberta até o dia 05 de março – traz, na opinião do especialista, barreiras para a participação, como o fato de contar com diversos documentos que precisam ser lidos – somando mais de 6 mil páginas -, com linguagem complexa. Além disso, os interessados devem preencher planilhas e depois encaminhar para o órgão responsável no governo.

“Por ser uma política de mobilidade urbana, que impacta milhões de cidadãos diariamente, era para ser um processo mais fácil. Por isso, decidimos nós lermos o documento, elegemos sete eixos fundamentais, referentes à remuneração, gratuidade, fiscalização, acessibilidade etc. – e lançamos 10 perguntas para as pessoas participarem, dizendo apenas sim ou não. Além disso, a proposta foi ajudar os cidadãos a entenderem de fato a importância do tema, que vai além de uma licitação. É uma janela de oportunidade para discutir as melhorias que a população deseja para o transporte do município”, comenta Flavio.

Com todas as repostas em mãos e uma análise sobre os assuntos abordados na licitação, o grupo irá elaborar um documento técnico a ser encaminhado à prefeitura. A proposta é também acompanhar se as contribuições foram incorporadas e os próximos passos que serão dados pela prefeitura. O debate mais profundo sobre as temáticas também continua via redes sociais.

Participação democrática

Anna Luiza Salles Souto, socióloga pesquisadora e coordenadora da área de Participação do Instituto Pólis, lembra a importância de trazer o debate sobre participação à tona no país, tendo em vista os 30 anos da Constituição Federal (1988), instrumento que estabeleceu as bases da democracia participativa.

“Precisamos convocar a sociedade a fazer uma reflexão sobre os avanços e quais os desafios de todo o processo de participação construído no Brasil, para que possamos ganhar um novo fôlego e um novo alento. Isso porque a democracia supõe a participação cidadã. Mas, ela não deve ser meramente eleitoral, pois sabemos que a democracia representativa é insuficiente e não dá conta de discutir, adequar e ajustar as políticas às necessidades da população”, ressalta a especialista.

Esse novo fôlego, segundo Anna Luiza, se faz necessário, pois o país vive um momento de transição em relação ao processo participativo nos últimos anos.

“Tivemos um período – anos 2003 a 2011 – com um forte investimento na construção e na ocupação dos espaços de participação, com a criação de muitos conselhos, realização de dezenas de conferências. Porém, isso não deu conta de orientar efetivamente as políticas em prol de um novo modelo de desenvolvimento, que fosse mais sustentável. Depois disso, tivemos uma ruptura da participação institucional e o aumento da participação e mobilização social nas ruas. As institucionalidades perdem força”, comenta Anna.

O cenário atual, de acordo com a especialista, é do esvaziamento de alguns espaços institucionais de participação, como os conselhos, principalmente os ligados à instância federal. “Não adianta também termos uma institucionalidade, se ela não tem legitimidade. Muitos setores, inclusive, saíram destes espaços, por um posicionamento político. Precisamos chamar a população a ocupar estes espaços para oxigená-los. Precisamos ousar mais para que estes órgãos possam exercer o papel que lhe foi atribuído”, analisa.

A aposta do país deveria ser na aplicação de diversos instrumentos e mecanismos de participação para dar conta da complexidade de uma nação com mais de 5 mil municípios. Entre as possibilidades, destaca Anna Luiza, estão referendos, plebiscitos etc., que podem ser meios de consulta mais ampla de projetos de impacto local ou nacional.

“Quanto mais instrumentos e canais de participação tivermos, melhor. Mas também precisamos pensar em novos arranjos, que possam ampliar o controle social sobre políticas para que possamos avançar e adensar a nossa democracia”, aponta.

Opine

Uma das formas de participar ativamente e ajudar a construir novos marcos legais, inclusive, são as consultas públicas. As Nações Unidas, por exemplo, lança mão constantemente dessa ferramenta para convidar os cidadãos a contribuírem com uma série de documentos. Agora, por exemplo, estão abertas três consultas. Confira e participe:

  • Declaração sobre direitos humanos de pessoas afrodescendentes

    O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Afrodescendentes abriu uma consulta sobre a elaboração da Declaração sobre a Promoção e Pleno Respeito dos Direitos Humanos de Afrodescendentes. As contribuições podem abordar direitos e garantidas específicas que a Declaração deverá promover, bem como direitos já previstos por outros mecanismos legais internacionais, regionais ou nacionais existentes. As contribuições podem ser enviadas até o dia 15 de fevereiro. Leia orientações na íntegra.

 

  • Impacto das reformas econômicas para as mulheres

    A ONU convoca a sociedade civil a enviar contribuições sobre o impacto de políticas de reforma econômica e medidas austeras nos direitos humanos das mulheres. As informações serão utilizadas na construção do próximo relatório do especialista independente sobre dívida externa e direitos humanos, que será apresentado à Assembleia Geral. As contribuições devem ser enviadas até 5 de março aqui.

 

  •  Declaração sobre Direitos dos Povos Indígenas

O Mecanismo de Peritos da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas recebe, até o dia 17 de março, contribuições sobre a aplicação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. As sugestões devem focar nos desenvolvimentos recentes desde a entrega do último relatório do mecanismo, no ano passado. Informações completas no site.

Saiba mais

Conheça a publicação “Novas lentes sobre a participação: utopias, agendas e desafios”.


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