Como o Custo Aluno-Qualidade do novo Fundeb apoia o combate às desigualdades

Por: GIFE| Notícias| 04/09/2020

No final de julho, o redeGIFE noticiou o avanço na educação brasileira marcado pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 15/2015, que instaura o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. A comemoração, entretanto, não veio sem alerta: na ocasião, especialistas reforçaram a importância de manter a atenção durante as fases posteriores de tramitação e regulamentação. No dia 25 de agosto, a PEC teve mais uma vitória, dessa vez no Senado Federal, que aprovou a proposta em dois turnos de forma integral. 

Criado em 2006, o atual Fundeb vigorou por 14 anos e terá fim em dezembro deste ano. Por isso, mesmo antes da chegada de 2020, muitos especialistas, atores e organizações da área da educação passaram a alertar sobre a importância de aprimorar e tornar lei a política. Agora, com a aprovação, o Fundeb passa a ser permanente, garantindo a destinação de recursos à educação básica brasileira. 

O projeto aprovado, que teve como relatores a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende e o senador Flávio Arns, respectivamente, na Câmara e no Senado, representa um passo importante no avanço da luta pela garantia do direito à educação para todas e todos no Brasil devido às alterações que propõe para o financiamento da área. 

Como funciona o Custo Aluno-Qualidade

Entre as diversas mudanças sugeridas e aprovadas, merece destaque a aprovação de um artigo na Constituição Federal que prevê uma relação entre o padrão mínimo de qualidade do ensino garantido pela União e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Trata-se de um indicador proposto pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação que, juntamente com o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), está presente em quatro submetas da meta 20 do Plano Nacional de Educação (PNE), que determina a ampliação do investimento público na educação pública. 

Segundo a meta 20.7, o CAQ é um “parâmetro para o financiamento da educação de todas etapas e modalidades da educação básica, a partir do cálculo e do acompanhamento regular dos indicadores de gastos educacionais com investimentos em qualificação e remuneração do pessoal docente e dos demais profissionais da educação pública, em aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino e em aquisição de material didático-escolar, alimentação e transporte escolar.” 

Para Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, além de fazer com que mais recursos da União cheguem às escolas, o CAQ garante que o investimento seja revertido para promover qualidade na educação em todo o território nacional.

Na análise de Denise Carreira, coordenadora institucional da Ação Educativa e uma das autoras da proposta de CAQi em 2007, mais do que representar mais recursos para a educação, o CAQ fornece parâmetros fundamentais para o planejamento e gestão democrática das políticas educacionais. “O Custo Aluno-Qualidade contribui para superar uma falsa dicotomia: mais financiamento ou aprimoramento da gestão do gasto? O CAQ representa os dois, de forma indissociável: precisamos aumentar o financiamento e melhorar a qualidade do gasto público.”

Mecanismo pela diminuição das desigualdades 

Conforme explica a Campanha em carta aberta, o CAQ funciona como um mecanismo de controle social, melhoria da gestão e segurança jurídica. “Ao colaborar com a gestão e o controle do recurso e trazer parâmetros de qualidade, o CAQ colabora com um processo de justiça federativa, e, portanto, com a redução das desigualdades”, aponta Andressa. 

Denise segue o mesmo caminho ao apontar o CAQ como uma mudança de lógica que expressa o investimento por aluno necessário para viabilizar o direito à educação de qualidade. “Concretizar o CAQ significa um passo imenso rumo a uma política educacional que trabalhe na perspectiva de equalização e supere a tradição histórica de se oferecer as piores condições de atendimento educacional para os mais pobres, negros, indígenas e comunidades do campo”, reforça. 

A especialista menciona o debate em torno da listagem de insumos ao afirmar que a proposta do CAQ em ter uma planilha com itens para garantir uma boa educação deve servir como referência para o cálculo e controle social e não como uma lista mandatória de itens imposta de forma descontextualizada e desconectada das amplas realidades do país. 

“A proposta de CAQ é totalmente compatível com o reconhecimento da imensa diversidade e das profundas desigualdades que caracterizam a realidade do país. A implementação progressiva e contextualizada dos insumos e parâmetros que darão base ao padrão mínimo de qualidade deverá ser construída de forma acordada em instâncias a serem estabelecidas com os entes federados e sujeitos políticos do controle social nos diferentes contextos regionais, considerando a disponibilização de recursos, o desafio da criação do Sistema Nacional de Educação e as características das realidades e biomas regionais”, afirma Denise. 

Mais do que insumos

Segundo Andressa, ao determinar parâmetros de qualidade a partir de insumos materiais e recursos humanos, como a existência de banheiros, saneamento, água potável, quadras poliesportivas, laboratórios, professores bem formados e valorizados, acessibilidade e outros itens, o CAQ pauta o financiamento da educação básica por etapa e modalidade na e respeita diversidades. 

“É óbvio que tais insumos não garantem a qualidade da educação porque ela depende também dos processos pedagógicos, formativos e de outros elementos imateriais. Mas sem esses insumos, não há qualidade e sequer há respeito pelo direito à educação”, aponta a coordenadora da Campanha Nacional. 

Com o que concorda Denise. “Para que essa qualidade se realize de forma a garantir um padrão mínimo, é imprescindível um conjunto de insumos necessários para o desenvolvimento pleno dos processos de ensino e aprendizagem em realidades extremamente desiguais. Ou seja, a nossa perspectiva da qualidade não se restringe às condições de materiais, mas sem elas a educação de qualidade não se concretiza.”

Próximos passos para o CAQ

Para a regulamentação do CAQ, serão necessárias mais discussões técnicas e uma proposta de emenda constitucional própria. Andressa ponta que o primeiro passo é incluí-lo na Lei de Regulamentação do Fundeb (PL 4372/2020) e levá-lo ao debate do Sistema Nacional de Educação, ambos já com Projetos de Lei (PLs) em tramitação no Congresso Nacional. “Dessa forma, esperamos que o debate se faça com correção de distorções e equívocos que circularam no debate da PEC do Fundeb e com profundidade suficiente para conseguirmos dar esse passo importante para sua materialização”, afirma. 

Entre alguns pontos que ainda precisam ser regulamentados estão: fontes de receitas para o Fundeb; complementação da União em sua distribuição no sistema valor-aluno-ano total e valor-aluno-ano com equidade; matrículas na rede pública e privada; ponderações de etapas e modalidades, com correção de subfinanciamentos e distorções para educação de jovens e adultos (EJA), indígenas e quilombolas; gestão; transferência; controle e avaliação da política; e valorização dos profissionais da educação, entre outros pontos, bem como participação social no monitoramento da política através dos conselhos de acompanhamento do Fundeb. 

A Lei de Regulamentação foi tema de transmissão realizada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pode ser conferida neste link


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