Comunicação, cultura da doação e redes de influência: o caso do projeto Viralize

Por: GIFE| Notícias| 06/05/2019

 

Daniele Próspero, Gabriela Moulin e Rodrigo Bueno*

Após uma jornada de onze meses, que se iniciou em fevereiro de 2018, tivemos a primeira edição do projeto Viralize – um clique em prol da cultura de doação, iniciativa viabilizada a partir do apoio do Fundo BIS. Neste primeiro ciclo, ampliamos de forma significativa a nossa percepção sobre o campo social brasileiro, a cultura da doação no país e as condições gerais de comunicação dentro das organizações da sociedade civil. Chegamos a algumas conclusões, muitas hipóteses que ainda podem ser testadas e questões que merecem ser compartilhadas com o setor.

O objetivo central do projeto – que rodou em modelo piloto – foi impulsionar a cultura de doação no Brasil a partir da articulação de organizações da sociedade civil e comunicadores sensíveis a causas socioambientais – nesse momento, os chamados influenciadores digitais. A proposta era chegar a um doador potencial, que navega na internet, por meio dessas pessoas que hoje mobilizam multidões. Em menos de um ano, acionamos mais de cem influenciadores e 50 organizações da sociedade civil, conquistamos 45 publicações em canais com audiência na casa dos milhões, quase dois mil seguidores diretos em redes sociais, produzimos dezenas de conteúdos informativos para a plataforma e atingimos uma audiência de quase 1 milhão  de pessoas na internet nesse período.

Olhando para um cenário maior, vale lembrar que o projeto foi concebido em 2017 e executado em 2018, em um período de grandes mudanças no cenário nacional – político, social, cultural e econômico – e de surgimento de novas percepções, situações e experiências no campo da comunicação ligada às redes sociais.

Uma ideia central orientou a experiência. Se os influenciadores digitais surgem na popularização da internet e na possibilidade de produção de conteúdo difuso (deixa de ser exclusividade de mídia), eles também estão vinculados ao grande contexto paradoxal em que há uma valorização da hiperexposição dos indivíduos. Isso tudo promovido pelo aumento da acessibilidade e da proximidade ilusória entre os interlocutores (produtores de conteúdo ou influenciadores e sua audiência), bem como um excesso de informações e fake news, fenômeno mais recente e que tem demonstrado seu poder no jogo político das democracias ocidentais. O cenário não poderia ser mais complexo.

No Brasil, especialmente, o ano passado foi de conturbação nas redes sociais e de acirramento de ataques a causas sociais e de direitos humanos, bem como às organizações da sociedade civil. Esse foi o pano de fundo que encontramos ao encampar o projeto no ambiente digital.

Um novo poder ou uma nova roupa para um velho poder?

A MindMiners, startup de tecnologia especializada em pesquisa digital, divulgou um estudo no final de 2018 sobre a relação dos brasileiros com os influenciadores digitais. Segundo a pesquisa, 93% das pessoas ouvidas já viram influenciadores divulgando produto ou serviço nas redes sociais. Já 45% disseram ter comprado produto ou serviço indicado por algum influenciador. E mais da metade dos respondentes, 53%, apontou que o YouTube é a rede social preferida para acompanhar influenciadores. O Instagram aparece logo depois com 33% da preferência, seguido pelo Facebook com 8% e o Twitter com 3%.

Em outra pesquisa – vale notar que agências e organizações setoriais do mundo do marketing fazem pesquisas a todo momento -, os influenciadores estão em segundo lugar no poder de tomada de decisão na compra de um produto, perdendo apenas para amigos e parentes, que alcançaram 57%. Os dados da pesquisa são do Instituto QualiBest.

Os números revelam poder e servem de matéria-prima para o mercado publicitário e de marketing de produtos, bem como aumentam o preço de mercado dos influenciadores.

Entretanto, ao nos aproximarmos deste universo, nos parece mais claro que velhas e novas formas se misturam nesse comportamento. Os principais influenciadores digitais do Brasil, aqueles que realmente falam com audiências enormes, possuem agentes que comercializam suas preferências e indicações, bem como travam “exclusividade” com alguns projetos e causas.

É interessante notar como isso em nada difere da tradicional contratação de agências de publicidade e seus “garotos propagandas”. Alguns se comparam a celebridades televisivas, personagens mais que poderosos no universo do século 20.

E o “consumo” social?

Desde o início, a hipótese do projeto Viralize era: se há tanta influência e poder, por que não qualificar e direcionar tal influência para o “consumo” de causas amplificando, assim, a cultura de doação?

Havia então três pilares: a força dos influenciadores, a desinformação do público em geral sobre como e para quem doar, e a possibilidade de criar ciclos virtuosos de influência à doação nas redes sociais.

Ao iniciarmos o processo, fizemos um cuidadoso trabalho de escolha dos influenciadores e construímos uma lista com aqueles que não representavam ideias homofóbicas, misóginas, de estímulo ao consumo infantil, ou preconceitos de qualquer ordem. A lista final a ser então contatada trazia artistas, intelectuais e outros influenciadores que já se vinculavam a algum tipo de causa, como direitos humanos, igualdade de gênero, raça, meio ambiente, maternidade, infância etc.

Acionar esse público foi talvez o trabalho mais exaustivo do processo. Foram muitas horas de contato, convencimento e troca de conhecimento para viabilizar postagens que chegassem a audiência desses comunicadores. No fim, percebemos que competíamos com uma agenda com merchandising de produtos, brindes de marcas e outras atividades comerciais prioritárias.

As questões de comunicação, percepção e sentido

Iniciamos este artigo introdutório falando das mudanças de cenário no Brasil, porque de fato nos parece uma questão a considerar, na medida em que essas transformações têm alterado – ou no mínimo trazido novos questionamentos – ao comportamento do brasileiro nas redes sociais.

Em última instância, é para o ativismo, para as organizações da sociedade civil e para projetos de direitos humanos e sociais que a doação é direcionada, e aumentar a cultura de doação significa persuadir mais pessoas a investirem financeiramente na atuação deste setor, entendendo seu papel na sociedade. Não nos parece viável trabalhar cultura de doação sem mudança de percepção, principalmente em um cenário de percepções nebulosas.

E quando esse cenário de desinformação se torna mais forte, mais necessária se faz a informação e a doação.

Nesse sentido, entendemos que a cultura de doação é mais ampla que a mobilização imediata de sentimentos que fazem doar. Estamos falando de mudança de cultura que precisa ser melhor construída e ancorada no engajamento da sociedade civil, incluindo seu papel político de reivindicação e construção de direitos.

Acreditando nisso, a Viralize construiu sua comunicação pautada na ideia de que “quem doa garante direitos” para si e para todos. Paradoxalmente, em um momento de forte ataque a direitos e pressão de setores da sociedade que trabalham num desmonte e desmoralização da sociedade civil organizada.

Por outro lado, entendemos que unir essa profundidade de mudança de cultura necessária com uma linguagem rápida e para “viralizar” é um desafio. Queríamos trabalhar no ambiente de comunicação marcado pela velocidade, superficialidade e frases de efeito com um conteúdo que provocasse mudança de pensamento. Tarefa nada fácil, ainda mais que a proposta é contribuir para mudança de cultura mais do que para uma doação efêmera.

Por fim, uma percepção muito clara é que uma grande parte das organizações da sociedade civil, especialmente as de base comunitária, demandam apoio em suas ações de comunicação mais essenciais. Afinal, como captar recursos, como manter relacionamentos duradouros com doadores, sem a existência de uma estrutura básica de comunicação? Percebemos aqui uma grande oportunidade de atuação. E uma necessidade real do setor. Contar com o nosso apoio, numa rede com a participação de outras organizações, foi algo totalmente valorizado por parte das OSCs.

Olhando, então, para a Viralize, após essa primeira jornada, ao entender o cenário contemporâneo de comunicação e a percepção do trabalho da sociedade civil, nos parece que a ideia de “influência”, essência das comunidades e das redes, pode ser desdobrada em diversos outros circuitos, para além do trabalho exclusivo com influenciadores digitais.

Se são nossas redes de afeto que pautam nossas decisões – do consumo ao voto –, então temos espaço para avançar em uma frente que temos chamado de advocacy de comunicação. Ou seja, quais comunidades – mais homogêneas e sensíveis a causas sociais – podemos influenciar com a agenda da cultura da doação?

Essa trajetória de produção de conhecimento – sistematizado, inclusive, em dezenas de materiais – está agora disponível para pensarmos uma nova fase. Os influenciadores que se envolveram no projeto também podem ser mobilizados para uma nova edição, outros públicos podem ser acessados, além das mais de 50 organizações da sociedade civil que viram valor nessa empreitada. O percurso está apenas começando.

 

*Sócios da Estúdio Cais – Projetos de Interesse Público e idealizadores da Viralize – Um clique pela cultura de doação


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