Debate sobre reforma administrativa precisa ir além do aspecto fiscal, defendem especialistas

Por: GIFE| Notícias| 01/02/2021

Profissão de milhares de brasileiros, o serviço público pode passar por mudanças na estrutura das carreiras, estabilidade, salários e benefícios com a proposta de reforma administrativa do governo federal.

Sob o argumento de frear o crescimento dos gastos públicos, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020 diminui o número de benefícios e cessa progressões automáticas, além de dar mais poderes ao presidente da República para extinguir cargos, gratificações, funções e órgãos, transformar cargos vagos e reorganizar autarquias e fundações. A intenção é reduzir de 300 carreiras para algo em torno de 20 a 30.

De um lado, está o argumento de que a estabilidade impede a adoção de critérios de eficiência e o desligamento de servidores com mau desempenho. De outro, a defesa de que o mecanismo garante que técnicos de carreira não estejam vulneráveis às pressões políticas.

A progressividade é outro ponto da proposta, que defende que as carreiras partam de vencimentos iniciais mais baixos e tenham um formato piramidal e com mais degraus, de modo que os servidores levem mais tempo e que apenas uma parte alcance os níveis mais altos de remuneração.

A pauta tem ganhado a atenção do investimento social privado em redes e organizações como as que integram a Rede Temática (RT) de Gestão e Políticas Públicas. Resultado da fusão entre a Rede de Gestão de Pessoas no Setor Público e a Rede de Políticas Públicas, a nova RT atua sob o propósito de aglutinar, em um único e mais amplo espaço, institutos e fundações atinados ao trabalho e discussão dos temas correlatos à cooperação com o setor público na direção de contribuir não apenas na formulação de soluções e práticas de aprimoramento e inovação nas políticas públicas, mas também no apoio ao funcionamento melhorado da gestão pública.

Guilherme Coelho, fundador da República.org, membro da RT e do Conselho de Governança do GIFE, explica que a organização tem se dedicado, a partir de um trabalho de articulação, à missão de promover excelência no setor público, reconhecendo as pessoas que fazem a diferença, celebrando-as, motivando-as e transformando as expectativas sobre governos no Brasil.

“Há uma enorme oportunidade de evolução nas normas e instituições que regem a gestão de pessoas no setor público brasileiro. Há muitas atualizações a serem feitas na direção de maior efetividade, presença e competência no serviço público e maior reconhecimento de servidores com bom desempenho. Nosso objetivo é que isso seja realizado de modo permanente e não a cada vinte anos em formato de reforma.”

Guilherme conta que uma das iniciativas da organização é o trabalho de articulação realizado no âmbito do Movimento Pessoas à Frente – que reúne diversas organizações interessadas em contribuir para o aprimoramento do serviço público brasileiro – com o objetivo de aproximar organizações como Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) do debate realizado dentro do Congresso, com os parlamentares que farão parte da comissão especial na Câmara e senadores interessados.

Para além do aspecto fiscal

Especialistas de diversos setores têm defendido a importância de avançar no debate da reforma administrativa para além do âmbito fiscal e orçamentário. Nesse sentido, Guilherme ressalta a importância do reconhecimento e valorização do papel e da legitimidade dos governos.

“A Covid-19 escancarou a responsabilidade dos governos e das políticas públicas. São as sociedades com governos responsáveis, responsivos e respeitados as que sairão melhor da crise sanitária e econômica. As instituições privadas são muito importantes, mas nunca terão o mesmo impacto que as organizações públicas. A lição é que quando as coisas apertam de verdade, precisamos de governos efetivos e competentes”, observa.

Na mesma direção, Sérgio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública, integrante do Conselho Nacional de Transparência e Combate à Corrupção e do Movimento Pessoas à Frente, defende que o debate sobre a reforma precisa ser pluralista, refletindo a perspectiva da qualidade dos serviços oferecidos ao cidadão, sua efetividade e eficiência.

“A tramitação da PEC 32/2020 é uma maratona e não uma corrida de cem metros rasos. Seu rito é semelhante à Reforma da Previdência, porém, a agenda do parlamento tem outras prioridades, como a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias e o debate sobre a PEC Emergencial, que estabelece gatilhos para corte de despesas primárias. A necessidade de amplo debate torna improvável qualquer aprovação rápida e será difícil levá-lo adiante se não houver entendimento no governo e no Congresso sobre quais as prioridades e a direção a seguir para a recuperação do país e o papel da reforma nesse contexto.”

Para o diretor, o serviço público brasileiro precisa acompanhar boas práticas internacionais de eficiência e qualidade, gestão de talentos ou transparência, por exemplo.

“Estamos acompanhando o processo de adesão do Brasil à OCDE, o qual compreende missões de revisão por pares entre os países integrantes do bloco para convergência ou harmonização de regras de mercado e mecanismos de governança pública. E esses são parâmetros de desempenho que permitem avaliar possíveis caminhos para avançarmos em indicadores socioambientais, de infraestrutura ou relacionados ao ambiente de negócios.”

O lugar do ISP no campo do advocacy

Guilherme chama atenção para o papel do setor em ações de advocacy no que diz respeito a agendas de interesse público, como é o caso da reforma administrativa.

“Institutos e fundações devem reconhecer o risco e, por vezes, a realidade do caráter plutocrático de suas atuações, isso é, admitir a indevida influência de pessoas com dinheiro em questões públicas. Nos últimos três anos, temos visto uma discussão interessante sobre isso, especialmente com a publicação do livro Winners Take All: The Elite Charade of Changing the World (Os vencedores levam tudo: a charada da elite de mudar o mundo, em tradução livre).

“O GIFE deve se adiantar a esse debate e as instituições devem ser conscientes e prudentes ao atuarem em discussões públicas. Na República.org, por determinação do nosso Conselho Diretor, decidimos ser articuladora e não normativa. Estamos focados em criar um ambiente de excelência para as discussões em que estamos envolvidos e não dizer o que deve ser feito.”

Para Sérgio, uma oportunidade de contribuição qualificada por parte do setor seria o mapeamento e difusão de evidências e boas práticas nacionais e internacionais e a construção de ambientes plurais para coordenação intersetorial e debate a partir de evidências.

“É fundamental entender que não se trata de um tema meramente técnico. Trata-se de uma questão política sobre o modelo de Estado em um país profundamente desigual em que a maior parte da população depende dos serviços públicos básicos, como educação e saúde. Em última instância, estamos falando dos requisitos para o desenvolvimento do país de forma sustentável e democrática.”

Nesse sentido, o diretor da Agenda Pública destaca a contribuição da Rede Temática de Gestão e Políticas Públicas, do GIFE.

“A Rede tem demonstrado a importância da construção de capacidades institucionais para resolver problemas complexos. As experiências mais bem sucedidas de parceria entre investimento social e políticas públicas vão além da disponibilização de boas práticas e roteiros indicando como agir para solucionar os desafios. O papel da coordenação, a qualidade do arranjo institucional e a intersetorialidade das equipes à frente das tarefas são elementos decisivos para tirar um plano do papel e implementar com mais sucesso as soluções planejadas em conjunto. O modelo de impacto coletivo é um dos aprendizados que estão amadurecendo no país.”


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