Na véspera do Dia Mundial da Água, sociedade civil mostra como recuperar nascentes

Por: GIFE| Notícias| 14/03/2022
Dia Mundial da Água, sociedade civil mostra como recuperar nascentes

A população brasileira tem gasto mais dinheiro nos últimos meses devido ao consumo de energia elétrica. A história é recorrente: diminuição do nível de água nos reservatórios, termelétricas acionadas: o que resulta em mais gastos. Em fevereiro, o consumidor ganhou um respiro por conta das chuvas, quando o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) decidiu reduzir a geração de energia por usinas termelétricas.

Segundo o comitê, o nível dos reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN) atingiu 49,4% em janeiro, e nas últimas semanas o índice tem ficado na casa dos 60%. A notícia é boa, porém, isso deve durar apenas até o próximo período, como acontece ano após ano.

A crise hídrica persistente impacta a população de um país que detém aproximadamente 12% da água doce do planeta. Importantes bacias hidrográficas para o Brasil e países vizinhos estão abaixo dos pés da população, como o Tocantins-Araguaia, Amazônia, Parnaíba, Paraguai e São Francisco.

Com tantas fontes de água, porque muitas pessoas ainda convivem com a ausência desse bem comum? Em entrevista à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Jefferson Nascimento de Oliveira, professor na área de recursos hídricos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), considera que tão difícil quanto gerenciar a escassez, é gerenciar a abundância. “Grande parte dessas águas estão no Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Ainda assim, não temos água em abundância em regiões metropolitanas ou temos a água, mas ela não é de boa qualidade”, diz. 

A nível internacional, há quase 30 anos, foi instituído, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, o Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março. Naquele momento, a criação da data surgiu com o objetivo de aumentar a consciência pública sobre a importância de conservação, preservação e proteção da água e trocar assuntos e experiências relacionados a problemas de abastecimento de água potável.

Ações espalhadas pelo Brasil

Há mais de 10 anos a Comissão Pastoral da Terra (CPT) atua, junto a comunidades camponesas, com a proteção e recuperação de nascentes no bioma Cerrado. As primeiras experiências foram desenvolvidas nos estados de Goiás e Mato Grosso.

“As comunidades têm avaliado de suma importância essas iniciativas, pois elas precisam dessas águas para a sua sobrevivência e da biodiversidade local.  O trabalho de proteção e recuperação de nascentes, que a CPT desenvolve, permite aos camponeses, jovens, adultos, crianças e idosos conhecer e repassar a história de suas nascentes, além da troca de saberes entre gerações”, afirma Leila Cristina Lemes, articuladora das CPT’s do Cerrado.

Leila explica como é o passo a passo para a regeneração de uma fonte de água degrada:

> fazer um diagnóstico sobre a nascente e o ambiente que a cerca;

> diálogo entre representantes da CPT  com a comunidade local. Nessa conversa, as pessoas são estimuladas a contar a história daquela água, como foi o primeiro contato com ela e de que jeito ela era antes da degradação;

> as pessoas também comentam que foram os guardiões e guardiãs dessas águas. Aqueles que sempre tentaram proteger esse bem comum;

> depois, ocorre a marcação da localização exata da nascente e o cercamento dela, com aproximadamente 50 metros² ao seu redor;

> a depender do diagnóstico, algumas localidades precisam ser reflorestadas com plantas nativas.

Com essa experiência de trabalho junto às pessoas que vivem no campo e diante da crise hídrica que assola diversas populações, resolveu criar uma campanha, intitulada Salve uma Nascente, para visibilizar essas ações e arrecadar recursos financeiros para multiplicar a proposta.

“Decidimos fazer essa iniciativa porque estamos em uma região que é considerada o berço das águas, o Cerrado, e aqui concentra inúmeras nascentes que alimentam importantes bacias hidrográficas, e é onde também temos os aquíferos Guarani, Bambuí e Urucuia. É um grande trabalho mostrar que mesmo num lugar com tanta abundância de água, se não cuidarmos e protegeremos, a água vai acabar”, pontua a articuladora.

Piauí e Mato Grosso                                                     

Um dos locais beneficiados pela campanha é o território Vão do Vico, com 17 famílias indígenas Gamella, situado no município de Santa Filomena (PI). Segundo a CPT, por ação de grileiros, que se dizem proprietários da área, e por conta da pulverização aérea de agrotóxicos em monocultivos na região, a principal fonte de água da comunidade foi poluída e soterrada por areia carregada pelas chuvas. “Isso matou muitos cursos d’água”, defende a organização.

Além da recuperação de algumas fontes, os indígenas propuseram algumas normas e ações para o cuidado com a água: a proibição da caça e pesca de sujeitos que não residem no território; e um acordo coletivo entre as famílias para não desmatar, queimar ou construir roças próximas a Lagoa Feia, essencial para o abastecimento dos moradores.

Já no município de Poxoréu (MT), será beneficiada a comunidade rural Poço Azul, composta por 16 famílias. No local há pelo menos seis nascentes, das quais, três abastecem as residências. De acordo com a Pastoral, com o decorrer do tempo, as minas de água têm secado, devido à falta de vegetação nativa, além do assoreamento e, em algumas delas, o impacto do gado, que pisoteia o local. 

A água, nesse lugar, é fundamental para o uso humano, criação de animais, e para o plantio de roças e hortas. A produção de alimentos, por exemplo, se tornou difícil a partir de 2020 devido à escassez hídrica. 

O apoio do ISP

Para ampliar o debate e o investimento social privado (ISP) em projetos como o desenvolvido pela CPT, a série O que o ISP pode fazer por…? olha para a temática da água com o intuito de apresentar casos de sucesso para apoiar investidores que tenham interesse em iniciar ou fortalecer sua atuação nesses temas. Um dos desafios, por exemplo, é a perda de água tratada durante o processo de distribuição: o índice chega a 38%.

A partir da criação do guia, foram elaboradas possibilidades de atuação para o ISP no tema: conservação de bacias e uso do solo; acesso a água e saneamento; apoiar o aprimoramento do uso de água pelos setores produtivos; fortalecimento da governança dos recursos hídricos; produção e disseminação de conhecimento sobre o tema da água, bacias hidrográficas e saneamento; e sensibilização da sociedade.

O Instituto Trata Brasil, formado por empresas interessadas em avançar o saneamento básico e na proteção de recursos hídricos do país, mostra que a região Sudeste é a com mais acesso à água tratada, com 91,3% da população, e a Norte, a menor, com apenas 58,9%.

Na capital do Amazonas, o projeto “Trata Brasil na Comunidade: Benefícios da água potável em comunidades vulneráveis em Manaus (AM)”, em parceria do Instituto com a Pastoral da Criança, realizou uma pesquisa sobre os benefícios dos serviços de água potável em 1.070 domicílios dos bairros Compensa, Redenção e Cachoeirinha.

“Você, sem água, como vai nutrir o seu corpo, fazer a sua higiene? Era muito difícil fazer isso no bairro da Compesa, e o projeto, realizado neste local, é de acompanhamento de gestantes e crianças”, argumenta Sara Jane da Silva, líder comunitária da Pastoral da Criança na região. O jovem Kawa Vieira, que acompanhou a iniciativa, conta que antes comunidades utilizavam água de poços artesianos que tinham larvas de mosquito da dengue, por exemplo.

Ao deparar com essas realidades, o projeto conseguiu registrar e avaliar a qualidade de vida e condições de saúde em dois períodos específicos e recentes dos bairros, o antes e depois da água encanada e tratada.

O Censo GIFE 2020 não mostra uma atuação direta das organizações em prol da temática de água ou saneamento, mas apresenta um crescimento de investimentos em áreas correlacionadas, como ambiente natural e sustentabilidade, que passou de 41% para 45%. 

Novos dados

Acompanhe, nos próximos dias, alguns lançamentos de conteúdos e relatórios sobre as águas:

> O relatório mundial das Nações Unidas sobre o desenvolvimento dos recursos hídricos, intitulado “Águas subterrâneas: tornar visível o invisível”, será divulgado durante a cerimônia de abertura do 9º Fórum Mundial da Água, em Dakar, Senegal, entre os dias 21 e 26 de março;

> O Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) lança, no dia 22 de março, a websérie de quatro episódios “Cuidadores das Águas”, produzida com moradores, instituições e gestores públicos no Vale do Ribeira (SP);

> A Comissão Pastoral da Terra (CPT) torna público os dados sobre conflitos por água no ano de 2021 em 19 de abril. A entidade também reúne informações sobre violências no campo, como assassinatos e ameaças de morte.  


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