Emergência Covid-19: Cultura é tema de atuação de investidores sociais privados frente à pandemia

Por: GIFE| Notícias| 29/06/2020

A impossibilidade de encontros presenciais e aglomerações imposta pelo distanciamento social, medida necessária para conter o avanço da pandemia da Covid-19, tem inviabilizado o trabalho de milhares de profissionais da cultura.

São shows e festivais cancelados e cinemas, teatros, museus e outros espaços culturais fechados. De acordo com pesquisa da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos, mais da metade da programação deste ano foi suspensa, com perdas estimadas em R$ 90 bilhões. Só no estado de São Paulo, quase 1,5 milhão de pessoas vivem da cultura.

Embora a pandemia traga novos desafios, há muito tempo, a área da cultura sofre com a ausência de investimentos públicos e privados e de políticas que promovam a ampliação do setor e do acesso da população.

“O Brasil convive com uma economia frágil e que, como em todo o mundo, tende a piorar a partir da crise atual. Isso com o agravante de não termos uma política de Estado no setor cultural, o que não é de hoje. Há sete anos, o Fundo Nacional da Cultura, um instrumento importantíssimo na constituição de uma política cultural consistente, tem visto, sucessivamente, o seu orçamento ser  reduzido, mesmo tendo uma fonte segura de recursos advinda das loterias, o que geraria por ano por volta de R$ 350 milhões a R$ 400 milhões”, afirma Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural e do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP).

Para além dos impactos na sustentabilidade econômica de artistas, fornecedores e trabalhadores da área, o cenário também afeta o lazer e o bem-estar da população de forma geral.

“Frente a uma pandemia e combinada com a necessidade de isolamento social, sentimentos de impotência, desesperança, ansiedade, depressão e estresse tornam-se frequentes. É sabido que tais sentimentos diminuem a eficiência do sistema imunológico, aumentando significativamente o risco de a pessoa ficar doente. Não obstante, também afetam a resposta do sistema imunológico a doenças, gerando uma combinação que agrava a situação por impactar negativamente tanto na prevenção quanto na recuperação de enfermidades. Assim, é muito relevante que dentre as ações de enfrentamento à Covid-19 esteja previsto também o apoio à cultura e ao entretenimento, que são reconhecidamente fatores de proteção da saúde mental”, observa Pâmella De-Cnop, gerente da Fundação Vale.

Levando em conta esse cenário, o tema é um dos eixos prioritários da Emergência Covid-19 – Coordenação de ações da filantropia e do investimento social em resposta à crise. Uma iniciativa do GIFE junto a associados e parceiros, a ação tem como objetivo facilitar e coordenar a atuação da filantropia e do investimento social privado (ISP) para responder à situação de emergência vivida no país.

Além da elaboração de um documento que reúne diretrizes para a atuação do setor, um grupo de trabalho composto por representantes de fundações, institutos, empresas e outros investidores sociais tem se reunido para mapear e debater as ações possíveis para o enfrentamento da pandemia.

Já foram mapeadas cerca de 150 iniciativas e 180 fundos e campanhas de emergência promovidas e/ou fortalecidas pelo setor. Com base nesse mapeamento, o GIFE identificou os principais eixos de atuação dos investidores, que se dividem entre trilhas imediatas e de médio e longo prazo para responder aos impactos da crise em áreas e públicos diversos.

Apoio à cultura e ao bem-estar

O oitavo eixo da iniciativa Emergência Covid-19, “Apoio à cultura e ao bem-estar”, tem como objetivo incentivar e promover ações de bem-estar e saúde mental e de cultura e entretenimento no contexto de isolamento social e confinamento.

Em tempos de pandemia, diversas instituições culturais tiveram que se adaptar à medida de distanciamento social. O Itaú Cultural é uma delas. Há mais de três meses, a organização tem trabalhado em modo remoto.

Além do home office, a instituição também optou por garantir a remuneração prevista nos contratos de todos os artistas que se apresentariam no Itaú Cultural e tiveram suas atividades suspensas em virtude da quarentena. Posteriormente, esses profissionais voltarão a fazer parte da programação da instituição.

Outra iniciativa frente à pandemia foi a criação de editais emergenciais para acolher a produção dos profissionais da área. Foram lançadas chamadas por categoria do setor, como artes cênicas, música, artes visuais, poesia, literatura, entre outras.

Eduardo explica que a instituição está empenhada em ampliar sua atuação digital, de modo a oferecer mais arte e cultura para os diversos públicos no ambiente virtual.

“Estamos nos reencontrando com a origem do Itaú Cultural, que, há 30 anos, foi criado como uma grande plataforma virtual de artes visuais. Hoje, essa base de dados virtuais é a enciclopédia de arte e cultura brasileira. Já estávamos nesse processo de aumentar os produtos virtuais e a conjuntura acelerou isso.”

Festival virtual

Para além de todas as medidas de prevenção e segurança em relação às operações e quadro de colaboradores, bem como da destinação de R$ 500 milhões a ações de ajuda humanitária e apoio às políticas públicas, a Fundação Vale é outra instituição que tem empreendido esforços no apoio à cultura.

Em um primeiro momento, a instituição tem trabalhado junto aos projetos patrocinados para adaptar as programações e atender à medida de distanciamento social. São projetos de música, dança, museus e centros culturais que estão com ações totalmente online.

Além disso, a organização tem promovido editais para apoiar artistas independentes. Uma dessas iniciativas se destina ao patrocínio do Festival UP!. Os artistas enviam seus conteúdos para a avaliação de uma equipe de curadores. Se selecionados, os projetos são remunerados e disponibilizados na plataforma do Festival, que ficará no ar até 13 de julho.

“A iniciativa é uma forma de apoiar, ao mesmo tempo, produtores de conteúdo e população em isolamento. E o impacto positivo indireto é ainda maior, já que a população pode passar a conhecer melhor quem são os agentes culturais e artistas de sua região, o que fará com que, passado o período de isolamento, haja ampliação do consumo dos produtos culturais, aumentando também sua divulgação e a valorização dos trabalhadores da área. No final do processo, teremos uma rede fortalecida, tanto de público, quanto de artistas”, observa Pâmella.

Outras medidas

Para Eduardo, medidas como alterações nos mecanismos da Lei Rouanet e do ProAc [Programa de Ação Cultural], além de taxas de juros menores nas linhas de financiamento direcionadas a pequenos produtores culturais, podem ajudar o setor a atravessar o período de isolamento.

“Com ou sem pandemia e distanciamento social, evidências mostram que o investimento em cultura reverte em saúde e, consequentemente, em bem-estar. Além disso, investir em cultura significa, no longo prazo, menor necessidade de recursos nas áreas da segurança pública e da educação. O ser humano precisa da poética, da criatividade, do pensamento crítico e da imaginação. É isso que nos diferencia”, afirma o especialista.

Articulação

Para Eduardo, a união de esforços do investimento social privado e da sociedade civil torna-se vital no atual cenário. “Não sabemos – ou apenas vislumbramos – como será a nova realidade mundial quando a pandemia passar. É importante atuarmos por meio de um conjunto de ações assentadas no tripé ‘formação, fomento e fruição’, que pode ser implementado virtualmente, embora ainda tenhamos o desafio de democratizar o acesso à internet. Por outro lado, isso nos provoca a oferecer produtos e programas que não sejam simplesmente uma transferência de ações presenciais para o universo digital”, observa.

Para Pâmella, integrar o grupo de trabalho da iniciativa Emergência Covid-19, do GIFE, tem sido estratégico. “A possibilidade de debater, em conjunto, os desafios que têm se apresentado ao campo do investimento social privado, como a falta de normativas e diretrizes únicas no âmbito nacional, o agravamento das desigualdades sociais em razão da diferença de estruturas e tecnologias disponíveis e o aumento da violência em decorrência do isolamento, tem trazido reflexões importantes para nossa atuação.”

O futuro

Para Eduardo, o pós-crise demandará o fortalecimento da ciência, o avanço da educação e a ampliação do fazer artístico.

“O século 21 exige mais e mais pessoas criativas e com senso crítico para que o país possa se transformar e desenvolver. A arte e a cultura têm a força para fazer isso acontecer. A partir de agora, teremos de encontrar um novo normal, ou melhor, uma nova realidade. Nesse sentido, as instituições que tiverem a capacidade de dar respostas e de correr riscos para ajudar a desenhar esse novo real se destacarão. No Brasil e no mundo, elas vão passar por uma profunda reorganização, inclusive abrindo um debate sobre sua missão e propósito.”


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