Estado de São Paulo altera regras sobre validade da isenção do ITCMD

Por: GIFE| Notícias| 27/02/2020

Em dezembro de 2019, o Diário Oficial do Estado de São Paulo publicou três resoluções referentes a novas regras do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), tributação que rege tanto doações privadas e provenientes de heranças, quanto destinações de interesse público a organizações da sociedade civil (OSCs). 

De acordo com as determinações, o prazo de vigência do Certificado de Reconhecimento de Instituições e da Declaração de Isenção do ITCMD, passa de doze meses para três anos. 

A medida vale apenas para as organizações reconhecidas como entidades vinculadas à proteção do meio ambiente e à promoção de direitos humanos e cultura por suas respectivas Secretarias de Estado: Infraestrutura e Meio Ambiente, Justiça e Cidadania e Cultura e Economia Criativa. 

O que mudou

Antes as organizações precisavam reunir anualmente documentos tanto para apresentar na sua secretaria temática – para obtenção do Certificado de Reconhecimento – como para a Secretaria da Fazenda e Planejamento para validação da Declaração de Isenção do ITCMD. O trâmite agora passa a ser necessário a cada três anos, sendo que o processo de renovação deve ser iniciado três meses do vencimento dos documentos. 

Flavia Regina Oliveira, da área de organizações da sociedade civil, negócios sociais e direitos humanos e sócia do Mattos Filho Advogados, vê de maneira positiva a mudança, pois a mesma desobriga as organizações a repetirem o mesmo processo de renovação a cada nove meses. “É um processo burocrático no sentido de que as organizações precisam preparar uma série de documentos para apresentar às secretarias. Esse entrave exigia um trabalho constante de acompanhamento das renovações. Quando o estado, por meio das secretarias temáticas, juntamente com a Secretaria da Fazenda, amplia o prazo para três anos, a organização obtém a renovação e, então, tem dois anos para trabalhar, executar suas atividades e se preocupar com a renovação só no terceiro ano”, pontua. 

Nicole Hoedemaker, assessora jurídica da Associação Paulista de Fundações (APF), ratifica e afirma que o aumento do prazo dá certo grau de conforto e, principalmente, segurança jurídica de não obrigar a realização anual do processo de continuidade da isenção. “Toda a melhoria no sentido de desburocratização e segurança jurídica para as entidades gera um fortalecimento e melhoria nos procedimentos internos administrativos. Nesse sentido, a organização terá mais tempo e disponibilidade para focar na sua área de captação de recursos e sustentabilidade e, consequentemente, acredito que conseguirá incentivar mais as doações.”

Eduardo Pannunzio, pesquisador da Coordenadoria de Pesquisa Jurídica e Aplicada (CPJA) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP), observa a segurança jurídica proporcionada pelas novas regras. “Era comum que o certificado ou a declaração vencessem enquanto as organizações estavam aguardando a renovação. Para afastar a dúvida, a alteração também deixou claro que esses documentos seguem produzindo efeitos até que o pedido de renovação seja decidido. Isso dá mais segurança às organizações e doadores.”

Medida representa avanço 

Para Flavia, a mudança representa um primeiro passo e o exemplo de São Paulo pode influenciar a mudança de comportamento nos demais estados. Além disso, a especialista pontua que a medida demonstra maior confiança do governo nas organizações. “O estado está simplificando a sistemática, o que mostra que está olhando para as organizações de um outro jeito. Antes, havia um olhar de desconfiança e, por isso, queria que anualmente as instituições demonstrassem que cumpriam todos os requisitos. Agora, está ‘dando um crédito’ e quer a demonstração a cada três anos. É um primeiro avanço.”

Eduardo, por sua vez, cita a publicação Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil: Desafios do ambiente jurídico brasileiro atual, correalizada por GIFE e FGV Direito SP para reforçar que o Brasil vai na contramão internacional, onde a maioria dos países preocupa-se em estimular as organizações da sociedade civil, e não taxá-las. 

Entre os 75 países pesquisados, apenas 30 tributam diretamente as doações. Desses, entretanto, a grande maioria (26) diferencia doações privadas das doações de interesse público, seja por isenção fiscal (no caso de 24 países), ou diminuição do tributo (dois países). Na contramão da tendência mundial, ao lado de Coreia do Sul e Croácia, o Brasil recolhe impostos sobre as doações para OSCs. A isso, soma-se o fato de o ITCMD brasileiro respeitar legislações estaduais, o que significa regras diversas impostas por 27 leis sobre o imposto. 

“Só vamos conseguir nos alinhar com a experiência internacional quando desonerarmos amplamente as doações a organizações da sociedade civil”, pontua o pesquisador. 

Nicole concorda que trata-se de um avanço, ainda que pequeno, considerando que para os doadores não houve alterações. “Acreditamos que são os primeiros passos de uma alteração mais significativa que, esperamos, está por vir, e aí sim estaremos um pouco mais próximos da tendência mundial em não onerar as doações para as organizações sem fins lucrativos.”

Como o ITCMD brasileiro pode avançar? 

É unanimidade entre os especialistas a necessidade de alteração da legislação do ITCMD quando o assunto é tributação sobre doações para OSCs. Para Flavia, é válido intensificar o advocacy para mostrar que a proposta não é deixar de ter tributação sobre doações e sim que doações filantrópicas não devem ser tributáveis pelo ITCMD considerando, entre outros motivos, a pequena porcentagem com a qual o recolhimento do imposto contribui à receita.

Para alcançar esse objetivo, Eduardo pontua três possibilidades. A primeira delas, a partir de uma Emenda Constitucional, consiste em afastar essas doações do campo de abrangência do ITCMD. Segundo o pesquisador, é possível aproveitar o atual movimento em prol de uma reforma tributária para fazer avançar essa pauta. 

Outra possibilidade envolve aperfeiçoamentos nas legislações de cada estado para isentar as doações a organizações que promovem interesses públicos. Em 2017, o governo do estado do Rio de Janeiro alterou sua legislação determinando a isenção da incidência do ITCMD sobre doações para fundações e organizações da sociedade civil (OSCs).

Por último, Eduardo aponta como alternativa definir, por meio de resolução do Senado, uma alíquota diferenciada para essa doações. 

Além disso, o pesquisador reforça a importância da isenção ser ampliada para todas as organizações da sociedade civil. “A alteração facilita o exercício de um direito que já era assegurado pela legislação paulista e, evidentemente, isso é positivo. No entanto, ela não amplia o universo das organizações que são isentas do ITCMD. Felizmente, o estado de São Paulo tem dado sinais de que pretende promover um novo e mais profundo aperfeiçoamento da legislação em breve. Torço para que isso aconteça. A atual sistemática não interessa às organizações, ao estado (cuja arrecadação com ITCMD sobre doações é relativamente ínfima e desproporcional aos custos de administração e fiscalização do imposto) e tampouco à sociedade.”

Saiba mais

Confira aqui a nota informativa produzida pela CPJA da FGV Direito SP sobre as três resoluções publicadas em dezembro de 2019. 


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