Estudo da Pretahub mapeia três perfis de empreendedores negros no Brasil

Por: GIFE| Notícias| 17/02/2020

De um universo de pouco mais de 210 milhões de habitantes no Brasil, cerca de 99 milhões de pessoas declaram-se como pardas e 20 milhões como negras, conforme apontado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que 119 milhões de brasileiros, 56,75% da população, são negros ou pardos. O racismo estruturado e institucionalizado, entretanto, invisibiliza essa fatia – que é maioria dos brasileiros -, desde espaços de lazer até o mercado de trabalho. 

Dados do Censo GIFE 2018 apontam que, apesar da diminuição – de 71% para 58% – de organizações que contam exclusivamente com pessoas brancas e o aumento – de 20 para 31% – da proporção de investidores sociais com conselheiros de diferentes cores e raças, o caminho a ser percorrido para alcançar a equidade racial ainda é longo. Isso porque apenas 8% das 133 organizações respondentes conta com negros em seu conselho deliberativo e 19% com conselheiros pardos. 

O guia O que o ISP pode fazer por Equidade Racial? traz outros dados alarmantes no que se refere a pobreza e violência: mais de 70% da população negra brasileira vive em situação de extrema pobreza, além de 71% das vítimas de homicídio serem negras e representarem 61,6% da população carcerária no Brasil. 

Frente a esse cenário, a Pretahub, hub que concentra o trabalho do Instituto Feira Preta, em parceria com JP Morgan e Plano CDE, realizou o estudo Empreendedorismo Negro no Brasil 2019. Entre as principais descobertas, a pesquisa desenha o perfil do empreendedor negro brasileiro: a maioria identifica-se como pardo (81%), é mulher (52%), tem menos de 40 anos (69%), mora nas regiões Sudeste (40%) ou Nordeste (31%), estudou até o Ensino Médio (49%) e possui renda familiar de até R$ 5 mil (37%). 

Para Adriana Barbosa, CEO da PretaHub e presidente da Feira Preta, a pesquisa é uma forma de obter dados que ajudem a dimensionar o real impacto das ações realizadas com foco no desenvolvimento econômico da população negra, além de ressignificar o que já se sabe sobre empreendedorismo negro no Brasil. “Temos 131 anos pós-período abolição e, se tem algo que fez com que a população negra sobrevivesse ao racismo estruturado e, muitas vezes, institucionalizado, foi o ato de empreender. Empreendemos há 13 décadas de forma potente, mesmo diante de nossas vulnerabilidades.”

Gilberto Costa, co-chair do BOLD, grupo de Equidade Racial do JP Morgan, defende que a pesquisa possibilita maior compreensão sobre os desafios enfrentados por empreendedores negros, inclusive com discussões relacionadas a diversidade de perfis e potências, de forma a compreender como é possível apoiar o pleno desenvolvimento dessas pessoas e negócios. 

Principais achados 

A pesquisa dividiu os entrevistados em três perfis: os que empreendem por necessidade, por vocação e os engajados. Dos que empreendem por necessidade, 46% justifica a ação pelo desemprego, acentuado pela dificuldade de acesso ao mercado de trabalho. 

51% dos que empreendem por vocação afirmam que sempre tiveram esse desejo – seja por familiaridade com a atividade, desejo de ser autônomo e, muitas vezes, dificuldade de se adequar ao mercado de trabalho -, sendo que 95% quer ampliar seu negócio no período de um ano. É esse tipo de empreendedor que “sente necessidade de mostrar valor independente da raça, muitas vezes separando o próprio trabalho como empreendedor da luta contra o racismo”, revela o estudo. 

Os empreendedores engajados, que se autodenominam afro empreendedores, se identificam e têm prazer e senso de oportunidade com a atividade. Em muitos casos, eles somam o desejo de empreender com o exercício de uma atividade autoafirmativa voltada ao público afro. 31% deles acredita que sua maior qualidade é a articulação de sua cultura e produtos e 36% trabalha com inovação. 

O racismo como estrutura da sociedade 

Diante do levantamento, apresentam-se alguns desafios para que o ambiente empreendedor acolha e dê oportunidade às pessoas negras. O primeiro deles é fazer com que os empreendedores por vocação tornem-se empreendedores engajados. Segundo Adriana, essa é uma forma de fazer o ‘black money’, ou seja, promover a desconcentração de renda. “Teremos mais empreendedores negros para atender à demanda de consumo da população negra, fazendo a circulação monetária aumentar.” 

O acesso a crédito é outra barreira a ser superada. A pesquisa aponta que a maioria iniciou seus negócios com poupança própria ou de familiares/amigos. “Muitos não tentam ou não conseguem acesso a crédito ou investimento no valor necessário para ampliar seu negócio. Nessa frente, o apoio na simplificação do acesso e mesmo na decisão sobre o tipo de capital – crédito regular ou investimento – devem ajudar a destravar o crescimento”, explica Gilberto. Adriana ratifica ao afirmar que, em muitos casos de tentativa de articulação com bancos, são registrados casos de racismo institucional. 

Gilberto reforça ainda a frequente solidão dos empreendedores em atividades relacionadas a gestão financeira e comunicação do produto ou serviço. “Nesse ponto, é possível apoiar por meio de treinamento, tecnologia ou prestação de serviços que ajudem a otimizar alguns processos.” 

Outro ponto que merece atenção é a subjetividade e as motivações das pessoas. Segundo Adriana, pelo fato de o empreendedor, muitas vezes, não se reconhecer nesse lugar de empreendedorismo, geração de novas ideias e de potência, é preciso reforçar a autoestima das pessoas e de suas capacidades. 

Soluções e oportunidades 

Para Adriana, o primeiro passo para superar os desafios que pessoas negras enfrentam na hora de empreender é reconhecer que o racismo não só existe no Brasil, como é institucionalizado e opera os negócios. 

Em seguida, a CEO reforça que é necessário ter uma atuação sistêmica e um olhar de ecossistema para desenvolver o tema no país. “O problema relacionado à questão da discriminação racial não é só uma questão das pessoas negras, mas de todos. Por isso, precisamos ter o estado, a academia, as empresas, as instituições, aceleradoras e incubadoras no papel de suporte ao empreendedorismo.” 

Gilberto aponta que existem outras possibilidades para não só aportar capital, como apoiar organizações a expandirem seus programas. Além disso, também é possível a realização de consultorias e assessorias pro-bono aos negócios. “O importante é conectar-se a esse rico ecossistema, buscar aprender junto, apoiar o desenvolvimento dessas organizações com base em suas necessidades e desenvolver parcerias, considerando que a maioria delas, inclusive, é liderada também por potentes empreendedores negros.”

Nesse sentido, o investimento social privado tem muito a contribuir, incentivando a presença de pessoas negras no ecossistema empreendedor. Adriana reforça que o olhar para esse empreendedorismo deve considerar suas pluralidades e singularidades. Mas, para isso, é necessário mais acesso a educação e cultura empreendedora.


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