Falta de recursos no Inpe ameaça o monitoramento do desmatamento no Cerrado

Por: GIFE| Notícias| 07/02/2022
desmatamento no Cerrado

O Cerrado perdeu 8,5 mil quilômetros quadrados de vegetação entre agosto de 2020 e julho de 2021, um aumento de aproximadamente 8% em relação ao período anterior. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e foram divulgados no final de 2021.

Apesar do índice de desmatamento no bioma ser o maior desde 2015, não foi essa informação que colocou o órgão novamente no ‘olho do furacão’. O motivo, desta vez, foi a divulgação de uma reportagem do jornal O Globo que denunciou que a falta de recursos federais motivaria a paralisação do monitoramento do desmatamento no Cerrado a partir do mês de abril de 2022.

De acordo com a publicação, diante da iminência de falta de recursos, um grupo de cientistas, contratado temporariamente pelo Inpe, buscou ajuda junto à iniciativa privada. “Em maio do ano passado, com intermediação do ex-diretor [do Instituto] Gilberto Câmara, os cientistas obtiveram uma proposta da CLUA (Climate and Land Use Alliance) de complementar os R$ 2,5 milhões de que o programa precisa para se manter por um ano, um valor relativamente baixo”, explica a matéria. Porém, segundo o periódico, a proposta foi recusada pela atual direção do Inpe.

Em nota à imprensa, o Instituto argumenta que não é verdade a afirmação de que a “diretoria do Inpe rejeitou recursos privados”. O documento elenca vários pontos e uma cronologia dos diálogos com a CLUA. Segundo a instituição, em função da visibilidade alcançada pelo projeto-piloto do SatAlertas, a CLUA se mostrou interessada em apoiar financeiramente a continuidade do desenvolvimento do sistema. “Essa proposta foi bem recebida pela equipe de pesquisadores e imediatamente apoiada pela direção do Inpe”, diz o documento. 

Ainda conforme a nota, o Instituto submeteu a proposta de parceira à sua consultoria jurídica e solicitou uma manifestação acerca da proposta de acordo tripartite entre o Inpe, a CLUA e a Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais (FUNCATE). A extensa nota, todavia, não esclarece como ficará a situação do monitoramento do desmatamento no bioma a partir de abril, como denunciado pelo O Globo

Manifestação da academia

Foi com pesar e indignação que a professora e coordenadora do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás (UFG), Elaine Silva, recebeu a notícia sobre a possível paralisação do acompanhamento do desmatamento no bioma. “A UFG, por meio do Lapig, foi a instituição pioneira no monitoramento do Cerrado. Com os dados que geramos, conseguimos chamar a atenção para o intenso processo de desmatamento no bioma.”

A pesquisadora argumenta que, sem essas ações de monitoramento, a destruição desse e de outros biomas tende a aumentar por não haver outro mecanismo que subsidie a fiscalização. Em entrevista à Veja, Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe e eleito um dos cientistas mais importantes do mundo pela revista Nature, acrescenta que o país caminha para entrar em colapso em relação ao monitoramento do desmatamento e das queimadas nos biomas brasileiros. 

“Já havia uma previsão do fim desses recursos enquanto eu era diretor e nós começamos a elaborar uma nova solicitação por meio do Fundo Amazônia. E isso realmente foi impossibilitado pela decisão do [ex-ministro do Meio Ambiente] Ricardo Salles de descontinuar o fundo. Há 2 bilhões de reais  disponibilizados que não podem ser utilizados”, explica Ricardo. 

 O papel da sociedade civil organizada

Assim que a reportagem do jornal O Globo foi divulgada, o Consórcio MapBiomas manifestou que possui um sistema de alerta que pode ser ativado “a qualquer momento” para evitar impacto no apagão de dados do Inpe. “Esperamos que a ameaça de paralisação do Prodes e do Deter Cerrado não se concretize e que o trabalho de excelência realizado pelo Inpe continue a ser apoiado e valorizado”, ressalta o documento do grupo formado por dezenas de organizações não governamentais, universidades e empresas de tecnologia.

Elaine analisa que essa paralisação impactaria a metodologia já consolidada no processo de monitoramento. “Isso causa uma ruptura no que tem sido produzido. Dessa forma, acaba por incentivar o desmatamento ilegal, uma vez que não teriam como ser analisadas as atuais mudanças na cobertura das terras.”

O Lapig é uma das instituições que poderia acompanhar o desmatamento no bioma. Entretanto, conforme Elaine, o respaldo governamental é importante, principalmente para as ações de fiscalização. “Se o Governo não tem interesse em monitorar, teria interesse em fiscalizar?” 


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