Temas como fortalecimento da democracia, corrupção, gênero e raça permeiam toda a programação do Congresso GIFE
Por: GIFE| Notícias| 09/04/2018Ao longo dos três dias de Congresso GIFE, as 18 mesas de debate da programação fechada do evento, que contaram com a participação de 70 palestrantes e mais de 800 participantes, trouxeram para a roda de conversa temáticas organizadas em três trilhas centrais.
Na primeira delas, as mesas refletiram sobre temas que visam o fortalecimento e aprimoramento do investimento social, com toda a sua diversidade de foco, atuação etc. Assim, os participantes do Congresso se envolveram em debates sobre tendências e desafios para o campo do investimento social privado (ISP); inovação social; comunicação transformadora; e avaliação; etc.
Já a segunda trilha da programação, visou levar os participantes a refletir sobre as fronteiras de ação coletiva, ou seja, quais são as aproximações, convergências e interfases do ISP com múltiplos atores, fortalecendo articulações. Nesta linha, o evento contou com mesas sobre avanços da atuação em rede; princípios e dilemas de advocacy e incidência política; fronteiras entre o público e o privado; cultura de doação; fortalecimento das organizações da sociedade civil; negócios de impacto social; entre outros.
Por fim, a terceira trilha reuniu discussões sobre os desafios e os temas prioritários da agenda e da vida pública, estabelecendo as conexões e possibilidades de atuação e conversa do ISP, e impacto real do investimento social nestas agendas. Nesta frente, o Congresso contou com atividades sobre como revigorar a democracia e a vida pública; caminhos para a promoção de equidade e diversidade; oportunidades para a sustentabilidade do planeta; entre outras questões.
Acompanhe abaixo algumas das principais discussões do Congresso:
Democracia e ISP
‘Brasil e investimento social: caminhos para revigorar a democracia e a vida pública’ foi o tema que norteou a conversa entre Bruno Brandão, representante da Transparência Internacional no Brasil, Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade, Beatriz Pedreira, coordenadora de inteligência do Instituto Update; e Pedro Abramovay, diretor para a América Latina e Caribe da Open Society Foundation.
Bruno Brandão deu início à discussão destacando que, no panorama do aniversário de quatro anos da Operação Lava Jato, a corrupção tornou-se a preocupação número um do cidadão brasileiro. Em um cenário de polarização exacerbada, o desafio maior da organização é, segundo Bruno, trabalhar em um campo neutro para chegar à raiz do problema a partir do uso de conhecimento.
Para isso, a organização internacional utiliza algumas ferramentas, como o Índice de Percepção da Corrupção, que posiciona 180 países de acordo com a percepção da sociedade sobre corrupção. Em outro levantamento intitulado “Barômetro Global da Corrupção”, Bruno destaca notícias animadoras para o Brasil. Segundo o especialista, o país foi o segundo colocado de acordo com o menor índice de pagamento de suborno na América Latina para obtenção de acesso a algum tipo de serviço público, como uma vaga na escola ou uma consulta médica no posto de saúde. “Outro resultado que chamou atenção no levantamento é o fato do brasileiro ser o cidadão, entre 77 países, que mais confia na própria capacidade de lutar contra a corrupção”.
Em seguida, Beatriz Pedreira apontou que o cenário de crise política vivido atualmente pelo Brasil é um sintoma do distanciamento entre poder público e os cidadãos. “No Instituto Update, nós costumamos falar que trata-se de um software novo rodando num hardware antigo. Atualmente, a política está sendo insuficiente para responder às demandas e desafios da sociedade do século 21. Entretanto, esse atrito gera possibilidades”.
Com sua criação motivada por uma crise de referências de poder, o Instituto Update, organização sem fins lucrativos que estuda e fomenta práticas políticas na América Latina, teve um primeiro esforço de mapear essas novas práticas que estavam trabalhando para aproximar o cidadão da tomada de decisão, a partir de uma viagem por 11 países, com o levantamento de 700 iniciativas e entrevistas junto a 200 pessoas.
Apesar desse grande leque de novas ações políticas, Beatriz ressaltou que 30% delas deixaram de existir, e isso se dá principalmente por dois motivos: a falta de financiamento, uma vez que são poucos os atores da sociedade civil que investem tempo e recurso na agenda de fortalecimento democrático, principalmente na América Latina; e pela falta de conhecimento: uma vez que não há investimento, não há conhecimento e, portanto, não há apoio da opinião pública. “O investimento do campo social precisa ser sistêmico, não só pontual. É de extrema importância investir em processos de fortalecimento democrático”.
Por fim, Pedro Abramovay encerrou a parte expositiva da mesa questionando o papel e o estilo da filantropia brasileira. Durante sua fala, destacou a necessidade da filantropia corporativa assumir mais riscos e atuar em questões políticas, o que geralmente tem certa resistência no campo. Além disso, o diretor trouxe uma perspectiva da Open Society sobre três grandes desafios sociais que precisam de investimento e atenção, de forma a combater o crescimento de determinadas agendas no Brasil, como a ascensão da extrema direita.
O primeiro deles é a violência. Há uma necessidade urgente de combater a realidade vigente no Brasil, país onde 60 mil pessoas são assassinadas por ano. “Trata-se de uma tragédia gigantesca e é absurdo que a gente não se choque com isso, porque as pessoas que morrem são os invisíveis. A morte de Marielle Franco ganhou notoriedade, apesar dela ser negra e da favela, porque estava ocupando uma posição de poder. Mas essas mortes acontecem todos os dias na periferia. Precisamos de respostas efetivas para enfrentar o problema, pois políticas de segurança que funcionam não geram votos, enquanto que políticas que geram votos, como aumento da guerra às drogas e militarização, não funcionam”.
Um segundo ponto é a corrupção e a necessidade de criar um sistema capaz de produzir soluções de combate a partir da lógica de direitos. Segundo Pedro, esse movimento pode ser apoiado pela filantropia, que deve ajudar a criar uma sociedade civil forte. Em terceiro lugar, o especialista citou a questão dos direitos humanos e a necessidade e importância de incluir toda a população no debate.
Ana Toni destacou que essas são pautas que precisam de um esforço comum para serem trabalhadas. “Nós devemos pensar em como mobilizar recursos do ISP para determinada causa. Diversos atores do investimento social têm a tendência de falar que não gostam de trabalhar com política porque dá muito trabalho. Mas, por outro lado, sempre querem realizar parcerias com governos para dar escala às ações. Isso é política. Por que uma é vista como boa e outra não?”, questionou.
A mesa também contou com o anúncio da criação de um Fundo para o Empoderamento e Protagonismo Político de Mulheres Negras, inspirado na vereadora Marielle Franco. A iniciativa da Fundação Ford, Open Society Foundation, Ford, e Instituto Ibirapitanga dará um apoio inicial de 10 milhões de dólares (pouco mais de R$ 33 milhões) para o Fundo Baobá para Equidade Racial.
Em um momento de reflexão final, os quatro participantes destacaram a importância da educação política ainda na escola, e a necessidade da percepção que cada cidadão pode levar o debate para suas equipes de trabalho, para os conselhos e suas casas, com a criação de ambientes onde pessoas possam debater temas difíceis, como política, de uma forma menos polarizada.
Equidade e diversidade
Mantendo a agenda política em discussão, a mesa “Caminhos para a promoção de equidade e diversidade” contou com a participação de Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco; de Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil; Cida Bento, coordenadora executiva do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades (CEERT); e Beatriz Azeredo, diretora da área de Responsabilidade Social da TV Globo.
A radicalização ganhou menção na discussão quando Ricardo Henriques citou a exclusão total da palavra ‘gênero’ do Plano Nacional de Educação (PNE). O especialista destacou que, apesar de alguns avanços, como o aumento de jovens negros na universidade, por exemplo, houve um retrocesso no campo da diversidade. “É preciso entender como é possível repensar o espaço público como um todo em direção a uma agenda de promoção de reconhecimento, da diversidade a serviço da equidade”.
Em seguida, Cida Bento destacou que muitas vezes, dentro de empresas e instituições, o tema de diversidade é designado a profissionais da área de responsabilidade social que não são especialistas no assunto, aumentando a precarização de um assunto sério que deveria ser tratado de forma mais cuidadosa. “Quando uma instituição traz gênero e raça para suas discussões, não significa somente trazer negros e mulheres, mas que o tema da diversidade seja central em seus programas, na comunicação que a organização faz. Isso deve mexer e impactar a instituição como um todo”. A coordenadora executiva ratificou a necessidade de incluir pessoas com outras trajetórias de vida, de forma que possam contribuir com as instituições.
À frente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, Oded apresentou alguns dados sobre a desigualdade de realidades encaradas em diferentes distritos da cidade de São Paulo, apontados no Mapa da Desigualdade, uma iniciativa da Rede Nossa São Paulo. O especialista usou sua fala para deixar claro que todos os países que se tornaram mais justos e trabalharam para melhorar a distribuição de renda fizeram isso por meio do investimento em políticas públicas.
“Não há outra maneira de agir além de se interessar e se envolver com políticas públicas e investir em quem trabalha e fala sobre isso. Não é fácil, vamos enfrentar resistência de gente e organizações poderosas. Mas a sociedade brasileira está doente, e a única maneira de curar é ter consciência dessa doença. É preciso ter dimensão disso e mobilizar para que a gente consiga mudar esse conjunto de dados apresentados no Mapa da Desigualdade, por exemplo”, ressaltou Oded.
Beatriz Azeredo, por sua vez, falou sobre como a TV Globo usa a sua expertise de comunicação e a capacidade de falar com 50 milhões de pessoas diariamente para divulgar pautas sociais e mobilizar a sociedade a respeito dos grandes temas, seja por meio de conteúdos de entretenimento, como novelas, ou por meio de matérias jornalísticas, dados técnicos, entre outras estratégias.
Como diretora da área de responsabilidade social, ela destacou a necessidade de parcerias para colocar os projetos em prática. Durante sua apresentação, Beatriz apresentou vídeos de ações realizadas juntamente com a ONU Mulheres, Unesco e Unicef, como a campanha de valorização da escola pública, chamada “Eu sou público da escola pública”, divulgada na novela Malhação. A plataforma “Tudo começa pelo respeito” também ganhou destaque.
Os palestrantes deram suas contribuições finais ao defender a importância política do ano de 2018 com as eleições em outubro; o desafio de somar esforços, muitas vezes de organizações concorrentes, em prol de uma causa em comum; a necessidade de mudança de representação dentro das organizações, o que não acontece de uma hora para outra, e sim com um processo; e a potência que o ISP tem de transformar realidades.
“O tamanho desse desafio é gigantesco. Precisamos dar um passo a mais tanto na parceria com a sociedade e também na visão de um espaço público, que não é só governamental. O ISP precisa reconhecer as ações que já estão sendo feitas além de fazer novos programas, tudo isso pensando numa agenda que realmente vê a diversidade, para que o Brasil supere níveis inadmissíveis de convívio com a desigualdade”, completou Ricardo Henriques.
Negócios de impacto
O tema ‘Negócios de impacto e investimento social: estratégias, dilemas e potencialidades’ ganhou espaço na programação do Congresso. Já na abertura da mesa, ficou claro nas abordagens dos debatedores que se trata de um movimento em expansão, aparentemente um campo fértil, mas que ainda passa pelo desafio da comprovação de efetividade de resultados do ponto de vista social.
Fábio Deboni, gerente-executivo do Instituto Sabin e mediador da mesa, lembrou que este é o quarto Congresso GIFE em que o tema aparece na programação oficial, com diferentes abordagens. É uma agenda que definitivamente vem ganhando espaço no rol dos investidores sociais privados. “A pergunta a ser feita é: modelos de negócio podem enfrentar alguns problemas sociais? A resposta é: sim, podem contribuir. Eles resolverão todos? Obviamente não”, ressaltou.
O último Censo GIFE apontou que 42% dos associados atuam de alguma forma com o tema. Ou seja, minimamente, os investidores estão buscando conhecer a agenda e explorar seus dilemas. Percebe-se então que o país vive uma fase exploratória do campo, testando caminhos e possibilidades. “Contudo, é importante sempre reforçar que é preciso entender os negócios de impacto e finanças sociais como mais um modelo, que vem a somar às outras diversas experiências que historicamente encampamos em institutos em fundações”, pontuou o mediador.
Durante a mesa, foi realizado o lançamento da publicação ‘Olhares sobre a atuação do Investimento Social Privado no Campo de Negócios de Impacto’, a segunda da série ‘Temas do Investimento Social Privado’, organizado pelo GIFE.
A publicação tem como proposta identificar, sistematizar e aprofundar as reflexões atuais sobre a correlação entre ISP e o campo das finanças sociais e os negócios de impacto, buscando adensar o debate que vem sendo feito a partir das experiências atuais, de modo a refletir a complexidade dessa interação. Ao apresentar o contexto da atuação dos investidores sociais no campo dos negócios de impacto – incluindo as tendências e práticas em curso –, a publicação pretende subsidiar, ampliar e aprofundar a discussão sobre essa atuação e promover o diálogo sobre suas potencialidades e implicações.
Graziela Santiago, coordenadora de Conhecimento do GIFE, destacou que a organização tem se aproximado da temática há bastante tempo, inclusive tratando-a como uma agenda estratégica e com uma rede temática dedicada ao dialogo sobre o tema.
“É crescente o interesse dos investidores sociais nessa agenda. Sem dúvida, trata-se de uma tendência. É um movimento em expansão, apesar de ainda incipiente. Os resultados ainda estão em processo de comprovação e entendemos que é mais uma ferramenta disponível, não uma proposição que se apresenta como caminho de futuro. É importante reconhecermos as organizações da sociedade civil [que estão fora desse modelo] como atores fundamentais para nosso tecido social. Precisamos de múltiplas abordagens para fortalecer nossa democracia”, comentou.
Para compartilhar experiências práticas no campo, Carla Duprat, diretora-executiva do Instituto InterCement, abriu sua apresentação destacando quantas evoluções observou desde sua última participação no Congresso GIFE, há dois anos. Para a gestora, trata-se de um exercício de fazer valer uma tese: o investimento social dentro de uma companhia mobiliza diversos outros recursos além de suas fontes mais óbvias. “Como podemos inovar para aumentar escala? Como nosso negócio [no caso, cimentos] pode impactar a redução da desigualdade?”, questionou.
Carla contou que uma das primeiras experiências foi em uma startup social na linha de educação de idiomas com voluntários estrangeiros que ensinam comunidades vulneráveis. “Observamos que os jovens de baixa renda conquistam fluência em cerca de um ano e aumentam sua capacidade de empregabilidade.”
Apesar de algumas experiências, Carla esclarece que a área é muito nova e que ainda não existem grandes resultados para compartilhar. “Estamos testando e aprendendo. Olhando para nossa cadeia de valor, começamos a fazer uma provocação para áreas estratégicas da companhia. Uma delas foi a que lida com nossa matriz energética. Estamos montando uma rede de pequenos agricultores que podem fornecer biomassa para a companhia, dentro de uma escala possível. Isso significa uma rede potencial de dois mil produtores na Bahia e quatro mil em Goiás. Esperamos gerar um ciclo virtuoso de atender uma necessidade real da companhia e gerar benefício social”, contou.
Celso Athayde, fundador da Favela Holding e da organização CUFA (Central Única das Favelas), abriu sua participação declarando, humildemente, seu desconhecimento sobre o campo. “Não sou especialista desse tema. Nem sei direito o que é isso. Estamos aprendendo.”
Apesar da autodeclaração, Celso é uma força quando pensamos em negócios sociais em favelas cariocas. Ex-morador da favela do Sapo, explorou diversas possibilidades de trabalho informal até se tornar um empreendedor. Em certo momento, começou a trabalhar com o movimento hip hop e viu que o discurso era muito potente, mas a prática na comunidade ainda frágil. Assim nasceu a CUFA, organização que hoje está em 27 estados e onde atuou até 2017. Foi nesse período que escutou, pela primeira vez, o termo ‘negócios sociais’.
Surgiu então a ideia de criar uma holding que acomodasse uma série de negócios que atuam nas favelas, como a Favela Log, empresa que distribui produtos populares nos mercados de classe alta e média dentro das comunidades. “Existem necessidades nas favelas, mas também são mercados potenciais. É preciso falar de impacto sim, mas entender que não é favor algum para o favelado. As pessoas que vivem ali querem também ser donas do negócio. O que vejo é que as empresas ainda estão muito mais preocupadas com o resultado financeiro do que com o impacto social em si. Essa lógica precisa mudar. Os empreenderes comunitários precisam entrar na roda.”
As provocações da plateia mostraram que o modelo ainda parece estar fechado a espaços de diálogo privilegiados. Em geral, entre “pessoas brancas de classe média alta”, como classificou Fábio Deboni. Ao buscar conexões com o tema do Congresso, a inquietação que pareceu tomar conta da sala foi: quando a outra ponta da cadeia, ou seja, aqueles que estão nas comunidades – muitas vezes no papel do beneficiário, do sujeito-vulnerável – vira protagonista, promotor e consumidor dessas soluções? O tema, então, se mostra complexo em si: ao mesmo tempo que se apresenta como terra fértil para investidores, ainda apresenta dilemas que precisam ser melhor elaborados pelo campo.
Outros debates
Confira, em breve, no Canal do Youtube do GIFE a íntegra das demais mesas do Congresso GIFE.