Ineficiência no combate ao garimpo ilegal aprofunda crise Yanomami 

Por: GIFE| Notícias| 05/02/2024

Hospital de Campanha Yanomami montado na Casa de Saúde Indígena - Casai. Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

“As autoridades do Brasil precisam olhar mais pro meu povo Yanomami. […] nós, eu preciso do apoio de vocês [para] pressionar o chefe dos garimpeiros, que nunca foi preso, para botar na cadeia”, esse é o apelo de Davi Kopenawa, liderança Yanomami, feito em um vídeo divulgado pela HAY (Hutukara Associação Yanomami).

A última terça-feira (30) marcou um ano que o presidente Lula assinou o decreto que declarava Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) na Terra Indígena Yanomami. Apesar da mobilização, novo relatório da HAY, lançado no dia 26 de janeiro, mostra que o garimpo desacelerou em 2023, mas teve a sua área ampliada em 7%. O ano contabilizou 308 mortes de Yanomami e Ye’kwana.

Além disso, as notificações de doenças respiratórias e malária aumentaram significativamente. Segundo levantamento da Secretaria de Saúde Indígena, foram 27.649 casos de malária em 2023 contra 15.561 em 2022.

Por que não avançamos?

Na avaliação do professor de Direito Internacional e Estudos das Relações Internacionais na Universidade Federal de Roraima (UFRR), João Carlos Jarochinsky Silva, a incursão para saída dos garimpeiros não é suficiente sem um sistema de vigilância. Isso porque se trata de uma atividade muito lucrativa, e há uma ineficiência da investigação judicial para reprimir a operação criminosa e chegar aos líderes.  

“O sistema de vigilância nesses espaços historicamente sempre foi deixado de lado. Falta o rastreio, tanto daquilo que é retirado na garimpagem, como do dinheiro investido.”

Responsabilidades do Ministério da Defesa

Em junho do ano passado, o governo federal publicou um decreto que alterou a atuação do Ministério da Defesa contra o garimpo ilegal no território. Os militares deveriam realizar patrulhas, revista de pessoas, veículos terrestres, embarcações e aeronaves, e prisões em flagrante.

Mas, de acordo com o padre Corrado Dalmonego, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que atua há 16 anos junto aos Yanomami, essas ações se fragilizaram. Para o indigenista, não houve a adesão das Forças Armadas à intenção política das ações. “Sempre tivemos notícia de trânsito de garimpeiros pelos rios e por via aérea, mesmo onde deveria haver bloqueio e controle.” 

Relações Brasil X Venezuela 

Dados de 2014 do relatório “Território e comunidades Yanomami Brasil-Venezuela”, indicam que existem cerca de 665 aldeias yanomamis entre os dois países. Para o professor João Carlos, o hiato de diálogo entre autoridades venezuelanas e brasileiras impactaram atividades cooperativas em relação à segurança pública. 

“São crimes transnacionais e a dinâmica de cooperação é fundamental. Quando não existe relação em nível institucional, a capacidade de fazer acordos é afetada.”

Apesar da retomada do diálogo entre os vizinhos, o professor ressalta que a crise socioeconômica da Venezuela afeta a capacidade de atuação dos órgãos repressivos.

“Há hoje uma priorização de segurança na fronteira da Venezuela com a Guiana, por conta da disputa pelo Essequibo. Ocorre ainda muitas vezes a corrupção de agentes, que acabam se envolvendo no garimpo. Além disso, o sul venezuelano é uma região de difícil acesso e controle.”

Para completar, o preço do ouro e a ausência de fiscalização da região, considerada estratégica para o narcotráfico, atraíram membros de facções para o garimpo. 

Diálogo com sociedade civil

João Carlos lembra que a desconfiança sobre a presença da sociedade civil e de ONGs no espaço da Amazônia ainda é um fator de peso. Mas uma das formas da iniciativa privada contribuir, principalmente segmentos que trabalham com ouro, é investir em maior controle do rastreio e origem do minério.

Além do garimpo, a assistência sanitária também não teve resultados substanciais. Apesar de diretamente ligada à invasão do território, o problema vai além. “Existem áreas onde não há presença maciça de invasores, e mesmo ali, os dados mostram agravamento em relação a 2022”, aponta Corrado Dalmonego.

O indigenista acredita que isso acontece devido às falhas no atendimento sanitário. “Para combater a malária, que é o que mais está matando, há necessidade de ação cotidiana de controle. Mas o Distrito Sanitário afirma não conseguir equipes sanitárias para permanecer no mínimo 15 dias nas comunidades e fazer os tratamentos necessários.”

Ele critica ainda a falta de abertura do Estado para dialogar com organizações da sociedade civil. “Organizações poderiam ter contribuído muito mais, mas não foram interpeladas. Órgãos responsáveis pela fiscalização inicialmente pediram interlocução, depois isso falhou. Essa incapacidade de dialogar é uma das causas desses dados assustadores.”


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