Maior parte dos recursos filantrópicos destinados às iniciativas indígenas no Brasil vem do exterior
Por: GIFE| Notícias| 10/04/2023Em 2021, o acampamento Luta pela Vida, organizado para pressionar a votação do marco temporal no Supremo Tribunal Federal, foi considerado o maior movimento indígena do país desde 1988. De lá para cá, foi ampliado o debate acerca das demandas dos povos originários, que seguem as mesmas de 35 anos atrás, quando a Constituição de 1988 determinou a demarcação e proteção das terras ocupadas por esses povos.
De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), apenas 13,8% de todas as terras do país são reservadas aos povos originários.
Demarcação e Desintrusão
Neste ano, entre os dias 24 a 28 de abril, está marcado mais uma edição do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília (DF), com o tema “Sem demarcação, não há democracia”.
Existe um motivo para a pauta principal dos indígenas brasileiros seguir a mesma. “Porque ainda não foi solucionada”, explica Val Eloy Terena, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Márcio Santili é um dos fundadores do ISA, e afirma que se trata de uma demanda básica. “Sem demarcação o que se tem é conflito.”
Inimá Krenak é gestora de projetos do Fundo Casa Socioambiental, e lembra que o movimento indígena contribuiu na construção do capítulo da Constituição que trata dos povos indígenas. No entanto, o processo de demarcações nunca foi finalizado. “Tivemos um governo declaradamente anti-indígena. Essa falta de respeito provocou uma grande resposta das organizações indígenas.”
No último ano, o estatuto do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) foi alterado para incluir os povos indígenas como beneficiários diretos. Para Luana Génot, diretora executiva do ID_BR, apesar da demarcação ser a pauta mais disseminada, é preciso cuidado para não tratar as mais de 305 etnias indígenas como homogêneas. “Há cada vez mais pautas transversais como direito a trabalho digno, condições de estudos.”
A ausência da demarcação gera conflitos fundiários, grilagens e garimpo ilegal. É por isso que, para além da demarcação, especialistas defendem a desintrusão das terras invadidas como prioridade. A exemplo da crise Yanomami.
“Território invadido significa que todo processo de vida desse povo está prejudicado: saúde, educação, sustentabilidade, relações internas, vivência da cultura”, pontua Antônio de Oliveira, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
“Não é só sobre demarcar, é sobre o Brasil entender que nossa luta pela terra é para que haja um futuro”, acrescenta Val Terena.
Ministério dos Povos Indígenas
A partir de 2023, o Brasil passou a ter a primeira gestão de um Ministério dos Povos Indígenas tendo à frente a índigena Sônia Guajajara.
Para Márcio Santilli, a pasta não resolve de imediato os conflitos, “mas permite interlocução direta entre as partes envolvidas no mais alto nível do governo”.
Inimá Krenak acredita que o Ministério nas mãos dos indígenas interrompe o processo de tutela desses povos. Mas, ressalta, é preciso tempo para perceber os recursos e condições de atuação.
Filantropia: maioria dos recursos vem do exterior
De acordo com o Censo GIFE 2020, ampliaram-se as iniciativas com foco em comunidades tradicionais. No entanto, 51% das organizações ainda não os adotam.
No ISA, por exemplo, a maioria dos recursos vêm da cooperação internacional governamental e não privada. Embora Márcio Santili destaque um aumento das contribuições do setor privado nos últimos quatro anos “paralelamente à desativação dos fundos públicos”.
O mesmo acontece no Fundo Casa Socioambiental. “Não temos uma filantropia no Brasil com olhar pros povos indígenas”, afirma Inimá Krenak. “Além disso, muito dessa filantropia é voltada para proteção de florestas. É importante. Mas precisamos olhar para outras pautas, como iniciativas culturais.”
Para Antônio de Oliveira, isso acontece porque os povos indígenas do Brasil sempre foram vistos como um empecilho ao desenvolvimento, e estigmatizados como “preguiçosos, desorganizados, selvagens. Isso provocou uma postura preconceituosa e o afastamento da sociedade”.
Assim, Márcio Santili defende que a melhor estratégia para reverter esse quadro é a disponibilização de informações qualificadas para que o setor se sinta mais motivado a doar.
“Proteger o meio ambiente não é missão exclusiva dos povos indígenas. A luta indígena é a luta de todos”, pondera Val Terena.
Congresso GIFE 2023 também debate o tema
A defesa de direitos e outras agendas como práticas de grantmaking e o enfrentamento às desigualdades, bioeconomia e emergência climática são algumas das temáticas do 12º Congresso GIFE. Saiba mais e confira a programação completa.
Dica de Leitura
A publicação “Povos Indígenas no Brasil 2017-2022”, do Instituto Socioambiental (ISA) traz um retrato dos últimos seis anos de pressões, ameaças e resistências da luta indígena, considerado o período mais cruel pós-ditadura para os povos originários no Brasil.