Mudanças climáticas demandam urgência no planejamento urbano

Por: GIFE| Notícias| 07/03/2022
crise climática e desigualdades

“A mudança climática induzida pela ação humana está causando uma disrupção perigosa e generalizada na natureza, afetando a vida de bilhões de pessoas ao redor do mundo, apesar dos esforços para reduzir os riscos.” Essa é uma das principais mensagens da segunda parte do estudo Mudança Climática 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, divulgada recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). No segundo semestre de 2021, o grupo publicou a primeira parte do relatório que reconhece que as indústrias e o desmatamento têm efeitos diretos no aquecimento do planeta.

Além de afirmar que aproximadamente 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivem em contextos muito vulneráveis às alterações do clima, a nova publicação pontua que ações rápidas e ambiciosas são necessárias para evitar grande perda de vida, biodiversidade e infraestrutura, promovendo adaptações e reduzindo a emissão de gases.  

O cuidado com o meio ambiente está representado em diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o 13, que preza pela ação contra a mudança global do clima, e também o 11, que visa cidades mais inclusivas, seguras, sustentáveis e resilientes a desastres ou a eventos incomuns. 

O planejamento urbano é uma ferramenta importante para combater, prevenir e mitigar um dos efeitos das emergências climáticas: as chuvas. Recentemente, o Brasil pôde acompanhar de perto inundações e deslizamentos ocasionados pelo alto volume de precipitações que atingiu as regiões da Bahia e do Rio de Janeiro, com vítimas fatais e milhares de desabrigados. 

No dia 10 de março, o GIFE reúne especialistas para para debater como o investimento social privado pode contribuir para a adaptação, reação e mitigação de catástrofes nos ambientes urbanos.  

Os desafios do planejamento urbano 

Segundo Américo Sampaio, coordenador do Portfólio de Comunicação e Engajamento no Instituto Clima e Sociedade (iCS), tempo e orçamento são os dois principais desafios ao falar sobre planejamento urbano e adaptação das cidades às mudanças climáticas. 

Américo explica que, uma vez que os efeitos dessas transformações no meio ambiente já são uma realidade, não é possível planejar pensando apenas no futuro, mas sim considerando as consequências no presente e prevendo ações de contingência e mitigação. “As cidades devem executar políticas de planejamento urbano e adaptação às mudanças do clima ao mesmo tempo que sofrem concretamente seus impactos e veem a ocorrência de desastres.” 

A questão orçamentária é outro complicador, já que, historicamente, as áreas ambientais não contam com tantos recursos e prioridades nas gestões públicas. “Nós já estamos vendo, mas, conforme o relatório do IPCC, passaremos a acompanhar cada vez mais questões derivadas da alteração do clima, como chuvas, enchentes, secas, doenças e nuvens de poeira. Obviamente as cidades terão que montar políticas e planos para conseguir combater esses efeitos, e, para tanto, vão precisar de recursos.” 

A crise econômica que o Brasil enfrenta é um agravante. Desemprego, perda de renda e inflação elevada contribuem para o cenário de endividamento dos municípios, o que impede a realização de empréstimos ou o recebimento de repasses do governo federal.  

O clima e as desigualdades  

A recente catástrofe de Petrópolis (RJ) e as chuvas na Bahia provam que os eventos climáticos estão interconectados a questões como o aumento das desigualdades. Para o coordenador do iCS, mais do que conectadas, são questões que se retroalimentam. 

Ao passo que o aprofundamento das desigualdades – com menos participação social, mais concentração de renda e de poder e mais corrupção – fragiliza as políticas ambientais e climáticas e prejudica a capacidade das cidades e do país como um todo de combater as mudanças do clima, o agravamento da crise climática também piora as desigualdades e, como o relatório do IPCC reforça, tem mais efeitos nas populações em maior situação de vulnerabilidade. 

O especialista exemplifica com uma reação em cadeia: 

– A questão da mudança climática somada à ampliação do desmatamento na Amazônia altera o regime de chuvas; 

– Chove menos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, ocasionando um abastecimento mais precário das reservas hídricas; 

– Sistema de energia hidrelétrica sobrecarregado para geração de energia; 

– Ativação de usinas térmicas, com preço mais elevado, que é repassado ao consumidor; 

– Aumento da inflação do país, prejudicando em maior grau a fatia pobre da população, que vê parte de seu orçamento consumido pela inflação. 

“Estamos vivendo uma espiral perfeita, mas precisamos inverter isso. Reduzir as desigualdades contribui para as políticas de combate à mudança climática. E diminuir esses impactos do clima impacta positivamente em menos distância entre ricos e pobres.”  

Desafios e oportunidades para o ISP 

40% dos respondentes do Censo GIFE 2020 afirmam desenvolver iniciativas relacionadas a ambiente urbano e sustentabilidade. Esse índice não é maior, de acordo com Américo, por uma conjunção de fatores. Além do perfil do investimento social privado brasileiro – que apesar de estar mudando gradualmente, é historicamente mais assistencialista – envolve o fato de planejamento urbano e sustentabilidade serem temas ‘guarda-chuvas’, como cita o coordenador. 

Isso significa que, nesse debate, estão abarcadas questões como habitação, saneamento, mobilidade urbana, educação e saúde pública, política de assistência social, entre muitas outras áreas, o que confere uma complexidade e falta de nitidez sobre os caminhos que o ISP pode seguir. Entre as mais de 815 mil organizações da sociedade civil (OSCs) contabilizadas no Mapa das OSCs, por exemplo, apenas 54 atuam no tema meio ambiente. 

A gestão municipal, e consequentemente as proporções do território brasileiro, também são questões que dificultam a atuação na temática ambiental. Um único investidor não consegue resolver todos os desafios dos 5.570 municípios. Ao mesmo tempo, escolher em qual região irá investir pode gerar dilemas: ao passo que regiões metropolitanas têm mais estrutura, as cidades do interior enfrentam questões básicas de gestão e infraestrutura.

“Acredito que o investimento social privado ainda não encontrou seu lugar nessa agenda de sustentabilidade no ambiente urbano, e por isso, não se arrisca tanto”, explica.   

Para ter mais clareza sobre os caminhos de investimento, Américo cita a possibilidade de criar uma escala de categorização das cidades de acordo com o tamanho, como uma forma de segmentar os tipos de desafios enfrentados. Assim, os investidores sociais poderiam escolher se atuarão em municípios pequenos, cidades médias ou grandes metrópoles, por exemplo.  

Em ano eleitoral, o coordenador aponta como indispensável que, independente do cargo, os candidatos atentem-se à questão climática, a provisão de orçamentos para que municípios consigam colocar medidas de mitigação em prática e também a conservação da Amazônia.

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